Por Vitória Régia da Silva
A legislação da maioria dos países da região ainda criminaliza a interrupção voluntária da gravidez, mas a Colômbia se une ao movimento de mulheres que está mudando o cenário na América Latina.
Em uma decisão histórica, o aborto foi descriminalizado na Colômbia. Nesta segunda (21/2), a Suprema Corte do país descriminalizou o aborto até a 24ª semana de gestação. A decisão não regulamenta o aborto legal e seguro, mas indica que Congresso e Governo devem elaborar e implementar políticas públicas que garantam esse direito às mulheres e às pessoas que podem gestar.
Em um território de maioria católica, a decisão da Corte foi de cinco votos a favor e quatro contra pela retirada do aborto da lista de crimes do Código Penal colombiano quando for realizado dentro desse prazo. Após a 24ª semana, só será permitido o aborto no país em três circunstâncias: estupro, má formação do feto e/ou risco de morte da mãe, como é o caso do Brasil.
A Colômbia se junta à onda de países da América Latina, conhecida como “maré verde”, que nos últimos dois anos descriminalizou o aborto na Argentina e México. O país é o primeiro da América Latina a descriminalizar o aborto em um periodo equivalente a seis meses, tornando-se o que tem o prazo mais longo para abortar livremente na região. Fruto de muita luta e resistência das mulheres, a demanda veio do movimento Causa Justa pelo Aborto, composto por 100 organizações de mulheres e mais de 130 ativistas colombianas.
“Apesar de não ter sido o que inicialmente pedimos em nossa ação com o movimento ‘Justa Causa’, não deixamos de celebrar essa decisão porque consideramos um importante passo. Continuaremos a trabalhar para garantir sua implementação e para que todas as mulheres e crianças tenham acesso ao aborto na Colômbia se precisarem”, diz Valeria Pedraza, advogada da Women’s Link Worldwide Colômbia e mestranda em direito pela Universidade dos Andes.
Na América Latina, são pelo menos 6,42 milhões de abortos feitos anualmente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS); cerca de 60% deles são inseguros. E enquanto nossos vizinhos na América Latina avançam no tema, no Brasil o desafio ainda é evitar retrocessos. Como mostrou reportagem publicada pela Gênero e Número, 100% dos projetos de lei na Câmara dos Deputados em 2021 foram contrários à interrupção da gravidez.
O presidente Jair Bolsonaro também já deixou claro sua posição no assunto e, após a decisão na Colômbia, fez questão de reforçá-la. “Que Deus olhe pelas vidas inocentes das crianças colombianas, agora sujeitas a serem ceifadas com anuência do Estado no ventre de suas mães até o 6º mês de gestação, sem a menor chance de defesa. No que depender de mim, lutarei até o fim para proteger a vida de nossas crianças”, escreveu ele no twitter.
Confira no mapa abaixo como está a situação do aborto nos países da América Latina:
GUATEMALA
HAITI
BELIZE
MÉXICO
CUBA
REPÚBLICA DOMINICANA
PORTO RICO
HONDURAS
JAMAICA
EL SALVADOR
GUIANA
NICARÁGUA
SURINAME
COSTA RICA
VENEZUELA
GUIANA FRANCESA
PANAMÁ
COLÔMBIA
EQUADOR
ABORTO
NA AMÉRICA LATINA
BRASIL
PERU
BOLÍVIA
PARAGUAI
PERMITIDO
URUGUAI
CHILE
ARGENTINA
PARCIALMENTE
PROIBIDO
EM QUALQUER SITUAÇÃO
FONTE LEVANTAMENTO GÊNERO E NÚMERO
Apenas oito países da América Latina permitem a interrupção voluntária da gravidez: Argentina, Guiana Francesa, Guiana, Porto Rico, Cuba, Colômbia, México e Uruguai. A maior parte, dez países, criminaliza a interrupção voluntária da gestação, mas permite o procedimento em alguns casos específicos, como gravidez decorrente de estupro, má formação do feto e risco de morte da gestante. É o caso de Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru e Venezuela. Já os países que proíbem a interrupção da gravidez em qualquer circunstância são República Dominicana, El Salvador, Nicarágua, Jamaica, Honduras, Haiti e Suriname.
Segundo Pedroza, a “maré verde” da descriminalização do aborto na região foi a inspiração para as colombianas. O movimento “Justa Causa” propôs à Corte seguir a tendência e aderir ao movimento que vem acontecendo em outros países, e pediu a eliminação total do crime de aborto. Apesar de não terem sido plenamente atendidas, a comemoração se justifica: “A Colômbia neste momento se soma à ‘maré verde’ que vem se apresentando na América Latina, estabelecendo um precedente histórico que certamente já é uma referência para o resto da região”, finaliza.
*Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número.