Por Jayati Ghosh | Entrevista à Andy Robinson

 

3 mil pessoas têm uma riqueza superior a 13 bilhões de dólares – mais do que o PIB agregado da América e da América Latina – enquanto 733 milhões de pessoas passam fome. Economista indiana explica os mecanismos para tributar os super-ricos e redistribuir, 250 bilhões de dólares ao ano. Nesta entrevista, realizada no mês passado em Washington, a economista Jayati Ghosh, uma das promotoras da ideia do imposto para os super-ricos, explica porque é necessário e como seria concebido. Nascida na Índia em 1955, Ghosh é uma especialista em desenvolvimento da escola heterodoxa, que após 35 anos na Universidade Jawaharlal Nehru, em Deli, ingressou no departamento iconoclasta de Ciências Econômicas da Universidade de Amherst, em Massachusetts, juntamente com Bob Pollin e Isabella Weber.

Como você definiria o termo super rico?

Pois bem, Gabriel Zucman, da Escola de Economia de Paris, que elaborou o relatório sobre o imposto para o G20 no Brasil, propôs aplicá-lo aos bilionários. Mas existem apenas 3 mil bilionários em todo o mundo. Então eu diria que seria para pessoas com 70 ou 50 milhões. Estamos falando de pessoas muito, muito, muito ricas.

Quantos impostos os super-ricos pagam?

Menos que nós. Jeff Bezos, por exemplo, não paga um centavo de imposto de renda. Todos os super-ricos têm consultores fiscais e contabilísticos que os aconselham a contrair dívidas de consumo para pagar juros dedutíveis de impostos e registrar perdas. Deixe-os declarar ganhos de capital não realizados. Então eles não pagam impostos. Existem estudos rigorosos sobre o assunto nos EUA, Canadá e França. E, para os super-ricos, verifica-se que a taxa média de imposto está entre zero e 0,5%. Compare isso com os impostos que você e eu pagamos.

O imposto sobre os super-ricos seria cobrado em cada país separadamente, certo?

Sim. Seriam impostos totalmente nacionais. Temos que gerar nossos próprios recursos fiscais. Os governos de todo o mundo precisam desesperadamente deles. Especialmente países em desenvolvimento como o meu, onde a desigualdade é obscena. Precisamos dele para a proteção social, para o desenvolvimento, para as alterações climáticas. Para tudo. E sabemos que a riqueza, o patrimônio, está distribuído de forma extremamente desigual, ainda mais que o rendimento.

Os bilionários já estão entrando diretamente no poder político.

Sim. A riqueza vem com o poder. Uma vez rico, você terá muito poder para o bem social e econômico. Você pode influenciar governos, comprar uma plataforma de mídia porque gosta da ideia e depois mudá-la da maneira que desejar. Você pode voar para a lua se quiser. Isso é muito poder. Portanto, temos de moderar esse excesso de poder que provém do excesso de riqueza.

Como se explica o aumento da riqueza dos super-ricos?

Nada justifica este excesso de riqueza. Não é resultado da produtividade, mas sim das instituições que criamos. E a razão pela qual a situação está piorando é que os super-ricos podem influenciar essas mesmas instituições para as mudarem a seu gosto. Portanto, por muitas razões, um imposto sobre a riqueza é muito importante.

Há muito apoio à proposta?

É enorme. Houve uma pesquisa do Clube de Roma, do qual sou membro. Fizemos um estudo com a Gallup e 68% das pessoas entrevistadas em 17 países da OCDE apoiam um imposto sobre os super-ricos. Apenas 11% acham que é uma má ideia. Na Índia, o apoio foi de 80% porque temos níveis francamente obscenos de desigualdade de riqueza.

Então qual é a ideia?

Cada super-rico deveria pagar um mínimo de 2% de sua riqueza como impostos. Isso não significa que seja um imposto sobre a riqueza. Pode ser tributado sobre rendimentos de dividendos ou sobre algum outro ganho de capital não realizado. Como tributamos não importa. Quer dizer, existem diferentes maneiras de fazer isso, em diferentes contextos. O FMI acredita que é melhor tributar o rendimento do capital do que a riqueza. E não tenho nenhum problema com isso. A questão principal é que os super-ricos devem pagar 2% dos seus ativos. O economista francês Gabriel Zucman afirmou isso no relatório que preparou para o governo brasileiro visando a sua presidência do G20. Faz parte da agenda brasileira do G20.

Existe algum precedente?

