Por Pedro Alexandre Sanches

O historiador Carlos Gabriel Guimarães explica relações do sistema financeiro brasileiro com escravidão.

Uma caixa de Pandora foi aberta no começo de março, quando a empresária e professora universitária Branca Vianna, casada com o banqueiro João Moreira Salles, admitiu, em entrevista à jornalista Vanessa Adachi, que sua família fez fortuna graças à escravização de seres humanos de origem africana e afro-brasileira, desde seu tataravô, Domingos Custódio Guimarães, mais conhecido como Visconde do Rio Preto.

Comentando o tema no programa 20 MINUTOS da última segunda-feira (11/03), o historiador econômico Carlos Gabriel Guimarães colocou mais lenha na fogueira, narrando as relações íntimas entre o tráfico de escravizados e o sistema financeiro brasileiro e europeu, assim como o papel central de vultos históricos, como Visconde de Mauá, Barão de Ubá, Viscondessa de Campinas, Visconde de Guimarães, Visconde de Itaboraí e inúmeros outros no tráfico externo e interno, legalizado ou ilegal, de africanos.

Tais figuras lucraram não apenas com o emprego de trabalho escravizado em seus engenhos de açúcar e fazendas de café, mas também com a rentabilidade astronômica do tráfico de pessoas escravizadas.

“As pessoas pensam que essas famílias desapareceram, mas não. Pode ter certeza que ainda estão aí e estão no poder, nas principais instituições privadas e públicas”, afirmou. Na entrevista e em seu livro A presença inglesa nas finanças e no comércio no Brasil imperial (Alameda, 2012), o professor titular da Universidade Federal Fluminense e especialista na história bancária brasileira no século 19 destrinchou árvores genealógicas por trás de nomes de ruas e títulos nobiliárquicos que, além de lhes dar estofo de nobreza e legitimidade, ajudaram e ajudam a protegê-los da associação com crimes que foram sustentáculo das maiores fortunas do Brasil e de além-mar.

“Fico feliz da descendente do Visconde do Rio Preto ser uma das poucas que chamam atenção para essa questão”, disse Guimarães. Para ele, seria interessante que outra famílias reconhecessem isso também, citando a família Setúbal.

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Historiador falou de bancos brasileiros que lucraram com a escravidão no Brasil

“O Instituto Moreira Salles e o Itaú Cultural iam ganhar uma abrangência maior ainda. A matriarca deles, Viscondessa de Campinas, foi uma grande escravista”, exemplificou, citando Maria Luzia Nogueira de Sousa Aranha, ascendente dos Setúbal que ainda hoje são conhecidos como controladores do banco Itaú, ao lado dos Moreira Salles.

Guimarães estuda e interpreta a formação do hoje estatal Banco do Brasil, inaugurado em 1808 como instituição privada e que no século 19 teve diversos traficantes de escravos como acionistas principais.

Por trás do título de Barão de Ubá, por exemplo, estava João Rodrigues Pereira de Almeida, acionista e diretor do Banco do Brasil desde sua inauguração. “Foi um dos maiores traficantes de escravos do Primeiro Império e conselheiro de Dom João VI, enviado por Dom João para negociar seu retorno a Portugal”, definiu.

Outros traficantes protegidos atrás de títulos de nobrezas foram Joaquim José Rodrigues Torres (Visconde de Itaboraí), Antônio Clemente Pinto (Barão de Nova Friburgo) e Irineu Evangelista de Sousa (Barão e Visconde de Mauá). O autor criticou o mito do Visconde de Mauá, acalentado tanto por liberais quanto por progressistas: “falam de Mauá como um empreendedor à frente do seu tempo, um abolicionista, e não é nada disso. Era um homem do Império, acionista do Banco do Brasil. O que ele mais tinha eram escravos”.

O historiador falou também de Antônio da Silva Prado (Barão de Iguape): “o tráfico não era o negócio dele, mas foi um escravista que deu origem à poderosa família Prado, de Caio Prado Jr”. Outro nome, esse com patente militar, é o do português Luís Antônio de Souza Queiroz.

Segundo ele, São Paulo é “cheia de ruas com nomes de escravistas, como a poderosa avenida Brigadeiro Luís Antônio de Souza Queiroz. Ele foi uma das maiores fortunas do século 18 e um escravocrata”.

Guimarães chama atenção para o fato de que os escravizados, durante o Império, eram o principal ativo oferecido pelos grandes fazendeiros e comerciantes como garantia nos empréstimos aos bancos da época. Isso explica, segundo ele, o grau de complexidade que o abolicionismo representou para o Império e os escravocratas do século 19: todo o sistema financeiro, brasileiro e europeu, estava atrelado à instituição da escravidão.

Herdeiros desse padrão, o sistema financeiro e as elites econômicas do presente são responsáveis diretas pela perenização da desigualdade social e da discriminação racial ainda vigentes no século 21. Guimarães frisa também a sociedade estrangeira nessa intrincada rede de relações entre famílias e instituições brasileiras, portuguesas, inglesas e francesas, entre outras.

Guimarães defende uma reparação de monta à sociedade atual por parte das instituições financeiras. “As famílias que têm herança escravista têm uma responsabilidade com a sociedade brasileira. O Banco do Brasil poderia não só abrir seus arquivos, mas também conceder créditos para pesquisas ligadas à escravidão, para irmos a fundo nessa pesquisa. O Banco Itaú também tem uma responsabilidade, também poderia ceder crédito para pesquisas, mas não migalhas, e sim milhões.”

O tema, rotineiramente invisibilizado, é crucial para a compreensão da história do Brasil e do Brasil como ele é hoje. “É uma questão espinhosa, mas importante para compreender a relação entre escravidão, tráfico de escravos e acumulação de riquezas”, concluiu.

Guimarães traça outros paralelos, que remetem a setores reacionários do presente, como o agronegócio. “A escravidão possibilitou uma concentração de renda não só na propriedade de terra, mas também no sistema financeiro e comercial, que explica a desigualdade de hoje. As pessoas acham que foi só concentração de terra, mas não. É também a vontade do sistema financeiro”, associou, retratando um mundo que se moderniza e transforma, muitas vezes para permanecer sempre o mesmo.

Assista abaixo a entrevista de Carlos Gabriel no programa 20 MINUTOS:

Fonte: Opera Mundi.

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