Por Marcio Pochmann

As consequências da pandemia da Covid-19 para a economia global seguem ainda sem ser plenamente conhecidas, especialmente em relação à considerável inflexão transcorrida no curso das cadeias globais de valor impulsionado por grandes corporações transnacionais. Pela recente recuperação do nível de atividade econômica, percebe-se a persistência do projeto de automação e demanda crescente no uso de robôs estimulada através da reestruturação produtiva desde o final do século passado.

Somente no ano de 2020, por exemplo, mais de 12 milhões de unidades robóticas estavam em operação em todo o mundo. Nos mais diversos setores de atividade econômica, a automação e a robótica avançam (automóveis autônomos, auto-cozimento, manutenção domiciliar, segurança e robôs de vigilância etc).

Nesse sentido, o salto das inovações tecnológicas que se explicita pelo processo de automação conectado com a robótica colaborativa, a inteligência artificial, a impressão em 3 D, a internet das coisas, da big data e outros. Através da automação, os usuários dispõe de processos robóticos que podem operar ininterruptamente, mais rápido, confiável e de precisão.

Denominada por manufatura avançada (indústria 4.0), a reorganização global da produção ganhou força associada à definição de fábricas inteligentes, com máquinas cada vez mais integradas por circuitos e sensores que avançam na autonomização, com a aprendizagem, armazenamento e descentralização da gestão. De acordo com os dados da Federação Internacional de Robótica, o estoque de robôs operando atualmente na produção industrial se situa no patamar mais alto da história.

Ainda que em 2020 houvesse a desaceleração para 12% de expansão nas vendas de robôs, especialmente motivada pelas indústrias automotiva e eletroeletrônica, o acumulado na segunda metade da década passada foi de quase 85% no mundo. Pelo surto da pandemia da coronavírus, muitos hospitais passaram a implantar robôs para melhor ajudar no enfrentamento da COVID-19.

Além de países como Itália, Índia, Tunísia, Estados Unidos, a China se destacou pela adoção da robótica na saúde. Também em outros segmentos do terciário, como serviços de limpeza, entregas variadas, educação, entretenimentos, armazenamento e distribuição, entre outras, avançaram na utilização de várias tecnologias assentadas na robotização.

Em função da expansão da demanda mundial, os investimentos no domínio da robótica se diversificam, embora cada vez mais concentrados em poucos países. No ano passado, por exemplo, o mercado global de robótica atingiu o valor de R$ 76,6 bilhões, sendo projetado o crescimento médio anual ao redor de 18%, podendo alcançar a quantia de R$ 177 bilhões até 2025.

Apesar disso, o Brasil tem conseguido avançar muito pouco em relação à automação e robótica, sobretudo na produção industrial. No ano de 2019, por exemplo, o país detinha 15,3 mil robôs industriais em operação, o que equivaleu a 0,6% do total de robôs industriais do mundo, enquanto em 2003 eram 2,1 mil robôs na produção manufatureira, representando apenas 0,3% do total de robôs no mundo.

Para o mesmo período de tempo, a China passou de 3,6 mil robôs industriais em operação no ano de 2003 (0,4% do total do mundo) para 783 mil robôs em 2019 (29% dos robôs do mundo). Enquanto a Cingapura possuía 918 robôs por 10 mil ocupados na produção industrial no ano de 2019, o Brasil registrou apenas possui 20,1 robôs por 10 mil ocupados na produção manufatureira.

Dentro dessa perspectiva, constata-se o quanto o avanço nos processos de automação e robótica termina por confirmar e reproduzir um conjunto de elementos já conhecidos pela denominação do desenvolvimento desigual e combinado. A desigualdade que se fundamenta no distanciamento tecnológico aprofunda a dependência a reforçar o próprio subdesenvolvimento.

Isso porque atualmente somente cinco países (Alemanha, China, Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul) concentram cerca 87% dos mais de 2,7 milhões de robôs em operação na produção industrial do mundo, enquanto em 2008, por exemplo, os mesmos países respondiam por menos de 73% do total de 1 milhão de robôs em funcionamento. A persistência da agenda neoliberal não altera o curso da desigualdade, muito menos a dependência e o subdesenvolvimento, reafirmado pela autonomização dos mercados.

Marcio Pochmann é professor e pesquisador do Cesit/Unicamp e da Ufabc.

 

Fonte: Carta Maior.

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