[Foto: Claudia Ferreira da Silva, sendo arrastada por viatura da Polícia Militar na Estrada Intendente Magalhães na cidade do Rio de Janeiro]

 

“Me lembro precisamente do momento em que tomei conhecimento dessa história repugnante. Além do crime em si, me indignou profundamente que ao longo dos primeiros dias seu nome não existia. Era “um mulher negra”, como se ela não merecesse mais que esse reconhecimento.

Não recordo como, consegui descobrir seu nome já no primeiro dia e, ao longo da semana, os títulos de todas as informações que publiquei tinham seu nome: Claudia Ferreira. Era o mínimo que eu podia fazer, além de denunciar e procurar socializar toda a minha indignação. Dez anos depois, leio isto. Que raiva! Que nojo!”

Tania Pacheco.

Dez anos após o homicídio, a Justiça do Rio absolveu os policiais militares denunciados pela morte de Cláudia Silva Ferreira. Ela foi arrastada por uma viatura da PM em um trecho de 350 metros da Estrada Intendente Magalhães, na zona norte do Rio, após ser baleada na cabeça em uma operação contra o tráfico de drogas no Morro da Congonha, em 2014.  A investigação da Polícia Civil concluiu que o tiro que atingiu Claudia partiu do ponto onde estavam os policiais. No entanto, para o juiz Alexandre Abrahão Dias Teixeira, da 3ª Vara Criminal, no momento em que ela foi baleada, os PMs trocavam tiros com traficantes.

A auxiliar de serviços gerais tinha quatro filhos e criava quatro sobrinhos. Foi baleada no pescoço e nas costas depois de sair de sua casa, no Morro da Congonha, em Madureira, para comprar pão.

 

[Crédito da imagem: Marília Nobre]

 

Respondiam pelo homicídio e por remover o corpo de Cláudia do local: foram absolvidos o capitão Rodrigo Medeiros Boaventura, que comandava a patrulha, e o sargento Zaqueu de Jesus Pereira Bueno. Ambos responderam o processo em liberdade. Após a absolvição, Boaventura ganhou um cargo na Vice-Governadoria do estado. Segundo o Diário Oficial, no último dia 14, ele foi nomeado superintendente no órgão. Antes, ele ocupava um cargo no Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Já o sargento Bueno segue na PM. Em 2020, ele chegou a ser preso sob a acusação de integrar uma milícia na Zona Norte do Rio.

Também foram absolvidos pelo crime de fraude processual, sob a acusação de terem removido o corpo de Claudia para modificar a cena do crime, os subtenentes Adir Serrano e Rodney Archanjo — ambos atualmente reformados —, o sargento Alex Sandro da Silva e o cabo Gustavo Ribeiro Meirelles.

 

As funções dos acusados pelo assassinato:

– Rodrigo Medeiros Boaventura, comandou a operação;

– Zaqueu de Jesus Pereira Bueno, participou da operação;

– Adir Serrano, participou da operação e estava na viatura;

– Alex Sandro da Silva, dirigiu a viatura até o hospital;

– Rodney Archanjo, estava no banco do carona da viatura;

– Gustavo Ribeiro Meirelles, participou da operação.

 

Na mesma decisão, o juiz pronunciou que o único que será levado a júri popular é Ronald Felipe dos Santos, acusado de ser o traficante que trocou tiros com os policiais naquele dia. Ele está foragido.

 

Após Claudia ser atingida, os agentes do 9º BPM (Rocha Miranda) que participavam da operação, a colocaram na mala da viatura, a pretexto de socorrê-la. No trajeto, a porta do compartimento abriu e ela foi projetada para fora.

Um cinegrafista amador filmou a cena do momento em que Claudia Ferreira é arrastada, pendurada no para-choque do veículo apenas por um pedaço de roupa, na Estrada Intendente Magalhães. Apesar de alertados por pedestres e motoristas, os PMs não pararam. O vídeo foi divulgado pelo jornal “Extra” e, por conta disso, houve alegações do suspeitos de que os ferimentos no asfalto poderiam ser a causa da morte. O atestado de óbito, no entanto, informa que ela foi morta por conta da “laceração cardíaca e pulmonar de ferimento transfixante do tórax por ação perfurocortante”, ou seja, devido ao tiro.

