Por Wescrey Portes
O pesquisador Wescrey Portes recomenda cinco estudos centrados na relação entre raça e eleições com ênfase na inserção de candidaturas negras na competição eleitoral
Os espaços de representação política no Brasil são dominados por homens brancos das classes sociais mais altas, enquanto negros e negras, que constituem a maioria da nossa população, estão sub-representados.
Reflexões sobre os limites da democracia brasileira e sua incapacidade de englobar grupos marginalizados têm ganhado espaço na opinião pública, nos movimentos sociais e, especialmente, no debate acadêmico. Embora o tema tenha penetrado o debate público, a produção acadêmica sobre a relação entre raça e eleições ainda é incipiente, dificultando a identificação dos principais determinantes da sub-representação e das barreiras enfrentadas pelas candidaturas negras na competição eleitoral.
A seguir apresento cinco estudos centrados na relação entre raça e eleições com ênfase na inserção de candidaturas negras na competição eleitoral.
Racial Representation and Brazilian Politics: Black Members of the National Congress, 1983-1999
Ollie Johnson III (Journal Of Interamerican Studies and World Affairs, 1998)
Em “Racial Representation and Brazilian Politics: Black Members of the National Congress, 1983-1999”, Ollie Johnson III discute o papel do ressurgimento do movimento negro durante a transição democrática nas décadas de 1980 e 1990 para a formação de um grupo influente de políticos negros na política institucional. O autor argumenta que o contexto de reabertura política e a reorganização dos partidos permitiram a inclusão de novos atores políticos, possibilitando a rearticulação do movimento negro e a emergência de uma geração de políticos negros que redefiniram o ativismo antirracista no país.
A consolidação da democracia brasileira criou, assim, um ambiente favorável para a ascensão desses novos líderes políticos. Johnson III destaca que o PT (Partido dos Trabalhadores) foi o partido que mais elegeu parlamentares negros nas primeiras legislaturas após a volta do pluripartidarismo, com 12 dos 29 parlamentares negros identificados na sua pesquisa pertencendo ao PT. No entanto, ele aponta as dificuldades enfrentadas pelos candidatos negros, como a escassez de recursos e campanhas eleitorais ineficazes, além da raridade de sua ascensão a posições de liderança no Congresso e nos partidos, devido a fatores como antiguidade e serviços prestados ao partido. Os parlamentares negros eleitos nos anos 1980 e 1990 eram geralmente novatos na política formal, enquanto seus colegas brancos tinham carreiras mais longas e estabelecidas.
O negro e o poder: os negros candidatos a vereador em Salvador, em 1988
Cloves Oliveira (Cadernos CRH, 1991)
Analisando as eleições municipais, Cloves Oliveira, em “O Negro e o Poder: Os Negros Candidatos a Vereador em Salvador, em 1988”, destaca o contexto político e social da transição democrática e as atividades em torno do Centenário da Abolição da Escravidão como momentos fundamentais para a politização da questão racial no contexto eleitoral. O autor identifica um aumento no número de candidaturas negras para a Câmara Municipal, com diversos candidatos buscando mobilizar a identidade negra e arregimentar um voto étnico. O estudo lidou com a ausência de dados raciais oficiais e precisou recorrer a métodos alternativos para obter as informações, revelando que 32% das candidaturas eram negras.
As candidaturas se destacavam por um perfil educacional elevado e inserção em categorias socioeconômicas superiores, indicando a presença de uma classe média urbana entre os candidatos negros. Oliveira destaca que 37,5% dos candidatos negros residiam em bairros de classe média, 50% em bairros populares com significativa presença negra e 12% em áreas periféricas. Essa distribuição geográfica influenciava as propostas de campanha, refletindo demandas locais e a relação dos candidatos com movimentos comunitários. A maioria das candidaturas não estava diretamente ligada a movimentos negros, mas sim aos movimentos sociais urbanos, indicando que a emergência das candidaturas estaria associada à experiência das lideranças comunitárias. Apesar da falta de recursos econômicos e da inexperiência política, os candidatos buscavam votos através das relações pessoais e do envolvimento com organizações locais, apresentando uma nova dinâmica no cenário político de Salvador.
Race, Resources, and Representation: Evidence from Brazilian Politicians
Natalia Bueno e Thad Dunning (World Politics, 2017)
O estudo desenvolvido por Natalia Bueno e Thad Dunning analisa a sub-representação de negros utilizando diferentes abordagens. Inicialmente, os autores submeteram a heteroclassificação mais de 5 mil fotos de candidaturas a diferentes cargos nas eleições de 2010, identificando uma participação significativa de não-brancos. Concluíram que a sub-representação não se deve exclusivamente a um viés de recrutamento das candidaturas. Posteriormente, desenvolveram um programa eleitoral fictício, no qual candidatos foram cuidadosamente criados controlando aspectos sociais além da raça, e apresentaram esses candidatos a uma amostra de eleitores.
