Por Léa Maria Aarão Reis
Livros de Luiz Alberto Moniz Bandeira analisam continuação do mundo unipolar no século XXI e atualizam a compreensão da mudança no governo dos EUA.
Pouco antes de falecer, há cinco anos, o professor Luiz Alberto Moniz Bandeira lançava um dos seus livros de referência, A Desordem Mundial. O volume fechou a trilogia (Ed. Record) constituída por Formação do Império Americano e A Segunda Guerra Fria, produtos de exaustiva pesquisa e formidável documentação onde o professor, então aposentado da Universidade de Brasília e de universidades da Alemanha, Suécia, Portugal e Argentina, aprofunda ”o fio condutor que atravessa a sua obra de ponta a ponta; o antiimperialismo ocidental e, em particular, o americano”, como escreve o pesquisador Michael Löwy na apresentação do trabalho.
Atualmente, após o conturbado período de transição de governo nos Estados Unidos encerrado esta semana, desocupa a Casa Branca o republicano de última hora, Donald Trump, e entra o tradicional democrata Joseph Biden. Será tão invasiva, porém mais sutil, a política de submissão a países da periferia aplicada pelo novo presidente da atual, grosseira e tosca, do arrivista Trump?
E no que diferem as políticas de governo das políticas de interesses de estado – no caso dos EUA?
É hora propícia para ler (ou reler) as observações de Moniz Bandeira nos três livros sobre esse tema e ouvir o que ele disse, em 2006, durante o discurso que proferiu ao receber o troféu Juca Pato pela publicação de Formação do Império Americano.
Seu filho, o pesquisador do Instituto Max Planck na Alemanha, e coordenador do curso de Direito Chinês na Universidade de Trier, Egas Moniz Bandeira, recomenda a leitura do discurso da cerimônia do Juca Pato onde seu pai ”reconta muita coisa” sobre o ”império”. Ele comenta também a leitura de Desordem Mundial: é relevante para analisar a atual mudança de políticas externas dos Estados Unidos.
Em Formação do Império Americano – da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque, Moniz Bandeira demonstra que a prática não confirmou a teoria de que o imperialismo seria ”o prelúdio da revolução social do proletariado”, como Lenin acreditava.
O que se confirmou, segundo sua análise, foi ”a hipótese de Karl Kautsky, que previu, em 1914, o surgimento de uma outra etapa: a do ultra-imperialismo. Nela, as potências industriais, assim como as empresas do mercado, terminariam por se unir e formariam uma espécie de cartel, deixando de competir pelas armas; e as guerras, para o consumo do material bélico, ocorreriam somente com ou nos países mais atrasados, na periferia do sistema capitalista”.
Em 2016, Moniz já repercutia os temas do seu livro, referindo-se ao golpe na Ucrânia e à guerra da Síria, em entrevista realizada da Alemanha, por email, a Carta Maior: ”A evolução recente dos acontecimentos internacionais indica que os Estados Unidos, conquanto ainda possam prevalecer durante várias décadas, durante o século XXI não conseguirão manter um mundo unipolar”.
”Mas os Estados Unidos”, ele prossegue, ”são um país muito contraditório, devido às suas origens revolucionárias. Segundo as palavras de Karl Marx, die größerenKapitaleschlagendaher die kleineren (os grandes capitais esmagam os pequenos), uma vez que a concorrência se acirra em relação direta com o número e em relação inversa à grandeza dos capitais, que rivaliza e termina sempre com a derrota dos pequenos capitalistas cujas empresas ou afundam, quebram ou passam para as mãos dos vencedores, gerando o monopólio”.
”É o bellum omnium contra omnes, de Thomas Hobbes – a lei da selva, o darwinismo econômico, social e político. O mercado, no qual os capitalistas fazem a conversão monetária do excedente econômico, sempre foi o campo de batalha onde somente os mais aptos, os mais fortes, podem sobreviver”.
Uma outra observação de Moniz Bandeira à época: ”A corrupção é inerente à república presidencialista inspirada no modelo americano”. E em 2019, a mídia independente lembrava que o então vice-presidente democrata de Barack Obama, Joe Biden, foi quem serviu como um ”virtual governador colonial da Ucrânia de 2014 até 2016”. Naquele ano Biden já era cogitado como um possível adversário ‘progressista’ de Donald Trump para 2020.
Dos 24 capítulos de A Desordem Mundial dez deles são dedicados ao golpe na Ucrânia. Na entrevista de quatro anos atrás, indagava Carta Maior: Terá sido este o primeiro grande evento geopolítico, o marco de uma ruptura que sinaliza um perigoso mundo do futuro?
Resposta de Moniz Bandeira: ”A Ucrânia e a Síria são dois teatros de guerra em que os Estados Unidos estão atolados e, virtualmente, derrotados. Apesar do aguçamento das tensões, um cenário que muitos analistas consideram talvez mais grave do que a crise dos mísseis instalado em Cuba em 1962; mas não creio que elas esquentem ao ponto de levar os Estados Unidos e a Rússia a um confronto armado direto. Não creio que os falcões de Washington se arrisquem a tanto. Seria a destruição mútua de ambas as potências. A guerra fria, no entanto, deve prosseguir de uma forma ou de outra porque constitui uma necessidade econômica dos Estados Unidos. Os lucros e as comissões que a indústria bélica e sua cadeia produtiva proporcionam, os empregos e a receita de que vários Estados do sun-belt (Califórnia e outros) dependem, bem como os orçamentos do Pentágono, da CIA e demais órgãos de segurança, todos necessitam da criação de ameaças tais como à Rússia etc.”
”A diretriz dos Estados Unidos sempre foi produzir acontecimentos de tal modo que pudessem negar sua responsabilidade: plausible deniability.
Sobre a possibilidade de o século XXI ser o século chinês:
”É possível”, analisava o professor Moniz. ”Mas não será unipolar. Os Estados Unidos ainda serão por muitas décadas o principal ator. E a Rússia, como Phœnix, ressurgiu dos escombros da União Soviética e demonstrou que continua uma superpotência e pode deter e conter a ditadura global, isto é, a ditadura do capital financeiro que os Estados Unidos intentam implantar com o rótulo de exportação da democracia”.
Fonte: Carta Maior.