[Startup chinesa consegue resolver problemas mais complexos de raciocínio Foto: maurice norbert/Adobe Stock]
A empresa chinesa de inteligência artificial DeepSeek causou nervosismo nos mercados mundiais, provocando uma venda de ações nos EUA e na Europa, derrubando em cerca de US$ 1 trilhão o valor das grandes empresas americanas de tecnologia. A IA chinesa é alegadamente mais rentável e tem um desempenho melhor do que os principais modelos americanos.
Os mercados acionários dos EUA amanheceram, na segunda-feira (27/01/2025), assustados por um nome até então pouco conhecido: DeepSeek. A empresa chinesa desenvolveu um chatbot de inteligência artificial (IA) que rivaliza com o ChatGPT, apesar das restrições impostas à China de acesso aos chips americanos. O sucesso da startup desafia o modelo de negócios das gigantes ocidentais, com custos na casa dos milhões, e deflagra uma liquidação em Wall Street que impõe perdas de mais de US$ 1 trilhão aos papéis de techs.
Os números dão a dimensão do desafio: a companhia precisou de menos de US$ 6 milhões para treinar o modelo R1, que ajudou a DeepSeek AI Assistance a ultrapassar o ChatGPT o1 como a aplicação gratuita mais descarregada na Apple App Store. dos EUA. Para efeito de comparação, a Meta avisou, na semana passada, que investirá mais de US$ 65 bilhões para avançar com IA este ano. É um “dos mais incríveis e impressionantes” avanços já vistos no segmento, nas palavras do megainvestidor de techs Marc Andreessen.
A DeepSeek disse ter usado apenas cerca de 2 mil chips especializados da Nvidia para desenvolver o chatbot, comparado com os 16 mil necessários para a criação dos rivais, segundo o The New York Times.
Tudo isso “deixou o mundo da IA em choque”, segundo o desenvolvedor de IA da Dropbox, Morgan Brown. “OpenAI e outras gastam mais de US$ 100 milhões (R$ 593 milhões) apenas em computação. Chega a DeepSeek e diz: ‘e se fizéssemos isso por US$ 5 milhões (R$ 33 milhões)?’”, escreveu, em publicação no X na qual lista uma série de inovações do novo modelo. Na semana passada, a OpenAI e a Oracle também se comprometeram a investir bilhões de dólares na iniciativa Stargate para impulsionar o setor de IA nos EUA.
Nas mesas de operações, o episódio põe em xeque a vertiginosa escalada que catapultou os principais players do Vale do Silício desde o ano passado. Os paralelos com a bolha da internet já eram frequentemente citados pelos mais pessimistas, diante das crescentes valuations (valor) de ações ligadas à IA. Ainda é cedo para saber se o cenário atual será tão dramático quanto o do começo do século, mas analistas veem espaço para correção.
“A retração subsequente no mercado de ações ilustra até que ponto a angústia dos investidores está agora focada na questão – também conversa com a ideia de que os valores das ações foram esticados e o desempenho bom do mercado de ações já deveria ter sofrido uma retração, se não uma correção total”, resume o estrategista Ian Lyngen, do BMO Capital Markets.
A Nvidia, a “queridinha” de investidores nesta era de IA, simboliza a situação. Conforme define o estrategista Jim Reid, do Deutsche Bank, a empresa foi promovida da “relativa obscuridade” para uma das mais lucrativas do mundo em apenas quatro anos – com lucro de cerca de US$ 4 bilhões em 2021 para US$ 63 bilhões no terceiro trimestre do ano passado, em base anual.
Queda de ações da Nvidia devido à DeepSeek é a maior da história do mercado
Não à toa, a ação da Nvidia é uma das mais punidas nesta segunda-feira, 27, com perdas na casa dos dois dígitos. O maior fabricante de chips de IA do mundo, viu as suas ações cair 17%, resultando em uma perda de US$ 589 bilhões em valor de mercado no que foi o maior declínio diário já registrado na história do mercado financeiro. O fabricante europeu de equipamento de chips de IA, ASML, também registou uma queda de 7% no preço das suas ações. O Nasdaq Composite, um índice de alta tecnologia dos EUA, caiu mais de 3%, com o sector tecnológico no seu conjunto a cair 5,6%. As bolsas europeias seguiram o mesmo caminho, pesadas pelas perdas no sector tecnológico.
No entanto, a DeepSeek limitou temporariamente os registros no final desse dia, citando um ciberataque em grande escala aos seus serviços.
DeepSeek sofre ataque cibernético conforme usuários migram para startup chinesa de IA
Os ataques cibernéticos em grande escala, que há vários dias afetam a aplicação chinesa de modelos de inteligência artificial (IA) generativa DeepSeek R-1, vieram de utilizadores localizados nos Estados Unidos (EUA), diz a imprensa oficial chinesa. Especialista em cibersegurança, da empresa de programas antivírus Qi’anxin, disse que “todos os endereços IP no ataque foram registrados e todos eles são norte-americanos”.
