Por Jadson Luigi
Levantamento revela que bonecas negras representam 13,6% das fabricadas no país em 2023. Em 2016, apenas 6% do total de bonecas fabricadas no país era negra.
A quarta edição do levantamento da campanha “Cadê Nossa Boneca?” sobre a disponibilidade de modelos de bonecas à venda no país. Neste ano, do total dos modelos contabilizados nos sites dos fabricantes associados à Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), 13,6% bonecas são negras.
Em 2016, quando finalmente tiraram as ideias da cabeça e começaram a produzir conteúdo e mobilizar as redes sociais com a campanha, Ana Marcilio, psicóloga e consultora associada da Avante – Educação e Mobilização Social, e a também Psicóloga e Estrategista, Mycra Alves, decidiram tirar as ideias do papel e começaram a produzir conteúdo e mobilizar as redes sociais com a campanha
Naquela época, o número era ainda menor. Em 2016, apenas 6% do total de bonecas fabricadas no país era negra. Nas duas edições seguintes, realizadas em 2018 e 2020 esse percentual se apresentou quase sem alterações.
É por isso que, na edição 2023, temos um fato a comemorar – chegar o índice de 13,6%, o que representa mais de 217% de crescimento no número de modelos disponibilizados para compra no mercado em relação a 2020.
“Comemorar, celebrar, significa dizer, também, perseverar e seguir nessa luta. 13% é uma conquista, mas é, ainda, muito pouco!”, disse Ana Marcilio sobre o primeiro impacto significativo nos dados, oito anos depois da primeira edição do levantamento feito pela Campanha Cadê Nossa Boneca?, a cada dois anos.
A persistência mencionada por Ana Marcilio vem ancorada em estudos que mostram que o processo de autoidentificação, que acontece durante o processo do brincar, é fundamental para o desenvolvimento da autoestima das crianças. “A partir daí, é pensar que ter bonecas pretas é necessário para alcançar as ideias de diversidade, de valorização do sujeito, de fortalecimento da autoestima, das inter-relações pessoais e sociais da criança”, disse.
Fica então a observação e o questionamento – será que, aliado ao aumento da oferta e consequentemente da compra, há uma mudança sutil e gradativa nos padrões de beleza sociais? Empiricamente podemos dizer que sim, mas ainda não suficiente. Em outubro deste ano (2023), o Datafolha realizou uma pesquisa junto a homens e mulheres sobre considerar-se, ou não, pessoas atraentes.
O resultado, entre as mulheres, mostra que 63% das que se autodeclaram brancas, sim, se consideram atraentes. Entre as pardas esse número cai para 60%; enquanto entre mulheres pretas chega a 58%.
“Quando o modelo de beleza é centrado na branquitude é muito mais difícil a construção de uma autoestima positiva. Então, quando falamos sobre a importância da disponibilidade de bonecas pretas, estamos pensando na criança de hoje e de olho na mulher de amanhã”.
Sensibilizar a indústria de brinquedos brasileira para esta questão é um passo importante para mudar esse cenário e possibilitar que cada vez mais crianças negras ter contato com modelos que as representem e esse é um processo crucial para o desenvolvimento da autoestima, enfatiza Mycra Alves.
Cadê Nossa Boneca? 2023
Apesar do aumento na oferta para 13%, alavancado tanto por uma maior procura da população por bonecas pretas, como pelo próprio mercado, ao oferecer mais diversidade, o crescimento ainda deve ser considerado muito pouco ao considerar a enorme desproporção ainda existente na quantidade de modelos de bonecas brancas e de bonecas pretas em um país que, segundo o IBGE, cerca de 56% da população se autodeclara negra ou parda.
Os 86% dos modelos brancos são uma evidência do quanto as representações sociais ainda refletem um ideal de branquitude, ao serem confrontados com os 13,06% de modelos de bonecas pretas.
O resultado da pesquisa pontos de evolução, mas também maiores e mais profundas reflexões. Uma delas diz respeito à classificação das bonecas por faixa de desenvolvimento. Foram encontradas bonecas tipo bebê, criança e, também, bonecas adultas. A distribuição por cor entre esses segmentos é diferenciada para bonecas pretas e brancas. Observa que os modelos de bonecas pretas identificadas com a primeira infância, período de maior desenvolvimento da criança, e muito utilizadas pelas crianças maiores nas brincadeiras, é bem menor do que das bonecas brancas.
A Educação e as Bonecas pretas
A Educação Infantil desempenha um papel de grande relevância na promoção do desenvolvimento integral da criança pequena. Além de ser estratégica para a promoção de uma discussão sobre identidade e representatividade na infância. Aliada a essa afirmação contamos, entre os marcos legais da educação brasileira com a Lei 10.639/03, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e tornou obrigatória a inserção, no conteúdo programático das escolas públicas e privadas do país, a luta dos povos negros no Brasil, assim como o estudo da cultura e formação da sociedade nacional, “resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinente à História do Brasil”.
“É na Educação Infantil que a gente começa a lidar com regras e limites da sociedade, a Educação Infantil é a instituição que formaliza os contratos sociais vigentes, no que tange à criança. Parte do currículo da Educação Infantil está centrada na formação do sujeito: ‘o sujeito no mundo’, ‘a relação com o outro’, ‘a valorização de si mesmo’, ‘o respeito ao outro’, ‘no aprendizado das regras sociais de convívio’. Ou seja, é terreno fértil para tratar da diversidade”, destaca Ana Marcilio.
A Campanha Cadê Nossa Boneca? traz um olhar bem especial à essa etapa da vida escolar ao promover sensibilização e fortalecimento da representatividade por meio de uma campanha conscientização sobre a importância das bonecas pretas.
Fonte: Portal Umbu e Avante Educação e Mobilização Social | Foto: Reprodução/Revista Rolling Stone.