Como foi perceptível, as manifestações, por todo o Brasil, foram gigantescas [dia 29 de maio de 2021]. “Não é exagero afirmar que foram as maiores manifestações dos últimos três ou quatro anos. O povo trabalhador desse país, esgotado, cansado desse governo genocida, saiu às ruas dando um grito de basta. As manifestações também serviram como um fio de esperança. Muitas pessoas, depois de passarem mais de um ano isoladas, perceberam que não estavam sozinhas e que seu sentimento de indignação é compartilhado por outras milhares ou milhões”, afirma a colunista Júlia Rocha na Ecoa.
Por José Raimundo Trindade
O Brasil inteiro se moveu. De Norte a Sul os negros, tupiniquins, meio brancos, mulatos, acesos, indignados e vivos se manifestaram. Tudo começou na “terra do sol”, lugar que nunca dorme e que a floresta esparrama e vive na alma. A manifestação de Belém e do resto do país, teve uma participação de algo em torno de um milhão de pessoas, o que a torna uma excelente largada num novo ciclo de lutas sociais. Podemos fazer uma análise desta largada considerando quatro pontos de relevância, vamos a eles.
1) A retomada das lutas sociais de ruas. Nos últimos meses a esquerda tinha deixado a luta de ruas sob controle dos setores bolsonaristas, algo muito arriscado em termos sociais. Porém, deve-se destacar o padrão e dimensão das manifestações da direita e da nossa retomada. São quantitativa e qualitativamente favoráveis a esquerda.
Retomar às ruas numa crescente é central para derrubar o governo neogenocida e estabelecer uma agenda de redemocratização e anti-neoliberal.
2) A presença da juventude em grande número. Este aspecto nos dá a certeza de crescimento das manifestações próximas, mesmo em ambiente tão desfavorável. Considerando o grande número de jovens, muito superior aqueles da minha faixa de idade (tenho 54 anos), acende a luz amarela da direita e abre os sinais verdes para esquerda e para o avanço das lutas de ruas.
3) A diversidade social. Este ponto era visível na composição da manifestação. Víamos trabalhadores e trabalhadoras do comércio, donas de casa, estudantes, operários da construção civil e, ainda majoritário, a classe média formada por educadores e profissionais liberais. A composição diversa nos coloca a proposição de que o “Fora Bolsonaro” rapidamente crescerá e que a esquerda organizada terá que estar pronta para dirigir este movimento. As condições parecem soprar ventos muito positivos, porém somente capitalizaremos se tivermos capacidade de organização diretiva, inclusive alimentando o debate via redes sociais.
4) O movimento necessita se preparar para enfrentamentos mais violentos. Nesta manifestação o grupo de “segurança” era bastante frágil e disperso, basicamente responsável por feixar e liberar as ruas com sinais de trânsito. Temos que pensar grupos de proteção que atuam ao longo da manifestação. Esses breves pontos não dão conta da riqueza e acerto da realização deste primeiro ato presencial.
A conjuntura nos aponta um cenário de grande confusão entre os setores da burguesia brasileira. Isso abre a possibilidade de uma transição mais rápida entre o atual governo neoliberal fascista e uma opção ainda dentro dos interesses financistas, que são aqueles que bancaram a dupla Bolsonaro/Mourão. Porém, a resistência organizada dos fascistas é superior àquela manifesta por segmentos de direita anteriores, como o Collor.A luta de ruas será central para afastar o Genocida, assim como abrir uma nova etapa na reorganização da sociedade brasileira.
Na manifestação encontramos alguns velhos amigos e conhecidos, gente que está nesta lida e luta por um Brasil um pouquinho menos ruim faz muito tempo. Aliás, lembrando de mim mesmo, já estive em quase uma centena de manifestações, desde os idos da década de 1980, na época dirigente de uma tendência estudantil secundarista.
A manifestação teve alguns sabores e visões diferentes. Me vi já envelhecido, mas com o mesmo espírito de 1980, pulei e gritei, mesmo com a maldita máscara. Mas fiquei muito alegre ao ver aquela moçada tão parecida comigo mesmo: uma rosa nas mãos, uma esperança no peito e um grito de futuro na garganta. Vi renascer e achei que talvez não estejamos perdidos.
Mas vi também as dificuldades que teremos de retomar o fio da história. Vi muita gente ainda comprometida com essa loucura caótica proposital. Isso que tem um “Mito” de guerra e pus, e mesmo assim ainda se vê neste canibal de sonhos e se identifica. Infelizmente minha permanente racionalidade me leva a crer que nossa luta pelo tempo da razão ainda será longa.
Mas falo para vocês e parece que o cenário da disputa está se formando: vamos construir o presente de lutas pensando no futuro de igualdade e razão humana. Que venham novas e gigantescas manifestações. Recife é grandiosa, nos falaria Chico Science: “Recife não respira, escorre”. Recife é a principal capital nordestina, mais importante que Salvador, não pela cena cultural, mas pela grandeza das revoltas históricas desde o século XVIII.
O controle das polícias é uma estratégia central para os “coiotes” fascistas. A PM não é e nunca foi controlada pelos “poderes” civis. Dois pontos centrais:
i) as milícias fascistas estão mais propagadas do que pensamos. Aqui no Pará, uma PM ultra violenta não foge a essa condição.
ii) A lógica fascista bolsonarista deve estar muito fortemente encerrada na cabeça desse pessoal. Diga-se, historicamente as forças policiais são braços armados de “ocupação” e “eliminação”. Funcionam impedindo alterações sociais, atuam em conformidade ao Exército e sua lógica de poder de ocupação, ao mesmo tempo fazem o jogo sujo que o “Exército de Ocupação” ainda não se presta a fazer: matar e eliminar as populações pobres, negras e resistentes ao poder econômico de cima.
Recife infelizmente será o retrato dos próximos atos de disputa social brasileira.
Estarei nas ruas pela vida mesmo que os cães não queiram.
Fonte: Carta Maior.