A plataforma garantiu que já identificou o problema, implementou uma alteração no sistema e está “atenta a quaisquer potenciais problemas”.
IA de Trump
A movimentação ocorre num momento em que gigantes da tecnologia, como Meta, Microsoft e outros, se preparam para apresentar seus últimos lucros trimestrais esta semana e depois de Donald Trump anunciar no dia 21/01/2025 um novo projeto de inteligência artificial chamado “Stargate”, com investimento de até US$ 500 bilhões em cinco anos visando acelerar a produção de IA feita nos Estados Unidos para competir com a China pela liderança global na tecnologia.
Adesão
A Aurora Mobile Limited, maior provedora de tecnologia big data da China, aderiu ao DeepSeek R1, em anúncio divulgado nesta segunda-feira, 27. De acordo com o documento da empresa, a adição aprimora ainda mais o ecossistema robusto de recursos de inteligência artificial (IA) do GPTBots.ai, que já inclui OpenAI, Azure, Meta Llama, Mistral AI, Anthropic Claude, Google Gemini, Ali Qwen e Zhipu GLM.
“A integração do DeepSeek R1 ressalta o comprometimento do GPTBots.ai em fornecer às empresas soluções de IA de ponta, adaptadas às necessidades empresariais”, escreve a companhia. Segundo a Aurora Mobile, o chatbot chinês é conhecido por seu “desempenho excepcional em tarefas complexas de raciocínio”, além de trazer um novo nível de eficiência, adaptabilidade e custo-benefício para a plataforma.
O vice-presidente do GPTBots.ai, Jerry Yin, afirmou que a integração do novo sistema se alinha com a missão de capacitar empresas com soluções avançadas de IA. A Aurora Mobile, que fornece serviços abrangentes para desenvolvedores móveis, já atendeu mais de 600 mil aplicativos móveis e cobre mais de 11 bilhões de dispositivos móveis, com uma base de dispositivos ativos mensais excedendo 800 milhões, o que é mais de 90% dos dispositivos móveis na China.
Como é que a DeepSeek ameaça o domínio da IA dos EUA?
O DeepSeek, um chatbot com sistema de IA leve, acessível e, especialmente, colaborativo, foi fundado em dezembro de 2023 por Liang Wenfeng CEO do hedge fund High Flyer. O DeepSeek-V3, lançado no final de dezembro de 2024, revelou o seu mais recente grande modelo de linguagem (LLM) gratuito e de código aberto, R1, . De acordo com o comunicado da empresa, o modelo foi desenvolvido por menos de 6 milhões de dólares (5.7 milhões de euros) em apenas dois meses. Em contrapartida, os EUA investiram milhares de milhões de dólares em infraestruturas de IA.
Um componente fundamental do sucesso do modelo chinês é o fato de estar em código aberto. Projeto que retomou a cultura do software livre e apavora as Big Techs. O DeepSeek é um software que qualquer pessoa pode baixar e usar, modificar ou distribuir de forma gratuita. O DeepSeek-V3 está disponível no GitHub, com uma documentação detalhada sobre como foi feito e como pode ser replicado. Isso, na prática, tem fomentado uma corrida de várias pessoas e grupos para experimentar fazer seus próprios modelos a partir das instruções dadas pela equipe do DeepSeek.
Código aberto, o segredo por trás do DeepSeek
O cérebro por trás do DeepSeek: quem é Liang Wenfeng?
Liang Wenfeng (40 anos) nasceu em Guangdong, no sul da China, e se formou na Universidade de Zhejiang em engenharia de informação eletrônica e ciência da computação. Acredita-se que Liang, que está pessoalmente envolvido na pesquisa da DeepSeek, usa os lucros de sua negociação de fundos de hedge para pagar os maiores salários aos melhores talentos de IA na China. A empresa conta com PhDs das principais escolas chinesas — as universidades de Pequim, Tsinghua e Beihang — em vez de especialistas de instituições dos EUA.
Waack: China demole principal plano de Trump e as big techs
Notavelmente, o LLM chinês de baixo custo superou alguns dos softwares mais proeminentes do mercado, incluindo GPT-4o da OpenAI, Gemini 2.0 Flash do Google, Claude 3.5 Sonnet da Anthropic e Llama 3.1 da Meta, particularmente na resolução de problemas matemáticos e de codificação complexos.
Brasil quer desenvolver modelo próprio de IA com seu planejamento estratégico já em implementação
A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luciana Santos, compartilha visão de que IA chinesa mostra que é possível para países emergentes, com menos recursos, competirem em inteligência artificial. A ministra disse em entrevista à CNN que as frentes de desenvolvimento de inteligência artificial no Brasil vão “beber da fonte” da chinesa DeepSeek. Chamados de DeepSeek R1 e V3, os modelos contam com o código aberto, permitindo que outras empresas possam testar e modificá-lo. Mas a ideia é construir modelos próprios do Brasil para a tecnologia.
