Por Eve Ottenberg
Para aqueles que acreditam que a África foi descolonizada há décadas atrás, é hora de acordar do mundo dos sonhos. É verdade que as potências coloniais europeias já não impõem domínio direto sobre as nações africanas, que são nominalmente “independentes”. Mas os países europeus expulsos das suas colónias africanas na segunda metade do século XX, não tinham intenção de perder os seus investimentos ou o acesso à vasta riqueza mineral da África. Assim, com a ajuda de grupos como a CIA, europeus e americanos recolonizaram secretamente o continente, com subornos, assassinatos, empréstimos, privatizações (também conhecidas como saques) e a instalação de regimes amigos do Ocidente.
A última e mais nociva dessas repetições coloniais é a força militar dos EUA denominada AFRICOM, embora um oligarca francês “controle 16 portos da África Ocidental por meio de subornos e tráfico de influências”, como Margaret Kimberley relatou no Black Agenda Report, de 1 de dezembro. “As empresas canadianas controlam a mineração de ouro no Burkina Faso, Mali e República Democrática do Congo … Estão também estacionados no Quénia soldados britânicos”.
Portanto, o Ocidente nunca parou de estrangular as nações africanas. Nesse esforço, o vil assassinato de Patrice Lumumba em 1961 foi a chave. Desnecessário será dizer que a CIA estava envolvida até os olhos. Como primeiro líder eleito livremente no Congo após a derrota belga, Lumumba cometeu o erro honesto de confiar nos ideais democráticos ocidentais. Quando descobriu que eles eram falsos, inclinou-se – muito ligeiramente – na direção dos soviéticos. Isso selou o seu destino. “O presidente Eisenhower autorizou o assassinato de Lumumba”, escreve Susan Williams no seu livro recém-publicado, White Malice: the CIA and the Covert Recolonization of Africa [A Maldade branca: a CIA e a recolonização oculta de África].
As consequências foram terríveis. Após o assassinato e desmembramento de Lumumba, durante mais de três décadas “o Congo foi governado com punho de ferro por Mobutu – um ditador escolhido pelo governo dos Estados Unidos e instalado pela CIA”
Agora o Congo salta novamente para as manchetes – não por causa dos seus ricos depósitos de urânio, tão cobiçados por Washington nos anos 1940 e 1950, mas por causa do cobalto e outros minerais essenciais para uma transição de energia verde. A mineração de cobalto é um negócio feio. Aproximadamente 40.000 dos 255.000 mineiros de cobalto são crianças congolesas. Trabalham em condições de quase escravatura, ganhando menos de US$2 por dia. O seu trabalho intensivo é extremamente perigoso e houve acusações de que o AFRICOM supervisiona indiretamente essas minas. O contexto é a chave aqui. A RDC é um país extremamente pobre. A expectativa de vida é de 60 anos. Mas os EUA anseiam por recursos da RDC, como já fizeram, desde a década de 1940. Então, praticamente vale tudo.
Mais uma vez no Congo, Washington se vê a rosnar imbecilmente contra um competidor comunista – desta vez a China. Mas, ao contrário da luta com a URSS, que isolou com segurança a sua economia do capitalismo ocidental, a China é o maior parceiro comercial dos Estados Unidos; as duas economias estão inextricavelmente interligadas. Insultar e ameaçar alguém com quem faz negócios regularmente pode parecer idiota para o observador casual, mas, de alguma forma, é o melhor que os políticos americanos conseguem fazer ultimamente.
Assim, Washington enfurece-se por ser derrotada por um suposto inimigo – quando na verdade a China, recentemente um amigo americano até que os mandachuvas idiotas nos EUA declarassem o contrário, há muito tempo investia na África, ocasionalmente entregava graciosamente as suas infraestruturas aos governos locais, e, ao contrário da barbárie financeira ocidental, perdoou empréstimos quando os países africanos não podiam pagar! O governo dos Estados Unidos conhecia há muito tempo a natureza desses investimentos chineses, mas ultimamente saiu do seu caminho para os distorcer e mentir sobre eles.
O secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo, mentiu sobre um porto no Sri Lanka, dizendo que aqueles supostamente depravados chineses tinham recuperado como parte da sua “armadilha da dívida” para a África.(Essa recuperação nunca aconteceu.) Até o comediante Trevor Noah zurziu nessa historieta, exigindo saber o que se irá fazer quanto à forma como esses asiáticos enleiam as nações pobres para roubar as suas infraestruturas. E a propaganda mais recente tem sido um disparate qualquer sobre um aeroporto no Uganda, supostamente roubado pela China. (Não foi)
A descrição da atitude viperina da CIA em relação a Lumumba, feita pelo jornalista Cameron Duodu e recontada no livro de Williams, infelizmente, continua válida até hoje: “O seu país tem recursos. Nós queremo-los. Ele pode não no-los dar. Então, vamos lá buscá-lo”. Além disso, os figurões de Washington consideram todo o continente africano um palco para o seu Grande Jogo de concorrência do com a China, o que é desastroso. Por causa disso, os africanos de todas as nacionalidades consequência só poderão sofrer.
Portanto, uma história como a White Malice não poderia chegar num momento mais oportuno. Mostra como o presidente do Gana, Kwame Nkrumah – deposto por um complô da CIA em 1966 – sonhava com os Estados Unidos da África. Embora Washington tenha garantido que isso nunca aconteceria, os países africanos ainda podem coordenar-se e trabalhar em prol de objetivos comuns. O relato de Williams explica quanto custa não fazer isso.
Este livro mostra três vilões principais – o diretor da CIA, Allan Dulles, o diplomata e patrono das artes William Burden (um ex-diretor do Museu de Arte Moderna de Nova York, que impulsionou o expressionismo abstrato que a CIA tão vigorosamente fundou e promoveu) e o cruel assassino Chefe da delegação da CIA em Leopoldville, Larry Devlin. Mas por trás desses três monstros assomava um vasto império militar homicida, pilotado por ideólogos capitalistas, que não valorizavam a vida humana, para dizer o mínimo, especialmente se essa vida pertencia a negros, mulatos ou comunistas.
Nesse sentido, pouco mudou dos anos 1950 e 1960 até o presente. O que deveria ser motivo de alarme. Provavelmente é, para os chineses e para os etíopes, que encontram o seu próspero país na mira imperial, da mesma forma que outra nação africana outrora rica, a Líbia recentemente. Mas, por outro lado, a maior parte do mundo dorme durante essa repetição da tragédia africana.
Não deveria. A CIA cometeu crimes atrozes nos anos 50 e 60, e não apenas no continente africano. Williams cita as mortes prematuras suspeitas de notáveis africanos de tendências de esquerda, bem como a morte, em Paris, do grande escritor afro-americano Richard Wright.
E um dos mais desprezíveis dos muitos assassinatos da CIA foi o do primeiro líder eleito do Congo. “Lumumba, acreditava Malcom X, era o ‘maior homem negro que já andou pelo continente africano’”, escreve Williams. Malcom X não estava sozinho nesta apreciação. É por isso que, como Williams observa, quando as mãos da CIA se reuniam para se gabar das suas façanhas sujas, o homem da CIA no Congo, Devlin, tão importante nos esquemas para capturar e matar Lumumba, sempre manteve a boca cuidadosamente fechada.
[*] Romancista e jornalista, seu último livro é Birdbrain.
Fonte: Pátria Latina.
O original encontra-se em www.counterpunch.org/2021/12/31/how-cia-plots-undermined-african-decolonization/ e a tradução em pelosocialismo.blogs.sapo.pt/como-os-complos-da-cia-minaram-a-183111