O documentário ‘Sergio Moro: A Construção de um juiz acima da lei’ discute construção artificial da Lava Jato em conluio com tribunais e a mídia corporativa, e os prejuízos que ela trouxe ao Brasil.
Por Léa Maria Aarão Reis
Sergio Moro: A Construção de um juiz acima da lei é um documentário resultante do projeto dos jornalistas Luis Nassif, Marcelo Auler, Cintia Alves e Nacho Lemus. Trata-se de um registro histórico que o espectador não deve deixar de assistir no canal do site GGN e no Youtube. Tem a duração de pouco mais de uma hora e provoca impacto por duas razões. Uma delas, ao apresentar como um todo a trajetória do ex-juiz Sergio Moro desde suas origens familiares e a medíocre formação jurídica na cidade de Maringá até sua destituição como titular da pasta de Ministro da Justiça pelo (des)governo de extrema direita do Brasil.
O encadeamento é bem engendrado, com imagens de época e entrevistas realizadas on line entre novembro de 2020 e janeiro último-, exceto as entrevistas comoventes de dois agricultores vítimas de uma operação instruída por Moro e realizadas em 2018 – e a sua linguagem, simples e direta, permite o acesso de grandes platéias aos detalhes do jogo processual.
O doc deve ser visto também, embora não mostre fatos novos determinantes sobre esse jogo de ações da operação Lava Jato comandada por Moro, porque ressalta e sublinha a cumplicidade, ou a explícita ou pela conivência habilmente disfarçada de membros de tribunais superiores do país, e a cooptação da mídia corporativa.
Logo no início, indaga Luiz Nassif: ”Quem foi Sergio Moro? Quem é Sergio Moro? Destruiu a engenharia brasileira e a política partidária no país, colocou em cheque a democracia na América Latina e abriu caminho para a ascensão de Bolsonaro.”
O Supremo Tribunal Federal, ”foi parte do problema,” diz no filme o advogado australiano de Direitos Humanos Geoffrey Robertson, representante do ex-presidente Lula no Conselho de Direitos Humanos da ONU. ”A corte suprema brasileira não removeu-o do caso como deveria ter feito embora ele tenha divulgado as transcrições do grampo (NR.: conversas telefônicas grampeadas ilegalmente entre a ex-presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula). A propósito, lembra-se no filme, o ex-magistrado de Curitiba já era conhecido, no STF, antes do início da Lava Jato, como um ”juiz truculento”, como ”juiz investigador.”
Jornalista e escritor, Mario Magalhães, outro entrevistado, recorda: ”As transcrições foram vazadas com o objetivo de intimidar e manipular informações. A mídia corporativa foi cooptada. Não houve cobertura jornalística dos fatos; não houve jornalismo. E quando a propaganda sufoca o jornalismo é a desgraça”.
E o procurador Celso Tres: ”A metodologia usada pela Lava jato não pode achar que os fins justificam os meios.”
Ao longo de 74 minutos, o doc expõe alguns dos métodos heterodoxos usados pelo ex-juiz a partir do depoimento de dezenas personagens que acompanharam os casos escabrosos de perto. O fio condutor fica a cargo de Luiz Nassif em suas intervenções. Além de Robertson e de Magalhães, são entrevistados Alberto Toron, advogado criminalista, Celso Tres, procurador da República, Cezar Roberto Bitencourt, doutor em Direito Penal, Cristiano Zanin Martins, advogado do ex-presidente Lula, Fernando Augusto Fernandes, criminalista e autor do livro Geopolítica da Intervenção – A verdadeira história da Lava Jato, Geoffrey Robertson, advogado de Direitos Humanos, Gerson Machado, delegado aposentado da Polícia Federal, Mário Magalhães, escritor e ex-ombudsman da Folha de S. Paulo e Michel Saliba, advogado criminalista.
As entrevistas foram feitas por Cintia Alves, Luis Nassif, Marcelo Auler e Patricia Faermann.
Os questionamentos em torno da construção artificial da competência de Moro para julgar a Lava Jato, o papel de setores da imprensa que inflaram o movimento lavajatismo para derrubar um governo progressista, a postura vacilante da Suprema Corte e o alinhamento em outros tribunais são pontos abordados, como anuncia a divulgação do documentário.
”A competência da Lava Jato”, resume o advogado Cristiano Zanin Martins”, também ele expondo uma face podre da Justiça brasileira, ”foi uma construção artificial de tribunais regionais, tribunais superiores e médios, da oposição política, de delegados e procuradores que visavam a desestabilização do país.”
“Criaram um ambiente artificial de culpa como uma sensação de que todo juiz que revisasse decisões da Lava Jato poderia ser conivente com a corrupção.”
*O material colhido no doc está publicado no GGN e Blog Marcelo Auler.
https://www.youtube.com/watch?v=tBc6AnRZfjo&feature=youtu.be
Fonte: Carta Maior.