O STF ignora pressão do Congresso, dobra aposta e mantém marco temporal de terras indígenas na pauta. Nesta quarta-feira, 07/06, o STF retoma o julgamento do século. A votação não deve ser concluída nesta semana, encurtada pelo feriado de Corpus-Christi.
Em Brasília, milhares de indígenas estão acampados na Praça da Cidadania onde irão acompanhar o julgamento no STF. A programação do acampamento foi dividida em três eixos, sendo eles: Por demarcação já, pelo futuro do planeta e pelo direito originário. Ontem foi realizado um ato de apoio ao Ministério dos Povos Indígenas e ao Ministério do Meio Ambiente, atacados pelo Congresso Nacional com a aprovação da MP 1554 que retira a competência das demarcações das terras indígenas do MPI, uma conquista do movimento indígena brasileiro.
Povos indígenas promovem mobilizações contra o marco temporal em todo o Brasil, convocadas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e suas sete organizações regionais, com o tema “Pela justiça climática, pelo futuro do planeta, pelas vidas indígenas, pela democracia, pelo direito originário/ancestral, pelo fim do genocídio, pelo direito à vida, por demarcação já. Campanhas com artistas e ambientalistas também foram lançadas nas redes sociais, para tentar mobilizar a opinião pública.
O processo foi pautado em um momento em que o debate sobre o tema avança no Congresso. A Câmara dos Deputados aprovou, na semana passada, um projeto de lei para restringir as demarcações a territórios ocupados antes de 1988 – data da promulgação da Constituição. A proposta seguiu para o Senado.
Ao colocar a ação na pauta, a presidente do STF, Rosa Weber, contrariou a bancada ruralista e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), simpático ao projeto de lei. Deputados e senadores ligados ao agronegócio esperavam dissuadir a Corte de retomar o julgamento.
O Supremo dobrou a aposta e agora está com a bola na mão. O Estadão apurou que a pressão do Congresso não caiu bem entre uma ala do Tribunal, que identificou uma tentativa de encurralar os ministros. Quem acompanha o caso, não descarta que algum magistrado peça vista – mais tempo para análise do caso – e adie novamente a votação, o que na prática daria tempo para acalmar os ânimos entre os Poderes.
Se os ministros decidirem que a tese é inconstitucional, o projeto de lei será colocado em xeque. O PL trata de outros temas, que podem seguir tramitando, mas o trecho sobre o marco temporal precisará ser revisto, segundo especialistas.
“Qualquer decisão legislativa incompatível com a eventual decisão do Supremo, especialmente por ser um projeto de lei, tende a não prosseguir e a não ter legitimidade“, explica o advogado Gabriel Sampaio, que acompanha o julgamento no STF como representante da ONG Conectas Direitos Humanos.
Com a mudança de governo e o alinhamento da gestão Luiz Inácio Lula da Silva com a defesa dos direitos indígenas, o tempo passou a correr a favor dos povos originários. O petista prometeu acelerar demarcações.
O advogado Eloy Terena, ex-coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), é uma das principais vozes no Judiciário contra a tese do marco temporal. Ele é hoje secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, o que reforça a mudança de posicionamento em relação ao governo Jair Bolsonaro (PL). Na gestão do ex-presidente, a Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu o marco temporal como uma garantia de “paz social”.
Julgamento
O julgamento do Marco Temporal está paralisado há quase dois anos e é apontado pela Apib como uma tese anti-indígena, pois a teste afirma que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras se estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
O julgamento trata, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país.
Em 2021, o julgamento foi suspenso após pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) do ministro Alexandre de Moraes. A suspensão ocorreu após os votos do ministro Nunes Marques, favorável à tese anti-indígena, e do ministro relator, Luiz Edson Fachin, que votou contra ao marco temporal e favorável aos direitos indígenas.
Edson Fachin, foi taxativo em seu voto: NÃO EXISTE marco temporal para a demarcação de terras, e os direitos indígenas na Constituição são cláusula pétrea e não podem ser retrocedidos – nem por Emenda Constitucional e, muito menos, por um PL ordinário.
“O marco temporal para nós é um retrocesso e uma negação dos nossos direitos. Todos os parentes, territórios, aldeias e cidades devem permanecer mobilizados nesse momento tão decisivo para os povos indígenas. A gente sempre fez a nossa luta. Tudo o que conquistamos até hoje foi a partir das mobilizações do movimento indígena e não será agora que vamos recuar. Vamos fazer a nossa voz ecoar em todos os cantos do Brasil e enterrar de vez a tese do marco temporal”, afirma Val Eloy, coordenadora executiva da Apib pelo Conselho Terena.
“Não podemos permitir que o Brasil colônia volte a reinar sobre nossas cabeças, com a lei da bala e do fogo. O Brasil é um país democrático, onde cabem os biomas bem cuidados e a agricultura para o bem viver. E a demarcação de Terras Indígenas faz parte desse presente e desse futuro. Ou não haverá futuro para ninguém.”
Hoje, a partir das 14h, use a tag #MarcoTemporalNÃO
E vamos ecoar em uma só voz esse canto pela vida.
*Com informações da APIB e Estado de São Paulo | Edição: Valdisio Fernandes.