Por Ana Elisa Faria

Especialistas da área ambiental e ativistas indígenas falam sobre o que poderá ser debatido e avançar na 30ª Conferência do Clima da ONU, que ocorre na Amazônia, precisamente em Belém, em novembro de 2025.

 

Sediada na Amazônia, a 30ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas terá muito a debater e negociações a serem firmadas. A COP30, que ocorre em Belém, no Pará, em novembro de 2025, vai trazer para o centro da mesa questões importantes que vêm sendo arrastadas de uma cúpula do clima à outra.

Um desses temas é o financiamento, ou seja, os investimentos por parte dos países ricos para apoiar as nações em desenvolvimento em ações de mitigação e adaptação aos impactos do colapso climático.

As metas e os compromissos que cada país assume para reduzir as emissões de gases de efeito de estufa, as chamadas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), também devem entrar na pauta, assim como perdas e danos, conceito que se refere às consequências da mudança climática que se dão quando não é mais possível resistir ou se adaptar aos impactos das transformações do clima.

Para saber o que esperar da COP de Belém e como essas temáticas chegarão à capital paraense após passarem, ainda em 2024, pela COP29, em Baku, no Azerbaijão, Gama escutou especialistas da área ambiental. Eles contam o que desejam com a reunião “em casa”: maior presença e participação efetiva de indígenas, mais envolvimento da sociedade civil, pressão pública para avançar em agendas como demarcação de terras indígenas, diminuição do desmatamento, melhoria da produção de alimentos e menos emissões de carbono, além de uma adaptação antirracista e que valorize a sociobiodiversidade brasileira.


“O que eu posso esperar da COP30? Nada!”

Kátia Brasil, cofundadora e diretora executiva da agência Amazônia Real

“Vi a floresta amazônica pela primeira vez em 1991, quando era uma repórter recém-formada. A terra era dos yanomami. Em mais de 30 anos de escuta dos povos indígenas, criei um sentimento de identidade e pertencimento sobre essa região. Também relatei inúmeras violências, assassinatos de defensores, injustiças sociais. Vocês irão me chamar de pessimista, mas não vejo mais futuro na Amazônia. A destruição da floresta tomou uma proporção irreversível. Cada vez mais as mineradoras estão ganhando/comprando terras para explorar os recursos naturais, e os governos faturando com impostos. Os territórios indígenas, invadidos pelo agronegócio, por mineradores, garimpeiros e narcotraficantes, não estão sendo demarcados. O governo Lula prometeu demarcar os territórios. A crise climática está se intensificando por causa da destruição humana. O que eu posso esperar da COP30? Nada! As COPs são decididas pelos países mais ricos, seremos só os anfitriões dentro da Amazônia. Inclusive, podem decidir sobre a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. Será que os indígenas serão ouvidos? Eles são os responsáveis por manter essa floresta viva por mais de 500 anos e vêm nos ensinando esse tempo todo. Os indígenas já estão sofrendo com o assédio do mercado de carbono em suas terras. É uma corrida desenfreada em nome das famigeradas ‘bioeconomia’, ‘floresta em pé’. E o que estamos presenciando nos últimos anos na Amazônia? Secas extremas, calamidades, crises humanitárias, incêndios criminosos. Como podem decidir pelo mercado de carbono na Amazônia se não param de queimar a floresta? Essa é a maior contradição que vejo na COP30.” (depoimento a Leonardo Neiva)


“A COP30 precisa resolver questões de financiamento e adaptação

Natalie Unterstell, especialista em administração pública e presidente do Instituto Talanoa

“O que eu acho que a COP30 vai trazer de diferente é que as negociações em Belém serão muito focadas em adaptação [às mudanças climáticas], uma realidade muito diferente do que foi a COP28 [que ocorreu em 2023 em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos] e, inclusive, do que será a COP29, em que esperamos que seja bem-sucedida em relação ao tema do financiamento. A COP30 precisa resolver questões de financiamento e adaptação. Também é esperado que haja um avanço da cultura de resiliência global. Essa vai ser uma diferença grande, e o Brasil está começando a dar os primeiros passos nessa direção. Eu espero que o Brasil possa assumir não só um compromisso com a adaptação, mas que seja uma adaptação antirracista e uma adaptação que, de fato, vai valorizar a nossa sociobiodiversidade, que é tão bonita e tão protetora de gente e do planeta.” (depoimento a Ana Elisa Faria)


