O País do atraso decidiu se aglutinar em torno do presidente da Câmara, Arthur Lira. Desmonte do Ministério dos Povos Indígenas e aprovação na Câmara do famigerado PL- 490  para impor o marco temporal às vésperas do julgamento no STF desrespeitam a Suprema Corte e as instituições democráticas. O relator do caso no STF, Edson Fachin, foi taxativo em seu voto: NÃO EXISTE marco temporal para a demarcação de terras, e os direitos indígenas na Constituição são cláusula pétrea e não podem ser retrocedidos – nem por Emenda Constitucional e, muito menos, por um PL ordinário. 

O 24 de maio, de 2023, foi revelador. Mostrou de que lado estão todos, no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo, em relação aos direitos e interesses dos povos indígenas e o meio ambiente. Assistimos a manobras inescrupulosas nas duas casas legislativas federais do Brasil. Mais tarde, o plenário da Câmara aprovou a urgência na tramitação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, que institucionaliza a tese do marco temporal. Nos causou perplexidade o fato de que o atual governo federal, que se elegeu com o compromisso de salvaguardar os direitos dos povos indígenas e avançar em sua efetivação, tenha liberado os parlamentares da base governista durante a votação da urgência deste gravíssimo projeto de lei.

A Comissão Mista responsável por analisar a Medida Provisória (MP) 1154 aprovou a retirada de competências fundamentais dos Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e dos Povos Indígenas (MPI). O relatório aprovado subtraiu do recém-criado MPI a atribuição da demarcação dos territórios indígenas e flexibilizou a segurança ambiental do bioma Mata Atlântica.

Além da tentativa de subalternizar o Poder Executivo com essas manobras abusivas, os parlamentares fulminam setores muito sensíveis do governo, em especial aqueles conduzidos por duas mulheres que têm relação imediata com a cultura ribeirinha, ambiental, indígena e camponesa. É um sinal sonoro do açoite ideológico e econômico imposto às pautas dos povos, seus direitos constitucionais e suas mais diversas culturas.

 

Câmara aprova marco temporal, em derrota para o governo Lula

A Câmara dos Deputados aprovou no dia 30 de maio de 2023 o projeto de lei do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, por 283 votos a favor, 155 contra e uma abstenção. Durante a discussão, o governo orientou o voto contrário ao projeto. A orientação difere da posição adotada no requerimento de urgência, aprovado na semana passada, quando a bancada foi liberada para votar como quisesse. Com a aprovação na Câmara, a proposta — que limita a demarcação de terras indígenas e enfraquece direitos indígenas — segue para votação .seguirá para análise pelos senadores. A esquerda e aliados, entre lamentos, agora apostam no Senado e no Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter o fracasso do governo.

O texto ainda autoriza plantação de cultivares transgênicos em terras indígenas; proíbe ampliação de áreas já demarcadas; determina que processos de demarcação ainda não concluídos devem se submeter às novas regras; e anula demarcação em discordância com o novo marco temporal.

A aprovação é uma vitória da bancada ruralista sobre a agenda ambiental defendida pelo governo Lula (PT). Eleito com a promessa de fazer demarcações, o petista criou o Ministério dos Povos Indígenas. As ações do governo, no entanto, não se refletiram no Congresso — com a falta de articulação política, os governistas não conseguiram impedir a derrota na votação.

STF

Mais cedo, grupo de deputados federais recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a tramitação do projeto de lei. A ação será relatada pelo ministro André Mendonça. O mandado de segurança foi protocolado pelos deputados Tadeu Veneri (PT-PR), Juliana Cardoso (PT-SP) e Túlio Gadelha (Rede), antes da aprovação do marco temporal pelo Plenário da Casa.

Os parlamentares argumentam que o Projeto de Lei nº 490 deve ter a tramitação suspensa até que o Supremo analise a legalidade da tese do marco temporal na sessão de 7 de junho. “Qualquer lei ordinária sobre o marco temporal necessariamente teria que ser apreciada a respeito de sua constitucionalidade, consequentemente é totalmente inadequado discutir um projeto de lei sobre uma temática constitucional, discussão na qual inclusive já está em trâmite, em fase de julgamento”, afirmam os parlamentares.

Os deputados argumentam também que o PL traz prejuízos aos povos indígenas, que não foram consultados sobre as mudanças na legislação.”Todos os projetos, sejam eles de ordem legislativa ou executiva, que afetam povos indígenas, povos quilombolas e comunidades tradicionais, devem ser consultados previamente, por meio de consulta livre, prévia, informada e de boa-fé”, completaram.

