Em 215 anos, a Faculdade de Medicina mais antiga do Brasil nunca teve um diretor negro e sequer teve candidato negro em outras eleições. Por que acredita que demorou tanto a acontecer, em uma cidade com a população majoritariamente negra?
Boa pergunta. Não sei dizer exatamente as razões, embora acredite que seja devido a vários fatores, sendo um deles o percentual de pessoas negras bem menor que as brancas que entravam na Faculdade de Medicina e outras faculdades até pouco tempo. Acredito que vamos ver mais professores negros como diretores da Faculdade de Medicina da Bahia nas próximas décadas com o maior acesso de pessoas negras nas faculdades públicas de Medicina.
No começo da semana, publicamos uma reportagem sobre a nova cara dos estudantes de Medicina da Ufba, que são mais diversos, inclusive racialmente. Como o senhor vê esse novo momento da faculdade? Como essa diversidade pode ajudar a desenvolver o ensino, a pesquisa e a extensão na unidade?
A nova cara dos estudantes representa o que muitos de nós queríamos. É muito bem-vinda. Os dados mostram que os estudantes são muito interessados em aproveitar ao máximo as oportunidades de ensino, pesquisa e extensão que não teriam se não fossem as políticas de maior inclusão de pessoas pobres e negras.
Quais são os seus planos para a FMB? Quais serão as prioridades para os próximos quatro anos?
Os planos são vários e estão descritos no plano de gestão. Entre eles estão: ampliação dos campos de práticas, de urgência-emergência, atenção básica à saúde, saúde da família e terapia ocupacional que sejam próprios da Faculdade de Medicina de uma forma que evite que os estudantes tenham o aprendizado comprometido por não terem prioridade de atuação com relação a estudantes de escolas privadas de medicina.
(Vamos) Incentivar um modelo pedagógico orientado por evidências científicas da área educacional, saúde e medicina, que integre áreas de conhecimento para melhorar a formação dos novos médicos, mais hábitos a atenderem a demanda do Sistema Único de Saúde.
Na área de extensão, uma das nossas propostas é a criação do Centro Internacional de Estudos da Saúde da População Negra e Indígena, agregado ao Memorial da Medicina Brasileira no prédio da Faculdade de Medicina no Terreiro de Jesus.
Entre as atividades do centro está formação de um grupo de fomento à pesquisa que promova maior integração de pesquisadores e das pós-Graduações da Faculdade de Medicina com outras unidades da Ufba, Fiocruz e outros institutos de pesquisa nacionais e do exterior, para incentivar pesquisas em áreas temáticas que respondam a questões prioritárias de saúde da nossa população. Exemplos disso são estudos para avaliar efetividade de tratamento, e programas educativos visando redução de crises, prevenção de complicações em portadores doenças prevalentes e graves na nossa população como anemia falciforme, hipertensão arterial, diabetes, doenças neurológicas, doenças renais, hepatopatias, cardiopatias, depressão, doenças endócrinas e pulmonares.
Nos últimos anos, vimos um crescimento grande de vagas de graduação em Medicina em universidades privadas que cobram altas mensalidades. Como o diretor da faculdade mais antiga do país, de que forma vê essa ampliação de vagas em geral?
Vemos o grande crescimento grande de vagas de graduação em Medicina em universidades privadas que cobram altas mensalidades como muito preocupante, particularmente ao se observar que o crescimento de vagas não se acompanha de melhor qualidade na formação médica.
Vivemos um momento em que, apesar de ter aumentado o número de vagas de graduação, inclusive no interior, a concentração de médicos especialistas fora de Salvador ainda é pequena. Pensando em sua ligação com a comunidade e em seu dever social, como a faculdade pode contribuir para a interiorização de mais médicos especialistas no estado?
Formar médico com boa formação geral, que inclua conhecimento e prática em atenção básica, saúde da família e urgência/emergência de forma a atender as demandas das comunidades do interior. Desenvolver trabalho conjunto com o programa de residência médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Faculdade de Medicina visando médicos especialistas. (Também) Em parcerias com o governo estadual e Ministério da Saúde (MS), a nível nacional criar condições favoráveis de trabalho, incluindo bons salários, para que os médicos permaneçam em atividades prioritariamente em cidades do interior da Bahia, o que atualmente deve ser facilitado pelo estrutura de cargos, salários e benefícios para os médicos desenvolvida pelo MS.