[Foto: Alisha Jucevic/AFP via Getty Images]
Por Ronilso Pacheco
A exemplo do nacionalismo cristão nos Estados Unidos e dos evangélicos brancos apoiadores de Trump, os evangélicos bolsonaristas e fundamentalistas brasileiros têm se empenhado em atacar o movimento Black Lives Matter e sua importância na história norte-americana. Tornou-se uma missão criar o clima de rivalidade entre a igreja e o BLM, desmerecendo a luta contra o racismo e a violência policial.
Em 11 de junho, o Mass Resistance, uma das mais ativas organizações ultra-conservadoras dos EUA, que se autodeclara “pró-família”, publicou um artigo que deturpava completamente o texto fixo na página do BLM em que o movimento apresenta o “em que nós acreditamos”. No texto, o BLM conta sua história: desde a mobilização após o assassinato, em 2012 do adolescente negro Trayvon Martin pelo vigilante branco George Zimmerman (absolvido em 2013) e como o movimento cresce, age coletivamente e inclui a si mesmo em “uma família negra global”. A certa altura, o texto do BLM literalmente diz: “Rompemos com o requisito de estrutura familiar nuclear prescrito pelo Ocidente, apoiando-se como famílias ampliadas e ‘aldeias’ que cuidam coletivamente um do outro, especialmente de nossos filhos, na medida em que mães, pais e filhos se sentem confortáveis”.
O Mass Resistance destacou o trecho “rompemos com o requisito de estrutura familiar nuclear” (e só este trecho) para disseminar a ideia de que o BLM é contra a família. Somado a isso, passou a compartilhar também uma parte de uma entrevista de 2015 dada por Patrisse Cullors, uma das fundadoras do BLM. Na ocasião, Cullors diz, entre outras coisas, que ela e as amigas fundadoras eram “marxistas treinadas”. Com a parte da resposta de Cullors, tirada do contexto e incompleta, somada à manipulação da ideia do movimento ser contra a família nuclear (leia-se “tradicional”), os cristãos conservadores construíram uma narrativa falsa para enfrentar a força do BLM justamente no momento em que o movimento se destaca como principal referência da luta antirracista após o brutal assassinato de George Floyd, em Minneapolis, no fim de maio.
A versão do Mass Resistance associando BLM como anti-família passou a ser, quase que imediatamente, compartilhada pelos cristãos conservadores no Brasil. Muitos deles, sobretudo os de orientação teológica calvinista, são vinculados a organizações, igrejas e seminários teológicos que possuem fortes relações com instituições cristãs do sul dos EUA, que apoiaram o regime escravocrata no passado. Bastaria uma leitura rápida no texto completo do BLM, com honestidade, para saber que não é razoável qualquer margem para se inferir um projeto de destruição da família.
O pastor Tiago Santos fez um longo texto em sua página no Facebook sobre o BLM e concluiu que “o cristão não precisa aderir a um movimento violento, de filosofia estranha à fé cristã e alienante como o BLM”. Santos é pastor da Igreja Batista da Graça e um dos diretores do Martin Bucer, um dos mais conservadores seminários teológicos brasileiros, cujo principal diretor, Franklin Ferreira, é hoje um dos calvinistas mais agressivos nas redes sociais. Também pastor, Franklin corrobora em texto que o BLM é “um grupo revolucionário marxista” que deseja “acabar com a família nuclear”. Não deixa de ser curioso que, segundo seu site, o Seminário Martin Bucer tenha apenas uma mulher e nenhum negro em seu corpo docente de 14 professores.
Chama atenção o BLM ser apontado como um “movimento violento” por uma organização que, nos EUA, está entre as mais agressivas. Faz ameaças contra a comunidade LGBTQ, em especial, e é simpática a supremacistas brancos. O responsável pela unidade do Mass Resistance na Califórnia, Arthur Scharper, já foi inclusive advertido pelo Partido Republicano, ao qual é filiado, por suas “atividades inadequadas”, que consiste em ações violentas e insultos extremistas. Scharper xingou a deputada democrata Maxin Waters, uma mulher negra e idosa, mandando ela “ir ao inferno” em frente ao escritório da parlamentar.
O pastor Steven Anderson, do Arizona, conhecido por declarações do tipo “gays devem morrer”, já fez parte do grupo. No massacre de uma boate gay em Orlando, em 2016, o pastor Anderson celebrou as mortes como “50 pedófilos a menos no mundo”. Em 2019, Anderson foi proibido de entrar na Irlanda por seu discurso de ódio.