No julgamento no STF, os ministros discutem o chamado marco temporal. Pela tese, defendida por proprietários de terras, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial nesta época. O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da TI é questionada pela procuradoria do estado

O placar no julgamento estáva empatado em 1 a 1: o ministro Edson Fachin votou contra a tese, e Nunes Marques se manifestou a favor.

A análise foi suspensa em setembro de 2021 após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Vista suspende retomada de julgamento do STF sobre marco temporal de terras indígenas

Um pedido de vista do ministro André Mendonça interrompeu no dia 07 de junho de 2023 a retomada do julgamento no Plenário do Supremo Tribunal Federal. Os ministros Edson Fachin, relator do caso, e Alexandre de Moraes votaram contra o marco temporal, em respeito à tradição das terras indígenas. O ministro Kassio Nunes Marques votou a favor da  limitação temporal para o reconhecimento do direito às terras indígenas.

No embasamento do seu voto, o ministro Alexandre de Moraes opinou que a fixação de um marco temporal viola direitos fundamentais dos indígenas e propôs a seguinte tese de repercussão geral:

Os direitos territoriais indígenas consistem em direito fundamental dos povos indígenas e se concretizam no direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sob os seguintes pressupostos:

I — a demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena;

II — a posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos índios, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional;

III — a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988, ou da configuração do remitente esbulho como conflito físico ou controvérsia judicial persistente a data da promulgação da Constituição.

IV — Inexistindo a presença do marco temporal (CF/88) ou de remitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente a data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada, que tem a ver por objeto a posse, o domínio ou a ocupação de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, ou exploração das riquezas, dos solos, rios e lagos nela existentes. Assistindo ao particular direito a indenização prévia em face da União, em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, tanto em relação a terra nua quanto as benfeitorias necessárias e úteis realizadas.

V — Na hipótese prevista no item anterior, sendo contrário ao interesse público, a desconstituição da situação consolidada e buscando a paz social, a União poderá realizar a compensação as comunidades indígenas, concedendo-lhes terras equivalentes as tradicionalmente ocupadas, desde que haja expressa concordância.

VI — o laudo antropológico realizado nos termos do Decreto 1.776/1996 é elemento fundamental para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições;

VII — o redimensionamento de terra indígena não é vedado em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de procedimento demarcatório nos termos nas normas de regência;

VIII — as terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos índios o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes;

IX — as terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis;

X — há compatibilidade entre a ocupação tradicional das terras indígenas e a tutela constitucional ao meio ambiente”.

 

A Luta continua: Após derrota na Câmara, Apib reforça mobilização contra PL 490 no Senado

Diante deste cenário, manifestamos nosso repúdio e denunciamos à sociedade esses últimos atos de barbárie, ao tempo que externamos nossa preocupação com o porvir que se anuncia, caso seja permitida a sua continuidade.

Em primeiro plano, o PL 490 é claramente inconstitucional e, por isso mesmo, já deveria ter sido enterrado, uma vez que reduz direitos fincados como cláusulas pétreas no texto constitucional, particularmente o direito dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam.

A história não nos permite esquecer dos assassinatos, torturas e expropriações que vitimaram diversos povos indígenas, violações promovidas pela Ditadura Militar sob a justificativa de promover o desenvolvimento econômico no país por meio da implementação de grandes obras de infraestrutura. Do mesmo modo, a história irá novamente nos cobrar, caso o país volte a trilhar no mesmo caminho dos anos de chumbo.

Cremos também que a retirada da competência de demarcação de terras tradicionais do MPI, com a devolução ao Ministério da Justiça, é reflexo de uma conjuntura que permite somente até certo ponto o avanço da luta e do protagonismo indígena, sendo estes os primeiros direitos a serem tolhidos em negociações consideradas de maior importância. Todavia, é importante que o governo federal garanta o andamento das demarcações, independente da pasta à qual estiverem atreladas.

Redobramos a esperança e o respeito na sociedade e em suas instituições. Do mesmo modo, reiteramos nossa confiança que o Supremo Tribunal Federal, em sua tarefa precípua e imprescindível de guardião da Constituição, reafirmará o caráter originário dos direitos territoriais dos povos indígenas e, com isso, não permitirá que as futuras gerações sofram com os impactos das atuais decisões políticas desastrosas do Congresso Nacional.

Por fim, condenamos o retrocesso, o desrespeito institucional e a covardia dos poderosos. Ao mesmo tempo, reiteramos nossa solidariedade ao movimento indígena nesse lamentável episódio e nos colocamos ao lado dos povos originários e de todos e todas que buscam construir uma sociedade em que a diversidade de modos de vida seja respeitada e entendida como um princípio ético, humano e inegociável.

 

Fonte: Cimi, APIB e Agência Brasil.

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