Por Guilherme Silva e Malú Vale*

 

A pandemia de COVID-19 no Brasil tem nos dado muitas lições sobre as relações trabalhistas.

Comecemos pelos trabalhadores de aplicativo (Uber, Ifood, etc) que estão na linha de frente e seguem sendo centrais para permitir o isolamento social, sem esses trabalhadores seria muito mais difícil ficar em casa, e mesmo assim esses trabalhadores estão a própria sorte quanto aos cuidados para prevenir a contaminação pelo Coronavírus.

As empresas de aplicativos alegam que esses trabalhadores não tem relação empregatícia e portanto se isentam da responsabilidade com os mesmos. O cenário que vemos é cruel, por exemplo, trabalhadores que passam o dia entregando comida, porém não tem sequer sua refeição garantida. Se os aplicativos já atingiam todo ano recordes de lucro, o contexto de pandemia estabelecerá um novo recorde.

Ao contrário do que pregam os neoliberais a redução de direitos trabalhistas não melhorou as condições de vida do trabalhador, o discurso de não ter patrão e fazer o seu próprio horário é na realidade apenas mais um engodo, pois acontece justamente o contrário, o trabalhador trabalha mais horas por dia, mais dias por semana, e ao fim recebe menos e tem menos direitos.

Aqui confirmamos o entendimento de que reduzir direitos trabalhistas só serve para aumentar o lucro das empresas, não traz nenhum benefício para o trabalhador.

Os trabalhadores da educação se viram numa encruzilhada, pois com o isolamento social surgiu a demanda das aulas online e produzir conteúdo virtual para educação, desconsiderando se os profissionais possuem condições técnicas (computadores adequados, internet banda larga, etc) e didáticas (formação para aulas virtuais, conhecimento das ferramentas, etc) para essa mudança tão abrupta, sem considerar inclusive que muitos desses profissionais também possuem filhos e precisam responder as demandas de seus próprios filhos.

Essa é uma encruzilhada, pois na rede privada há um aumento do assédio moral para entendimento dessa demanda e o não atendimento pode gerar até demissão, diante desse cenário não é de se surpreender que esses educadores cedam a pressão em atender a demanda para garantir seus empregos, gerando assim uma pressão extra para os educadores da rede pública que passam a ser cobrados e criticados por não se adequarem como os educadores da rede privada.

Por outro lado, a falta de sensibilidade em entender que muito estudantes não possuem condições para acessar os conteúdos de aulas virtuais, aumentando a disparidade educacional entre os estudantes de acordo com o poder aquisitivo familiar. Lembrando que a população negra tem menos acesso a internet, segundo um artigo de 2017 da Carta Capital (https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/negros-estao-mais-empoderados-na-internet-mas-acesso-ainda-e-desigual/), sem falar nos poucos ou nenhum, instrumentos disponibilizados pelas secretárias de educação, que oferecem como solução, grupos de aplicativos de mensagens, redes sociais pessoais, tudo isso realizados por aparelhos dos professores. Isso demonstra como a mercantilização da educação é antidemocrática, racista e inviabiliza que a educação seja um bem universal. Isso reafirma a lição que já aprendemos de que a educação não pode ser mercadoria, pois isso só interessa a quem lucra com a mercantilização da educação.

Os trabalhadores avulsos (ambulantes, etc), que em sua maioria são negros, se viram sem condições de obter o seu sustento com a proibição de suas atividades, com a demora e indefinição do Estado brasileiro em definir um plano de ação para garantir a sobrevivência dos mesmos. Esses trabalhadores que já viviam em condições de muita instabilidade financeira ficaram na dependência de ações de solidariedade enquanto o governo federal se reduziu a uma pequena resposta financeira com vários problemas operacionais e restrições injustificáveis.

Aqueles que defendem o Estado Mínimo devem saber que as suas crenças econômicas significam que milhares de famílias morreriam de fome e nesse momento onde se fala muito em solidariedade defender essa política é uma crueldade. Aqui a lição é mais profunda, o Estado precisa ser o agente de distribuição de riqueza e promoção de igualdade social, lembrando que isso só é possível com o enfrentamento do caráter racista do Estado brasileiro.

Os petroleiros vivem uma situação bem contraditória, a direção da Petrobras decidiu unilateralmente reduzir a jornada de trabalho com redução de 25% no salário daqueles que trabalham em horário administrativo, enquanto triplica o teto de bônus para os diretores. É na prática retirar dos que recebem menos para pagar mais ao que já ganham muito. O estranho é que a direção da empresa alega que essas medidas são para manter a saúde financeira da empresa, mas mantém previsto o pagamento de uma remuneração variável extra de critérios pouco transparentes. Além disso as áreas operacionais têm tido surtos de contaminação por Coronavirus e a empresa demorou muito em adotar medidas de prevenção e as adotou de maneira incompleta. É importante lembrar que o atual presidente da Petrobras é um defensor radical do neoliberalismo, defende que o objetivo da empresa é gerar lucro para os acionistas. Aqui a lição é bem simples, os neoliberais querem apenas aumentar os seus lucros independente da saúde do trabalhador.

A pandemia não inventou os problemas sociais, contudo ela tem servido ´para demonstrar talvez de modo muito didático e real, que a defesa de políticas públicas, laicas, estatais, gratuitas e de qualidade são a possibilidade mais palpável para que possamos passar por esse momento.

E a outra é que mais uma vez o povo brasileiro demonstrou que é a sua solidariedade de classe, gênero e raça, alinhado a criatividade e forte capacidade organizativa não formal, nossa maior arma.

 

* Guilherme Silva, petroleiro, membro da Coordenação do Instituto Búzios | Malu Vale: Assistente Social, mestranda pelo PPGSS/UFRJ.

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