“É importante que sejam apresentados planos concretos para o futuro da Amazônia”

Maial Paiakan Kaiapó, liderança da Terra Indígena Kayapó, mestranda em direito e ativista antirracista e pela defesa dos direitos humanos e ambientais

“Historicamente, a COP tem contado com uma participação mínima, quase inexistente, de indígenas. A luta pela inclusão dessas vozes tem sido intensa, e, embora observamos um aumento da presença indígena, ainda estamos longe de garantir uma participação efetiva nas negociações. É fundamental enfatizar que a presença de indígenas nesses espaços não deve substituir a autonomia e a voz das comunidades indígenas, suas lideranças e organizações de base. As pessoas estão cansadas de ouvir que nós, povos indígenas, somos os maiores defensores da biodiversidade e que preservamos esses recursos para a humanidade. Contudo, a pergunta persiste: será que a sociedade realmente compreende essa realidade? A responsabilidade pela proteção das florestas é compartilhada entre todos, sociedade civil, municípios, estados e governo federal. Recentemente, as queimadas, sejam elas criminosas ou não, têm chamado a atenção. É crucial reconhecer que as terras indígenas desempenham um papel essencial na manutenção da qualidade do ar e do clima na região, ajudando a evitar uma deterioração ainda maior da situação. Porém, mesmo com essa contribuição, nossa presença no diálogo sobre essas questões é insuficiente. A COP de Belém é de suma importância, mas é imprescindível que os municípios paraenses reconheçam a relevância da biodiversidade. No Pará, duas terras indígenas, a dos kayapó e a dos munduruku, estão entre as mais impactadas pela exploração do garimpo. Além disso, o Pará tem os mais altos índices de violações dos direitos humanos. É urgente que o estado, que abriga 55 povos indígenas distintos, enfrente a questão do garimpo em terras indígenas e busque soluções para interromper a destruição das florestas, dos rios e de toda a nossa terra. Para a COP30, é importante que sejam apresentados planos concretos para o futuro da Amazônia e de todos os biomas brasileiros, com um compromisso real na implementação dessas estratégias.” (depoimento a Leonardo Neiva)


“Destravar o financiamento é extremamente importante, mas não vai acontecer em duas semanas”

Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima

“Precisamos pensar na COP30 como um processo de acúmulo de discussões e tentativas de acordo. Várias coisas influenciam para que acordos importantes e positivos ocorram ou para que sejam enterrados. A primeira é o ambiente de negociação. Estamos num mundo com duas guerras, além de um possível retorno de Trump à presidência dos Estados Unidos. Se chegarmos à COP com esse cenário atual, as chances de entendimento entre os países diminuem. Porque quem negocia são os mesmos que estão jogando bomba um no outro. A eleição americana também é importante porque os Estados Unidos, historicamente, são os maiores emissores [de gases de efeito estufa]. E, o pré-programa do candidato Trump, diz que, caso ele seja eleito, os EUA vão sair novamente do Acordo de Paris. Essas circunstâncias ainda não estão dadas, mas jogam um peso para o que vai acontecer no Brasil. As duas principais agendas em discussão são financiamento, ou seja, dinheiro, e as NDCs [Contribuições Nacionalmente Determinadas]. No quesito financiamento, é o movimento dos países ricos criarem um fundo para financiar a transformação necessária nos países em desenvolvimento. Os países ricos e desenvolvidos colocam ali os valores e os países em desenvolvimento acessam os recursos para diminuir suas emissões. No nosso caso, o principal foco é o desmatamento, depois vem a energia agropecuária, mas em outros países a energia é o foco principal. Mas esse dinheiro foi prometido há mais de uma década e nunca apareceu. Isso causa, além da impossibilidade financeira para fazer essa transformação, um mal-estar em relação à confiança nas negociações. Destravar o tema do financiamento é extremamente importante, mas não vai acontecer em duas semanas. É um processo daqui até a COP30, que passa pela Conferência do Clima no Azerbaijão, em 2024. O outro tema é o das NDCs, as promessas do clima. Se pegarmos as promessas de todos os países, elas nos levariam a um aquecimento de quase 3 graus, sendo que os cientistas preconizam que o planeta tem que ficar em 1,5 grau. Portanto, se todas as promessas fossem realizadas, estaríamos muito fora da curva do que precisamos. O que necessitamos daqui até a COP30 é que os países revejam as suas NDCs e submetam novas metas de corte de emissões para mantermos o planeta em 1,5 grau. Olhando para o Brasil nesse cenário, temos algumas situações particulares. A primeira é que o ‘assunto COP’ deve tomar boa parte da agenda política em um curto espaço de tempo, até a COP de Belém. O clima vai ser mais debatido no Brasil, seja porque a COP vai acontecer ou porque estamos vendo eventos extremos climáticos com cada vez mais intensidade e frequência. Com isso, teremos mais pressão pública para avançar em agendas como demarcação de terras indígenas, unidades de conservação, diminuição do desmatamento, melhoria da produção de alimentos e menos emissões de carbono. Essa agenda doméstica deve ganhar ainda possibilidades de frear os retrocessos no Congresso, que, hoje, é o protagonista da destruição ambiental no Brasil. Na verdade, se o Congresso só não atrapalhar, já está bom para caramba. O Congresso não impondo retrocessos, já é um grande serviço prestado ao clima no mundo inteiro.” (depoimento a Ana Elisa Faria)