“A gente quer desenvolver nossos próprios modelos. Mas é óbvio que a gente bebe na fonte daquilo que é mais avançado, até para ter agilidade no desenvolvimento”, disse.
Na visão do governo as capacidades instaladas no Brasil, alinhada aos incentivos adequados, tornam possível concorrer na tecnologia. A ministra destaca ainda que há outras vantagens comparativas colocadas no país, como a abundância em energia limpa e água — recursos vitais para IA.
De acordo com a ministra, existe uma “cobiça” pelos dados brasileiros, e as informações têm que permanecer em domínio nacional.
“Há uma verdadeira cobiça pelos dados brasileiros, pelos SUS, pelos dados da Embrapa, do ministério da Ciência e Tecnologia, dos institutos que pesquisam e desenvolvem vacinas e tudo isso não pode ficar na mão de empresas, tem que ficar na mão de domínio nacional”, adicionou a ministra.
No ano passado, o MCTI apresentou um plano com R$ 23 bilhões em investimentos voltados a inteligência artificial para o período entre 2024 e 2028. Cerca de R$ 14 bilhões serão destinados a projetos de inovação empresarial, enquanto mais de R$ 5 bilhões serão investidos em infraestrutura e desenvolvimento de IA.
Segundo o governo, este montante aproximaria o Brasil do padrão de investimentos planejados pelos europeus na tecnologia (apesar de ainda distante de Estados Unidos e China). “Quando concebemos o plano, reforçamos que não havia razão para estar atrás nesta corrida tecnológica”, completou a ministra.
• Fonte: MCTI
DeepSeek já conquista público brasileiro por facilidade no uso e ‘memória’ mais avançada
A rápida popularidade do chatbot chinês de inteligência artificial (IA), DeepSeek, promete fazer com que o “novato” do setor dispute espaço com grandes concorrentes, como o ChatGPT, da OpenAI e o Gemini, do Google – e no Brasil, a IA já está conquistando usuários que se acostumaram com o uso da ferramenta no dia a dia.
O uso da DeepSeek por aqui faz bastante sentido: desde 2022, quando a OpenAI lançou o ChatGPT, usuários brasileiros não demoraram para experimentar a ajuda do chatbot nas mais diversas tarefas. Isso tornou o País como um dos que ultrapassaram a média global de uso de IA no mundo. Segundo uma pesquisa realizada pelo Google, 54% dos brasileiros afirmam ter usado a tecnologia em 2024, enquanto a média global é de 48%.
A IA como elemento geopolítico
O impacto não foi apenas econômico. As disputas geopolíticas entre os EUA e a China pela liderança tecnológica ocorrem há cerca de uma década. Desde o primeiro mandato do presidente Donald Trump, entre 2017 e 2021, houve batalhas em torno da infraestrutura de tecnologia da rede 5G, semicondutores e carros elétricos.
“A principal disputa geopolítica hoje entre os EUA e a China é na questão tecnológica. A inteligência artificial se apresenta como mais uma frente dessa disputa. O país asiático tem dedicado atenção ao setor de economia digital e inovação, na qual a inteligência artificial se insere, há pelo menos dez anos”. Afirma Renan Holanda, professor de relações internacionais da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), especialista em China. “
Fabio Cozman, diretor do Centro de Inteligência Artificial da USP (Universidade de São Paulo), afirmou na terça-feira (28/01) ao Jornal da CBN que a China é o maior produtor de pesquisas acadêmicas do campo da inteligência artificial.
Ao longo do seu mandato, Joe Biden impôs diversas restrições à importação de chips para a China com o objetivo de limitar o avanço do adversário geopolítico no setor — a última delas ocorreu a uma semana de deixar o cargo. Houve também barreiras aos carros elétricos, ao mesmo tempo em que buscava reforçar a produção de semicondutores no país.
Os chineses também limitaram a exportação aos EUA de metais de terras raras – conjunto de elementos químicos de difícil extração, vitais para a produção de tecnologias e diversos produtos da área de defesa. A China domina toda a cadeia produtiva dessa indústria.
O avanço da inteligência artificial tem grande impacto econômico na automação de empresas e no cotidiano das pessoas em casa ou no trabalho.
O professor da Unifesp disse que essa tecnologia também é relevante para a inovação militar. “A percepção da inteligência artificial através da robótica e de armas autônomas vai determinar a hegemonia do planeta nas próximas décadas”, afirmou.
A DeepSeek e o início do século chinês
Enquanto Donald Trump domina as manchetes, a China segue assumindo a liderança mundial. Num cenário de confronto global, o Brasil precisa, finalmente, articular interesses e perspectivas próprias de longo prazo.
Fonte: O Estado de São Paulo, Euronews, Outras Palavras, CNN, Deutsche Welle, BBC, Nexo.
Edição: Valdisio Fernandes, Instituto Búzios.