Sim. A ideia é a mesma da taxa mínima de imposto sobre as sociedades de 15% que foi aprovada na OCDE. Isto serve para contrariar o truque empresarial de transferir os lucros das multinacionais para paraísos fiscais. Você sabe, quando, por exemplo, o Google diz ao governo espanhol: “Sinto muito. Eu não gero nenhum lucro em seu país. Tenho que pagar royalties sobre a propriedade intelectual e isso vai para a Irlanda. É uma pena, mas não posso pagar impostos aqui.” E a Irlanda tem uma taxa de imposto muito baixa, apenas 12,5%. É a famosa tática. Mas com o novo plano adotado pela OCDE, o país onde essa empresa opera pode dizer: “Tudo bem, mas se pagar apenas 12,5% na Irlanda, vamos tributar-lhe os restantes 2,5% aqui”.

E o mesmo sistema se aplicaria a indivíduos com alto patrimônio líquido e às empresas, correto?

Sim. É a mesma ideia aplicada aos indivíduos. Ou seja, o princípio deste imposto mínimo foi aceito pela OCDE para as empresas. Também deve ser feito para pessoas super ricas.

Como isso seria aplicado aos indivíduos?

A ideia é esta: que cada país aplique um imposto mínimo de 2% sobre a riqueza dos super-ricos. Se disserem que todo o seu dinheiro está nas Ilhas Cayman, bem, o país onde você reside diz: “Mas você não está pagando nenhum imposto nas Ilhas Cayman, então, de acordo com os novos regulamentos, posso tributar 2% de seus ativos.”

Não haveria problemas com mudanças e fuga de capitais?

Não, porque o Zucman tem outra ideia, que acho muito boa. É verdade que você costuma fazer isso e todo mundo ameaça se mudar. Está ocorrendo na Inglaterra neste momento com o fim do regime “non dom” (residentes temporários). Portanto, Zucman propõe um imposto de saída com base no tempo de permanência no país e na quantidade de riqueza que acumulou enquanto esteve nesse país. Em outras palavras, os super-ricos têm quem pagar mesmo que saiam do país.

Mas como seria aplicado um imposto de saída?

Vejamos o caso de Gérard Depardieu. Você se lembra que em 2012 ele se mudou para a Bélgica porque achava que a taxa de imposto francesa era muito alta? Na medida em que ainda tenha alguns negócios em França, essa taxa de partida seria aplicada se quisesse regressar a Paris, por exemplo, para jantar. Antes de regressar à Bélgica, teria de pagar.

Como é que o G20 vai implementar isto?

Já sabe que as cúpulas do G20 são locais onde as pessoas mais falam do que agem. E tudo bem porque é melhor conversar do que ir para a guerra. Mas isso não leva necessariamente a nada. No entanto, o que aconteceu globalmente é que ocorreram duas grandes mudanças. Uma delas foi em 2016, quando conseguimos a troca automática de informações bancárias. 142 países assinaram. Todas as informações bancárias são trocadas automaticamente entre jurisdições fiscais. Muitos paraísos fiscais ficaram de fora; Os Estados Unidos ficaram de fora. Mas isso é o suficiente para começar.

Qual é a outra mudança?

Conseguimos, graças à União Africana, um acordo para criar uma convenção fiscal da ONU. O que é uma grande conquista. Sim. Isso não significa que todos os países terão de implementar os mesmos impostos. Estabelecer apenas os princípios nos quais as leis fiscais podem se basear. Então é uma espécie de harmonização. A transferência de lucros e tudo isso vai ficar muito mais difícil. São avanços muito importantes.

O que resta fazer?

São grandes avanços e o imposto para os super-ricos será outro. Mas os super-ricos não tendem a guardar dinheiro em seus próprios nomes. Eles usam relações de confiança. Portanto, precisamos de registros de ativos que identifiquem os proprietários beneficiários de todos os trustes. Normalmente, o truste é controlado por seu contador ou advogado. A UE introduziu esse regulamento, onde é necessário identificar o beneficiário efetivo. O problema é que eles não compartilham as informações com outras pessoas. Assim, se um bilionário na Índia tiver um truste, a UE poderá saber quem é o beneficiário efetivo. Mas o governo indiano não saberá. Precisamos compartilhar. Cada país deve fazer este registro de ativos e depois partilhar essa informação. Se as pessoas soubessem, exigiriam isso. Não há barulho suficiente sobre isso. Deve ser melhor comunicado. E este é o trabalho de meios de comunicação como o seu.

 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos.

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