“Espero que a COP30 não seja mais um espaço de greenwashing do governo”

Mariana Belmont, jornalista, pesquisadora e organizadora do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil” (Oralituras, 2023)

“O que eu espero da COP30 é que a sociedade civil, de fato, participe dos processos, esteja perto, tome conhecimento e se empodere a respeito do que são essas negociações. Acho que a participação social é um tema importante, e é um grande buraco do governo atual. Espero que o governo brasileiro entregue isso para a sociedade, além de mostrar internacionalmente o que é uma construção política com visão de futuro e uma negociação inclusiva e participativa, não a portas fechadas, não fingindo que está fazendo algo. Espero que a COP30 não seja mais um espaço de greenwashing do governo brasileiro para mostrar internacionalmente que está fazendo, enquanto temos falhas absurdas: território quilombola sem titulação, marco temporal batendo na porta, territórios indígenas sem demarcação. Temos uma lista imensa de lição de casa para fazer, e espero que a chegada dessa COP nos provoque a resolver essas tarefas. Para pensarmos sobre o que deve ser debatido na COP30 e avançar em relação às edições anteriores, é preciso entender que há toda uma preparação para um evento desses. Anualmente, no meio do ano, na sede da UNFCCC [Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima], em Bonn, na Alemanha, há uma conferência de duas semanas, menor que a COP, onde as organizações da sociedade civil, as diplomacias e os governos prepararam textos e já iniciam as negociações para as COPs. E o que está na mesa atualmente é o financiamento, o montante de dinheiro que vai ser colocado, especialmente pelos países ricos, para o trabalho da redução das emissões e da redução da crise climática no mundo. Além disso, tem as novas NDCs, as Contribuições Nacionalmente Determinadas, que os países devem entregar até março de 2025. O que vimos depois de Bonn é que a nova meta de financiamento climático é o principal item da agenda da COP29. É a partir dela que será definido o quanto de dinheiro os países desenvolvidos precisam prover aos países em desenvolvimento para financiar o cumprimento das novas metas climáticas e a adaptação à mudança do clima. Sem dinheiro e sem os países ricos colocarem dinheiro na mesa, não vai dar certo, vai continuar não dando certo. E aí precisamos também lidar com perdas e danos decorrentes dos eventos extremos, que não podem mais ser evitados. Também acho que a COP30 vai colocar uma pressão extra na necessidade de termos uma liderança brasileira no processo internacional e para dar o exemplo dentro de casa, colocando o pé na porta para cobrar que os países ricos coloquem dinheiro nas negociações e parem de recuar. Financiamento, adaptação e perdas e danos são temas que antes eram patinhos feios das conferências e das negociações, mas que começaram a ganhar um outro espaço porque estamos vendo no planeta que não temos tempo de negociar por mais tempo.” (depoimento a Ana Elisa Faria)

Revista Gama.
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