Repercussão

decisão da Justiça saiu no dia 22 de fevereiro, mas somente agora foi divulgada.
“A absolvição foi repugnante”. Assim classifica o advogado João Tancredo, que representou a família da auxiliar de serviços gerais Cláudia Ferreira no processo cível movido contra o estado do Rio de Janeiro. Tanto na parte cível como criminal, os resultados trazem o sentimento de impunidade e revolta”, disse em nota pública.
A absolvição dos policiais causou indignação na família de Cláudia e em movimentos de defesa dos direitos humanos. “Eu fiquei sem palavras, sem reação. Difícil, né? Foi injusto. Foi injusto desde o começo. Só repercutiu por causa de uma falha deles, o fato de o corpo dela ter sido arrastado. Se não fosse isso, não iria dar em nada. Só deu por causa da gravação”, disse Thais Ferreira da Silva, filha de Cláudia.

Além do processo criminal, a família processou o estado do Rio de Janeiro por indenização pelos danos que o crime deixou. Foram ajuizadas duas ações: uma delas contendo a mãe e dois irmãos; e, outra, viúvo, os filhos, filhos de criação, sobrinhos e uma outra irmã.

“A indenização não foi nada satisfatória. O Alexandre [viúvo] e os filhos fizeram um acordo extremamente lesivo, forçados pela Secretaria de Direitos Humanos da época, então governo do Pezão. Fizeram um acordo muito ruim, não orientado por nós”, lembra João Tancredo.

“Entramos com uma ação da mãe e dos irmãos. A mãe fez um acordo de R$ 50 mil pela Defensoria Pública, e aos irmãos a Justiça concedeu R$ 50 mil para cada um por dano moral. Uma quantia irrisória pela gravidade do fato. Neste caso, a família foi arrasada. Perde a Cláudia de maneira violenta e a família recebe uma ninharia de indenização”, critica o advogado.

Repúdio

“Estou chocada. Nenhuma responsabilidade [foi] atribuída aos policiais que mataram e arrastaram o corpo de uma mulher negra, mãe e trabalhadora”. Assim reagiu a diretora executiva da organização civil Criola, Lucia Xavier, ao tomar conhecimento, pela Agência Brasil, da absolvição dos policiais militares (PMs) acusados da morte de Claudia Silva Ferreira, arrastada por cerca de 350 metros, por uma viatura, no Rio de Janeiro, no dia 16 de março de 2014. A Polícia Militar fazia operação nessa data, no Morro da Congonha, em Madureira, zona norte da cidade, onde Claudia morava.

No X (antigo Twitter), a Rede de Observatórios de Segurança postou mensagem lembrando que há 10 anos, Cláudia Ferreira foi morta por policiais e arrastada por uma viatura por cerca de 350 metros. “A auxiliar de serviços gerais era mãe de quatro filhos e cuidava de mais quatro sobrinhos. No momento do crime, ela estava indo comprar o café da manhã das crianças”, lembrou a mensagem. O caso é marcado pela brutalidade da violência policial, disse a Rede.

 

“Para nós, fica mais uma vez a sensação de injustiça perante uma vida negra e favelada tirada pela ação violenta e racista de agentes do Estado”, protestou a organização não governamental (ONG) Justiça Global, que questionou: ”Quantos mais têm que morrer para essa guerra acabar?”

 

A vereadora Monica Benício (PSOL), viúva de Marielle Franco, afirmou que este é “mais um absurdo” do Judiciário brasileiro. “Mais uma decisão baseada no racismo e elitismo que imperam na nossa sociedade.”

 

A Anistia Internacional no Brasil disse que a notícia traz “tristeza e desalento”. A instituição criticou a decisão do juiz e destacou o uso que ele fez da palavra “erro de execução,” ao citar os tiros que teriam atingido Cláudia por engano. Segundo a Anistia, esses erros se “repetem contra as mesmas pessoas e destroem as mesmas vidas, as mesmas famílias”. E que o caso mostra mais uma vez a desumanização da vítima e das pessoas negras.

 

Fonte: Mídia Negra e Feminista.
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