Os resultados indicaram que não há uma preferência significativa dos eleitores por candidatos brancos ou negros. Assim, a baixa presença de negros em espaços de representação política não pode ser atribuída às preferências raciais dos eleitores, sugerindo a necessidade de estudos focados nas dinâmicas eleitorais e institucionais que influenciam a formação das elites políticas. Os autores destacam que as dinâmicas institucionais e partidárias, que produzem suas próprias desigualdades e hierarquias internas, são fundamentais para entender essa sub-representação. Esses achados contrapõem a ideia de que a preferência racial dos eleitores seja a principal causa da baixa presença de negros na política, apontando para a autonomia relativa dos sistemas políticos e partidos na produção dessas desigualdades.
Paradoxo da igualdade: gênero, raça e democracia
Flavia Rios, Ana Claudia Pereira e Patrícia Rangel (Cultura e Ciência, 2017)
No artigo de Flavia Rios, Ana Claudia Pereira e Patrícia Rangel, as autoras analisam as desigualdades persistentes na representação política pela perspectiva interseccional, ao invés de considerar isoladamente os atributos de gênero ou raça. A abordagem interseccional é defendida por ser sensível às diferentes formas de desigualdade que ocorrem tanto dentro dos grupos de mulheres como entre mulheres e homens, assim como dentro e entre grupos raciais. O trabalho descreve o perfil das candidaturas e dos eleitos à 55ª legislatura da Câmara dos Deputados (2015-2019) por gênero e raça, além de discutir os desafios e perspectivas para uma agenda de pesquisa focada na representação de negros e mulheres na política brasileira, destacando o paradoxo entre a participação vigorosa desses grupos em esferas civis e sua baixa representação em estruturas representativas do estado.
Os dados revelam um contraste significativo entre a composição racial e de gênero dos eleitos e a população brasileira. Embora 50,7% dos brasileiros se identifiquem como negros, apenas 20% dos deputados e 18,5% dos senadores da 55ª legislatura se autodeclararam negros. A sub-representação de mulheres negras é ainda mais acentuada, com apenas 2% das cadeiras ocupadas por esse grupo. As autoras identificam distintos fatores que contribuem para essa disparidade, incluindo obstáculos dentro dos partidos, menor investimento em candidaturas de mulheres e negros, e barreiras econômicas e educacionais. As mulheres negras enfrentam coerções sociais adicionais devido ao entrelaçamento de gênero, raça e classe, como dupla jornada de trabalho e estereótipos prejudiciais. Elas concluem que a diversidade racial e de gênero na política é crucial para desafiar estereótipos e garantir visibilidade a questões relevantes para grupos historicamente sub-representados, propondo que novas pesquisas e debates públicos se concentrem nos determinantes e na correção das desigualdades políticas.
Raça e eleições no Brasil
Luiz Augusto Campos e Carlos Machado (Editora Zouk, 2020)
O livro “Raça e Eleições no Brasil”, de Luiz Augusto Campos e Carlos Machado, condensa uma agenda de pesquisa comum dos autores, onde discutem e exploram questões fundamentais relacionadas a raça, eleição e sub-representação política de negros. A obra é apresentada em torno de sete capítulos. O primeiro discute as justificativas teóricas para defender uma maior presença de pretos e pardos nos espaços de representação. O segundo é dedicado a uma revisão de literatura sobre estudos de raça e eleição, abordando diferentes enfoques e análises. Os capítulos três, quatro e cinco exploram diferentes aspectos da competição eleitoral e os prováveis determinantes políticos e sociais da sub-representação política de negros e negras. Por fim, os capítulos seis e sete discutem de forma exploratória como a raça se apresenta nas agendas legislativas no Congresso Federal.
No texto, algumas conclusões sobre a sub-representação política negra são delineadas: i) nas eleições analisadas, foi identificada uma presença significativa de candidaturas não-brancas, de modo que a sub-representação não pode ser justificada pela ausência de candidaturas; ii) as candidaturas negras estão majoritariamente nos partidos pequenos, sendo os partidos maiores mais restritivos; iii) o financiamento de campanha é distribuído de maneira desigual, especialmente entre as candidaturas que concentram os recursos de campanha. O trabalho apresentado é fundamental para qualquer pesquisador ou pesquisadora que se proponha a estudar raça e eleições no Brasil. Junto com as demais indicações, é um trabalho incontornável que apresenta contribuições essenciais para a compreensão da inserção política de pessoas negras.
Wescrey Portes é graduado em administração pelo UBM (Centro Universitário de Barra Mansa) ), mestre e doutor em sociologia pelo IESP/UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Pesquisador associado do GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa). Desenvolve pesquisas sobre relações raciais, eleições, representação política, movimentos negros, ações afirmativas, racismos e antirracismos.
Fonte: Nexo.