Por Rosane Borges*

 

A enxurrada das manifestações anti-fascistas pela síntese imagética colocou de novo em cena aparentes antagonismos que só se mostram antagônicos porque desgastamos ambas as expressões (anti-fascista e antirracista). Duas questões que andam umbilicalmente juntas foram fatiadas para que tomássemos partido de uma ou de outra, prática comum por aqui e alhures.

 

As críticas às manifestações anti-fascistas na internet me incomodaram pq caíram na mesma armadilha. Sabe-se que nazismo só se teve um, fascismos vários. E tanto nos EUA quanto aqui a solução final foi pensada pondo em funcionamento soluções intermediárias que tomaram a questão racial-negra como núcleo (da klu klux klan, passando pelo racismo policial até o autoritarismo de estado e as modulações subjetivas que esculpem a tod@s nós – Foucault bem lembrou que não bastava a gente vasculhar o fascismo fora de nós, mas tínhamos que flagrá-lo cotidianamente no nosso mais profundo íntimo). Portanto, não basta lamentar que a imagética anti-fascista soterrou as campanhas antirracistas em plena convulsão sociorracial encampada nos EUA. Cabe-nos apontar que as insurreições fascistas que se levantam no mundo só ganham o lastro que ganham por que racismos vários lhes servem de esteio. Vale ainda dizer que esse apego à expressão antirracista parece também não dizer muita coisa, parece também não alcançar o que se espera de uma reação ao racismo na magnitude EM que ele se apresenta.

 

Interpelamos os brancos para deixarem de ser racistas, depois começamos a dizer que não bastava não ser racista, era preciso ser antirracista (eu tenho vários colegas brancos que se dizem antirracistas e…. nada acontece). Nos últimos tempos venho tentando recuperar um propósito do movimento negro das décadas de 70 e 80: o combate intransigente do racismo. Esse propósito que não se converteu em palavra de ordem para a gente branca (devemos sempre desconfiar das palavras de ordem quando elas se transformam em enunciados amplos, gerais e irrestritos – repito: vejamos o que fizeram com a expressão antirracista: uma palavra performativa, no sentido linguístico, que ao ser pronunciada parece eliminar o racismo e responsabilidades de quem o reproduz). Temos que estar à altura do nosso cotidiano, e ele espera da gente algo mais do que embates que nos levam sempre para o mesmo lugar ou para lugar nenhum.

 

Tony Morrison está sendo uma das principais referências para pensar sobre fascismos e racismos. Com ela termino esse desabafo escalafobético pra deixar o texto um pouco mais aprumado:

“Quando nossos medos forem todos transformados em episódios de uma série, nossas ideias levadas ao mercado, nossos direitos vendidos, NOSSA INTELIGÊNCIA REDUZIDA A PALAVRAS DE ORDEM, nossa força exaurida, nossa privacidade leiloada; quando a vida estiver completamente transformada em encenação, em entretenimento, em comércio, então vamos nos encontrar vivendo não numa nação, mas num consórcio de indústrias em que seremos totalmente ininteligíveis uns para os outros, exceto pelo que conseguirmos ver através de uma tela escura.”

 

* Rosane Borges, Jornalista, pós-doutorada em ciências da comunicação, professora colaboradora do grupo de pesquisa Estética e Vanguarda (ECA-USP), integrante do grupo de pesquisa Teorias e práticas feministas (Unicamp/Usp), conselheira de honra do grupo Reinventando a educação. Autora de diversos livros, entre eles: Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro (2004), Mídia e racismo (2012) e Esboços de um tempo presente (2016).

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