Por Esmeralda Correa Macana

Abordagem deve valorizar aspectos não só pragmáticos ou de eficiência, mas considerar o contexto histórico e cultural das ações, entre outros critérios.

A avaliação é considerada um processo de determinação de mérito e de valor de projetos, programas e políticas públicas na medida que oferece um parecer sobre a implementação das ações, se elas produzem os efeitos esperados e quão bons ou convenientes são esses efeitos (Scriven, 2018). Considerando esse papel, não há dúvida de que a avaliação se tornou uma ferramenta muito útil para a gestão de projetos e programas sociais e também para estimular o aumento do volume de investimento social. No entanto, a finalidade da avaliação na promoção da equidade se estende para além de uma determinação de eficácia ou eficiência de maximização de benefícios sociais ao menor custo possível. Como argumenta Jara Dean-Coffey, pesquisadora norte-americana em avaliação e equidade: “ao invés da avaliação se tratar de mérito e valor das políticas públicas, se trata de mérito, valor e de construir relações para equidade” (Seminário Internacional de Avaliação, 2020).

Mas o que caracteriza o papel da avaliação na promoção da equidade?

Para qualificar alguns desses aspectos, é interessante lembrar críticas a teorias ortodoxas do bem-estar social, como a realizada por Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia em 1998, que trouxe uma significativa contribuição ao estudo de teorias de justiça social. Se pudéssemos perguntar ao Sen sobre sua visão a respeito da avaliação como algo que busca somente entender a relação custo-benefício das intervenções sociais, como forma de prestação de contas, ele possivelmente a interpretaria como uma visão limitada e utilitarista da avaliação, ao focar primordialmente na maximização dos resultados.

Na visão de Amartya Sen, uma sociedade justa e equitativa não pode ser indiferente às restrições que muitas pessoas atualmente estão vivendo. A importância das vidas humanas, suas experiências, realizações e a liberdade de escolher entre diferentes formas de viver são aspectos significativos da história humana. Sen ressalta a importância dos processos vividos, assim como a capacidade de escolha e exercício de autonomia das pessoas como atributos para uma avaliação de bem-estar (Sen 1998, 2009). Nesse contexto, traçando um paralelo analítico com a abordagem de Amartya Sen, podemos identificar vários pontos que ajudam a qualificar o que representa uma perspectiva de avaliação que promove a equidade.

Considerando as avaliações em educação, podemos nos perguntar, por exemplo, se indicadores de desempenho acadêmico ou índices agregados, como o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), representam uma boa medida de qualidade da educação

O primeiro ponto trata de uma abordagem que valoriza aspectos normativos e não só pragmáticos ou de eficiência. É a abordagem normativa que afeta a lente ou a perspectiva pela qual se faz escolhas e usos diferentes dos métodos – qualitativos ou quantitativos – e produz distintas ênfases de análises, inferências e interpretações de resultados. Considera ainda valores e princípios que justificam o porquê de reduzir injustiças e desigualdades. Isso nos ajuda a refletir e a questionar sobre a fronteira do que se considera justo ou injusto. No caso específico da avaliação na promoção da equidade, significa um alinhamento a princípios e valores que definem as escolhas sobre o que avaliar e como avaliar, assim como a perspectiva usada para sustentar a tomada de decisões associadas aos resultados.

O segundo ponto é a ampliação do espaço informacional da avaliação que é influenciado pelos aspectos normativos. De modo concreto, os valores normativos definem o atributo relevante a ser considerado como resultado ou impacto da avaliação. No caso da abordagem de bem-estar humano, fundamentada por Amartya Sen, a avaliação não seria restrita somente ao fim alcançado em termos de renda ou do nível de educação, mas envolveria o processo e a capacidade de escolha para efetivar os fins que são significativos para as pessoas. Não se trata de avaliar somente os resultados finais e determinados indicadores, mas também os processos e mecanismos que levaram a esses resultados e como eles se manifestam nas distintas populações. Desta forma, a avaliação tem um papel indutor de mudanças em estruturas que podem beneficiar a todos os grupos e não só a alguns.

Considerando as avaliações em educação, podemos nos perguntar, por exemplo, se indicadores de desempenho acadêmico ou índices agregados, como o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), representam uma boa medida de qualidade da educação.

Avaliar a qualidade da educação somente pelo Ideb é um exercício restrito porque não considera o nível de exclusão que sofrem muitas crianças e adolescentes que estão fora do sistema de ensino e que o Ideb não capta. Também seria limitado avaliar a qualidade da educação sem considerar aqueles que, mesmo dentro do sistema de educação, estão sendo impedidos de realizar seu direito por características, como cor, raça, gênero, deficiência ou nível socioeconômico. Uma visão da avaliação para promover equidade considera a qualidade de qualquer programa não só pelo desempenho de determinado indicador, mas pelo impacto representativo para todos os grupos; do contrário não significa um resultado de qualidade.

O terceiro ponto de uma abordagem de avaliação que promove a equidade e que também é fundamental dentro da teoria de justiça de Amartya Sen é a importância do contexto histórico e cultural. As lacunas em equidade estão muito relacionadas a fatores estruturais e de inércias institucionais ao longo do tempo, assim como ao modo em que evoluíram as instituições e foram estabelecidas as estruturas de poder. Reconhecer esses fatores é essencial para definir as soluções mais pertinentes e capazes de reduzir as desigualdades que estão enraizadas na sociedade. Em contraste, avaliações tradicionais são desenhadas para oferecer resultados generalizáveis, que muitas vezes ocultam o contexto e os fatores históricos e, portanto, limitam seu uso para a promoção da equidade.

Por fim, o quarto ponto a destacar é o foco em incidir sobre sistemas de mudança. Isso significa fazer uso dos resultados para evidenciar e desestabilizar estruturas opressivas e geram exclusões. Representa um esforço para trabalhar articuladamente com atores estratégicos em advocacy, movimentos, lideranças da comunidade e demais atores da sociedade civil.

De modo geral, uma abordagem responsiva em relação à equidade é muito mais ampla porque foca em aspectos multidimensionais, intersetoriais e interinstitucionais dentro do contexto de avaliação; foca também em processos e mecanismos que são importantes para sustentar os resultados. Atenta à distribuição desses resultados e não ignora os fatores históricos e estruturais. Portanto, não assume que os resultados de projetos e programas são generalizáveis e que seus atributos de qualidade se restringem à eficiência. Como argumentado por Jara Dean-Coffey: “A avaliação deve se voltar para a equidade, em seus fins e meios”… “ e a avaliação e o avaliador já não ficam mais de fora, mas fazem parte das transformações sociais” (Seminário Internacional de Avaliação, 2020).

 

Bibliografia

Amartya Sen. Desenvolvimento como Liberdade. Cia. das Letras. 1998.

 

Esmeralda Correa Macana é especialista em avaliação do Itaú Social. Graduada em economia pela Universidade de La Salle (Bogotá-Colômbia). Mestre e doutora em economia do desenvolvimento pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Atuou como consultora do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), na equipe técnica e de escrita dos Relatórios Nacionais de Desenvolvimento Humano do Brasil e do Panamá (2010-2014). Foi professora de Economia na PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) (2011-2017).

 

Fonte: Nexo.

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