Alessandra Corrêa de Winston-Salem (EUA)

 

A cidade americana de Minneapolis, que está no centro dos protestos contra a morte de George Floyd, tem uma longa história de segregação e conflitos raciais.

Floyd, um homem negro de 46 anos, morreu na última segunda-feira (25/05) ao ser detido, algemado e imobilizado por um policial branco.

Um vídeo gravado por uma jovem que passava pelo local mostra o policial Derek Chauvin pressionando o joelho contra o pescoço de Floyd que, desarmado e deitado no chão, repete: “Não consigo respirar”.

Os três outros policiais presentes não intervieram. Após alguns minutos, Floyd perdeu os sentidos. Colocado em uma ambulância, ele foi declarado morto pouco depois.

O episódio desencadeou protestos em todo o país, alguns deles violentos, e remete a vários outros casos recentes de negros desarmados que foram mortos pela polícia em diferentes partes dos Estados Unidos.

 

As novas acusações contra policiais pela morte de George Floyd nos EUA

Mas a morte de Floyd — e as manifestações que se seguiram — refletem não apenas o contexto de conflitos raciais no país, mas também características específicas de Minneapolis, que fica localizada no Estado de Minnesota, no norte do país.

“É importante situar a morte de George Floyd e outros eventos como esse no contexto histórico mais amplo”, diz à BBC News Brasil o geógrafo Kevin Ehrman-Solberg, um dos fundadores do Mapping Prejudice (Mapeando o Preconceito, em tradução livre), projeto ligado à Universidade de Minnesota que identifica restrições raciais impostas a moradias da cidade no século passado.

“Isso não foi algo aleatório, que simplesmente aconteceu. É o resultado de décadas e décadas de desigualdade estrutural.”

Restrições raciais

Minneapolis é hoje uma cidade com líderes progressistas e na qual autoridades admitem os problemas gerados pelo racismo estrutural e adotam medidas para tentar reduzir a segregação racial. Mas o impacto de medidas racistas adotadas no passado ainda são sentidos.

A cidade é considerada a quarta pior área metropolitana dos Estados Unidos para negros morarem e tem uma das maiores disparidades raciais do país em vários indicadores, como taxa de pobreza, desemprego e propriedade de imóveis.

Também é altamente segregada, algo que é fruto de políticas adotadas a partir do início do século 20 para impedir que moradores negros se mudassem para determinadas áreas.

Durante décadas, persistiu na cidade, assim como em outras partes do país, a prática de incluir nas escrituras de propriedades uma cláusula estabelecendo que pessoas que não fossem brancas não poderiam ser proprietárias ou, em muitos casos, nem mesmo ocupar o local.

O projeto da Universidade de Minnesota já encontrou quase 30 mil propriedades que tinham cláusulas de restrição racial entre 1910 e 1955.

Segundo Ehrman-Solberg, isso contradiz a narrativa comum de que a segregação racial ocorria apenas no sul dos Estados Unidos.

“É verdade que (na época) Minneapolis não tinha bebedouros ou ônibus segregados, mas havia esse sistema de segregação velado, que não era tão visível, mas era brutalmente eficaz”, diz o fundador do Mapping Prejudice.

Ehrman-Solberg observa que, em 1910, moradores negros representavam apenas cerca de 1% da população local. Mas a imposição das restrições foi uma ação preventiva para garantir que a cidade permanecesse “branca” no futuro, limitando os moradores de outras raças a certas áreas.

Com essas restrições, quase todas as novas construções eram reservadas aos brancos, e a população negra acabou confinada em zonas da cidade com casas antigas e de menor valor.

Divisa

Essas restrições raciais no setor de habitação foram proibidas em todo o país em 1968, mas seu impacto ainda está presente em Minneapolis e em outras cidades americanas, tanto na composição racial dos diferentes bairros quanto em termos financeiros.

Ehrman-Solberg afirma que, nos quarteirões onde as propriedades tinham as cláusulas no passado, cerca de 80% dos moradores atuais são brancos, percentual maior do que a média da cidade, que é de 60%. O valor de casas que no passado tinham essas restrições ainda hoje é cerca de 50% mais alto do que a média da cidade.

O impacto financeiro dessas disparidades, ressalta o pesquisador, resulta até hoje em níveis de renda mais baixos e taxas de pobreza mais alta entre os habitantes negros.

A área em que Floyd foi morto, e onde as manifestações se concentraram inicialmente, no cruzamento entre a rua 38 e a avenida Chicago, marca a divisa entre uma dessas zonas com população historicamente negra e outra área predominantemente branca, onde a maioria das propriedades tinha cláusulas de restrição racial.

No passado, quando essas medidas ainda estavam em vigor, a divisão entre áreas de população negra e de moradores brancos era rígida, e muitas vezes a fronteira entre as duas zonas era alvo de policiamento mais intenso e agressivo.

Ainda hoje, muitos moradores de áreas em que a maioria da população é negra costumam reclamar de excessos cometidos pelo policiamento em suas comunidades, diferente do que ocorre em bairros de maioria branca.

Relacionamento com a polícia

Em Minneapolis, o relacionamento da polícia com comunidades negras e outras minorias tem um histórico conturbado, com acusações de racismo.

Ehrman-Solberg lembra que o movimento indígena americano foi fundado na cidade, em 1968, em parte como resposta à “brutalidade policial contínua”.

Um ano antes, Minneapolis havia sido palco de protestos violentos da comunidade negra. Nos anos 1980, houve mobilização da comunidade gay da cidade contra as agressões da polícia.

O próprio chefe de polícia, Medaria Arradondo, primeiro negro a ocupar o cargo, processou o departamento no início de sua carreira por tolerar comportamento racista. Ele assumiu o comando da corporação em 2017, com o objetivo de melhorar as relações da polícia com a comunidade negra.

Os negros representam apenas 20% da população, mas são mais de 60% das vítimas em disparos com envolvimento da polícia.

A cidade já foi palco de vários protestos anteriores contra a morte de homens negros pela polícia, como de Jamar Clark em 2015 e de Thurman Blevins em 2018.

O departamento de polícia de Minneapolis é alvo de inúmeras reclamações de uso excessivo de força, inclusive contra Chauvin, o policial que imobilizou Floyd. Os policiais envolvidos nesses episódios raramente são disciplinados ou punidos.

Arradondo demitiu os quatro policiais envolvidos na morte de Floyd. Chauvin foi preso e indiciado pelo homicídio. Os outros três estão sendo investigados.

Para Ehrman-Solberg, são necessárias mudanças estruturais para impedir que esse tipo de violência continue ocorrendo.

“Episódios de violência policial como este são sintomas de uma geografia profundamente desigual. Não são um acidente. São incrivelmente tristes, mas não é surpreendente que ocorram.”

 

Fonte: BBC News Brasil, 30/05/2020.

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