Por Michela Marzano | tradução de Luisa Rabolini
Cinquenta anos se passaram desde a publicação da obra-prima de John Rawls, “Uma teoria da justiça“, onde o filósofo estadunidense explicava como uma sociedade só poderia ser justa se fossem respeitados dois princípios simples: o princípio da igualdade e o princípio da diferença. Se, de fato, é verdade que todo ser humano é igual a todos os outros em termos de dignidade e, portanto, deve poder usufruir dos mesmos direitos idênticos apesar de suas diferenças, também é verdade que as diferenças específicas de cada um do ponto de vista socioeconômico nunca deveriam ser subestimadas e deveriam levar cada país a redistribuir bens e serviços de forma desigual. Que nada mais é do que o princípio aristotélico da igualdade, segundo o qual sempre se deveria dar coisas iguais para pessoas iguais e coisas diferentes para pessoas diferentes.
Cinquenta anos se passaram, eu dizia, e ainda assim a justiça social ainda está longe. E como! Quanto mais os anos passam, mais as desigualdades se acentuam. E hoje, como mostra o relatório apresentado pela Oxfam International, o abismo entre Jeff Bezos, Mark Zuckerberg, Elon Musk e Bill Gates, só para citar alguns dos dez homens mais ricos do mundo e os pobres, tornou-se imenso. E enquanto os bilionários dobraram sua riqueza entre março de 2020 e novembro de 2021, 160 milhões de pessoas mergulharam na pobreza mais absoluta.
Por outro lado, como poderia ter acontecido de forma diferente quando se sabe que nossos tios Patinhas contemporâneos se aproveitam há décadas da ausência de regras claras sobre tributação e também conseguiram interceptar muitos dos bilhões injetados pelos governos nas economias? A diretora da Oxfam International propõe um imposto único de 99% sobre os ganhos da pandemia. O que permitiria amealhar um valor colossal que poderia depois ser redistribuído. E mesmo que a proposta possa parecer provocativa, é evidente que indica o único caminho possível a ser trilhado, o da tributação. Tributar os mais ricos não por maldade ou inveja, como alguns poderiam objetar, mas para garantir que aqueles que ganham também graças à exploração do trabalho daqueles que aceitam condições de trabalho inaceitáveis, participem da redistribuição geral e, portanto, da justiça social.
Rawls, para mostrar a validade do princípio da igualdade e do princípio da diferença, recorrera ao estratagema do véu da ignorância. Que regras gostaríamos de encontrar na sociedade em que vivemos, pergunta-se Rawls, se não soubermos que posição ocuparemos, em que família nasceremos, que educação poderemos receber e qual nosso gênero ou orientação sexual vai ser? Fácil, ele responde. Gostaríamos de nos encontrar em uma sociedade que oferece a todos os mesmos direitos, independentemente de sexo, gênero, orientação sexual ou cor da pele, e que, no entanto, distribui bens, serviços, impostos e ajudas de maneiras diferentes, dependendo da situação familiar, econômica, cultural e social.
Com governos aptos a fazer com que quem ganha mais pague mais impostos e ajudar quem tem dificuldade para chegar ao fim do mês. Especialmente porque, em período de crise, são inevitavelmente os mais frágeis que pagam o preço mais alto. E entre os frágeis, os mais frágeis, por exemplo as mulheres. Nesses dois anos de pandemia, milhões de mulheres perderam seus empregos; centenas de milhares de pessoas foram obrigadas a cuidar de suas famílias ou a serem empregadas informalmente. Quem poderia tolerar que, durante uma festa que reúne meninas e meninos diferentes, o bolo seja cortado em partes idênticas e distribuído sem levar em consideração o fato de que, entre essas crianças, há aquelas que todos os dias têm a oportunidade de comer um doce e outros que, por outro lado, não comem uma fatia de bolo há meses? Provavelmente nenhum.
Bem, o princípio da diferença rawlsiana não diz nada diferente. Apenas propõe cortar o bolo dos impostos em fatias mais ou menos grandes, dependendo de quem está na nossa frente. E, portanto, construir uma sociedade em que o acesso à saúde seja garantido a todos, e não apenas a quem tem a oportunidade de pagar seu seguro; um mundo em que não aconteça que um bilionário desfrute de um passeio no espaço também graças ao dinheiro do Estado injetado na economia, enquanto uma pessoa pobre, para vestir um filho, seja obrigada a entrar na fila da Cáritas.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos.