Os resultados oficiais da disputa pela Casa Branca ainda não foram divulgados, mas uma projeção dos meios de comunicação mostra que Trump venceu o pleito contra a democrata Kamala Harris.
Autoproclamados campeões da democracia, os Estados Unidos realizam sua 60ª eleição presidencial. Diferentemente do Brasil, por lá os cidadãos não votam diretamente em seu candidato e, muitas vezes, quem recebe mais votos não vence. Estranho, o mecanismo é uma herança do período escravagista, afirmam analistas à Sputnik Brasil.
O colégio eleitoral
As eleições no Brasil para os cargos do Executivo, isto é, presidente, governador e prefeito, são feitas de forma direta. Cada eleitor ao votar tem a certeza de que seu voto conta para eleger seu escolhido.
O mesmo não é verdade nos Estados Unidos, que contam com um sistema de voto indireto. Ou seja, o norte-americano na verdade não vota em seu candidato, mas sim para tentar influenciar como o colégio eleitoral, grupo de delegados selecionados pelo partido, vai agir.
Carlos Eduardo Martins, pesquisador do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou que isso acaba criando uma distorção entre o que é expressado nas urnas e o que é levado a cabo pelos delegados.
Dos 50 estados norte-americanos, afirmou Martins, apenas 2 contam com regras que determinam uma proporcionalidade para a ação dos delegados. Nos demais 48, “quem tem 51% dos votos leva todos os delegados do colégio eleitoral”.
Origem escravocrata
Segundo Martins, que foi professor visitante na universidade Johns Hopkins, em Maryland, esse descompasso entre a representação popular e quem de fato é eleito presidente não é um efeito colateral do sistema indireto de voto dos EUA, mas sim o motivo pelo qual foi criado.
Desenvolvido durante o período escravocrata, o colégio eleitoral foi criado para que os estados do sul, que possuíam uma considerável população escravizada que não tinha direito ao voto, não fossem sub-representados no Executivo federal.
“Contava-se o número de pessoas, transferindo esse número para o peso demográfico proporcional do estado na federação, mas não se reconhecia o direito a voto de populações excluídas.”
O professor lembra que ainda que se tenha feito uma reforma eleitoral abrindo o direito de voto a todos nos anos 1960, durante o movimento dos direitos civis, os EUA têm uma política de encarceramento em massa que atinge principalmente a população negra.
Oligarquia norte-americana
Hoje a chamada democracia norte-americana e seu sistema indireto de eleições servem a um propósito diferente, porém paralelo ao do passado: manter a oligarquia estadunidense no poder.
Roberto Goulart Menezes, professor de relações internacionais na Universidade de Brasília (UnB), destacou que nos Estados Unidos o candidato deve escolher qual tipo de financiamento vai utilizar em sua campanha: público ou privado. E esse financiamento privado, é claro, são interesses de grandes grupos econômicos ou até de doadores pessoais.
Para Menezes, esse acolhimento dos desejos dos financiadores ficou evidente neste ano, quando o atual presidente, Joe Biden, desistiu de tentar a reeleição após um mau desempenho no debate contra o adversário e ex-presidente Donald Trump.
“O financiamento privado das campanhas tem um peso absolutamente decisivo no resultado eleitoral”, reiterou Martins. “O custo de uma campanha eleitoral subiu estratosfericamente. Eleger um deputado federal tem um custo médio de US$ 2,5 milhões [R$ 14 milhões].
Cerca de 400 famílias nos Estados Unidos são responsáveis por mais de metade dos gastos com as campanhas eleitorais. Essas famílias decidem quem vai ser eleito ou quem não vai ser.”
Nesse contexto, todo o sistema eleitoral norte-americano, desde o colégio eleitoral desenhado no período escravista à divisão do poder majoritário entre dois partidos, é orquestrado para insular essas elites oligárquicas das pressões sociais, “porque é mais uma instância que os partidos políticos têm de mediação diante da vontade popular”, esclareceu Martins.
“Os Estados Unidos têm essa contradição”, diz. “De um lado é um país que se diz o campeão das liberdades, o campeão da democracia, mas é um país que teve colonialismo interno explícito até meados dos anos 1960.”
Então não é para qualquer um, é um sistema capitalista, oligárquico, que mantém certas estruturas que restringem o poder direto de pressão da população frente aos seus representantes.
“Como é que esta intervenção directa e indirecta dos oligarcas “norte-americanos” nos actos eleitorais, nomeadamente na seleção dos candidatos, na dimensão da propaganda e uso dos meios de comunicação social, no suporte das diversas acções de campanha não causa engulhos, reflexão, crítica nos cultores da “democracia liberal”, é um perfeito mistério!
Intervenção que não atinge apenas a eleição do Presidente da República dos EUA, mas todos os órgãos e mandatos do poder político (e não só), congressistas, deputados à câmara dos representantes, governadores dos Estados, e respectivos parlamentos, etc., etc. Ou seja, é uma questão transversal a todo o sistema de poder político, que atravessa todos os encadeamentos e articulações das suas instituições e representantes eleitos!
Segundo Clara Ferreira Alves é ‘um sistema de uma complexidade tal que pouca gente de fora da América o compreende ou explica, e o americano comum não abarca a complexidade apenas se sujeita a ela’. (Clara Ferreira Alves, Revista Expresso, 29/10/2020)”. Agostinho Lopes, Expresso, 22/07/2024.
[Donald Trump | Foto: Pixabay]
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Não podemos ter medo de comparar Trump a Hitler
A imprensa dos EUA e do mundo precisa deixar de lado as antigas orientações e chamar Trump pelos nomes certos. Por muitas décadas, jornalistas aprenderam a não fazer analogias com Hitler nas matérias sobre política dos EUA. A maldade de Adolf Hitler era tão peculiar, que qualquer comparação entre um político estadunidense e o líder nazista era considerada injusta e fora dos limites. Até que veio Donald Trump.
Trump pode destruir a democracia dos EUA?
https://www.facebook.com/dw.brasil/videos/584148764269123
Fonte: Sputnik Brasil, Expresso e The Intercept Brasil.