[Foto: Augusto Boal em oficina (1979). Acervo Augusto Boal]

 

Por Raíssa Araújo Pacheco

O teatrólogo exerceu seu cargo de vereador de maneira pioneira, dando início ao que hoje chamamos de “mandato coletivo”. A obra Teatro legislativo, relançada pela Editora 34, compartilha essas experiências. Fazer Teatro Legislativo não é só fazer leis, mas construir um processo político de debate e questionamento de injustiças através do teatro.

No dia 2 de maio de 2009 faleceu o prestigiado dramaturgo brasileiro Augusto Boal. Conhecido como um dos grandes expoentes do teatro contemporâneo internacional, Boal inovou não só no teatro, mas também na maneira de exercer um cargo político.

O teatrólogo é conhecido por ser o fundador do Teatro do Oprimido, um conjunto de técnicas que, aliando o teatro à ação social, denunciam as desigualdades sociais ao passo que buscam a emancipação política através da democratização da produção teatral. Porém, suas inovações se espraiam até mesmo pelas estruturas da política institucional.

Na obra Teatro Legislativo, lançada pela primeira vez em 1996 e relançada em 2020 pela Editora 34, o ensaísta descreve sua experiência pioneira no cargo de vereador no Rio de Janeiro, no início dos anos 1990, a que hoje damos o nome de “mandato coletivo”.

Em suas palavras “na minha vida inteira sempre fiz política (embora não partidária) e sempre fiz teatro. Foi isso o que me seduziu na proposta: fazer ‘teatro como política’, ao invés de simplesmente fazer ‘teatro político’, como antigamente”.

Boal à convite de Darcy Ribeiro, à época vice-governador do Rio de Janeiro, ministrava aulas formativas para educadores e educadoras do estado. A formação ocorreu através do Projeto Fábrica de Teatro Popular nos Centros Integrados de Ensino Público (CIEPs). Com a derrota de Darcy na sucessão de Brizola, o projeto mudou os rumos.

Às vésperas das eleições de 1992, pensando em encerrar as atividades do Centro do Teatro do Oprimido por conta das mudanças, Boal ofereceu apoio ao Partido dos Trabalhadores com atividades culturais como “última ação concreta daquele Centro.”

Essa história quem nos conta é Flávio José Rocha, doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP: “A ajuda ao partido foi aceita, mas em troca veio o pedido para que Boal fosse candidato a vereador por aquele partido, o qual aceitou. O resultado inesperado foi a sua vitória para a casa legislativa daquele município, onde assumiu um mandato entre os anos de 1993 e 19961. […] O gabinete do vereador Boal, chamado de Mandato Político-Teatral Augusto Boal, era composto por um grupo de 25 pessoas dividido em 5 grupos entre artistas e técnicos, com uma pessoa coordenando cada uma das equipes, e tinha como uma das tarefas criar grupos de Teatro do Oprimido pelos bairros da periferia carioca. O passo inicial era criar núcleos nos bairros e identificar os problemas para, a partir daí criar as encenações que seriam apresentadas nas próprias comunidades e em outros bairros. ”

Durante os quatro anos de seu mandato na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Boal deixou a “imaginação no poder”, utilizando-se das técnicas do Teatro do Oprimido.

Através do teatro e inspirado pelo espírito da democracia participativa que brilhava após a Constituinte de 1988, o então vereador, desenvolveu canais de escuta e participação, levando a Câmara às periferias, “desinstitucionalizando” as estruturas burocratizadas em volta dos gabinetes.

Tudo isso era feito de maneira muito inventiva, teatralizando os problemas das comunidades através de encenações dos próprios moradores. A partir dessas encenações, os moradores discutiam elaborações de leis e soluções para os problemas enfrentados que então eram levadas, através do mandato, para serem debatidas nas outras instâncias institucionais.

Apenas um mandato resultou em projetos e emendas de lei, decretos legislativos, medidas judiciárias e ações diretas, tudo isso de demandas diretas das pessoas, via uma verdadeira e inovadora participação popular e não dos interesses de um legislador.

Infelizmente o mandato de Boal não teve continuidade, no entanto não deixou de abrir caminho para novas possibilidades, como os diversos mandatos coletivos exercidos nos dias de hoje.

Todo esse empenho pode ser conferido no volume da Editora 34, que agora renovado com uma revisão do texto – pelo próprio autor – conta também com fotografias, documentos e pronunciamentos feitos ao longo do mandato, além de depoimentos inéditos de antigos colaboradores e ativistas contemporâneos.

 

Fonte: Outras Palavras.

 

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