O procurador-geral da República Paulo Gonet denunciou nesta terça-feira, 18, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas no inquérito do golpe. Após analisar detidamente durante três meses as provas reunidas pela Polícia Federal (PF), que indiciou o ex-presidente, Gonet concluiu que Bolsonaro não apenas tinha conhecimento do plano golpista como liderou as articulações para dar um golpe de Estado. Se for condenado, o ex-presidente pode pegar mais de 28 anos de prisão. Entre os denunciados, estão ex-membros do primeiro escalão da gestão Jair Bolsonaro e oficiais generais das Forças Armadas.

“A organização tinha por líderes o próprio Presidente da República e o seu candidato a Vice-Presidente, o General Braga Neto. Ambos aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência e independência dos poderes e do Estado de Direito democrático”, diz um trecho da denúncia.

A denúncia de 270 páginas foi enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF). Cabe agora aos ministros da Primeira Turma analisar o documento para decidir se há provas suficientes para abrir uma ação penal. O relator é Alexandre de Moraes.

Caso o Supremo Tribunal Federal (STF) aceite a denúncia, Bolsonaro e seus aliados serão oficialmente réus numa ação penal. Os crimes imputados contra eles são: organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano ao patrimônio da União, entre outros.

Gonet menciona na denúncia a reunião do ex-presidente com os comandantes das Forças Armadas e o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, no dia 14 de dezembro de 2022. O encontro teria sido uma ação preparatória para o golpe. Segundo a Polícia Federal, o plano golpista não foi colocado em prática porque a cúpula do Exército não aderiu.

As peças acusatórias baseiam-se em manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens que revelam o esquema de ruptura da ordem democrática. E descrevem, de forma pormenorizada, a trama conspiratória armada e executada contra as instituições democráticas.

A PGR decidiu denunciar todos os envolvidos apontados pela PF na tentativa de golpe, mas optou por separar as denúncias contra os envolvidos a partir de núcleos de atuação.

Bolsonaro e generais em ‘núcleo crucial’ do golpe

Bolsonaro é arrolado na principal denúncia, ao lado do general Walter Braga Netto –ministro em seu governo e vice na chapa derrotada na eleição de 2022. Também figuram no grupo os ex-ministros  Augusto Heleno (GSI), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) e Anderson Torres (Justiça), assim como o almirante Almir Garnier, comandante da Marinha no governo Bolsonaro, e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que chefiou a Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

De acordo com a peça da PGR, Bolsonaro e os demais citados “formaram o núcleo crucial da organização criminosa”. Ainda segundo a PGR, “deles partiram as principais decisões e ações com impacto social” narradas na denúncia.

PGR: Bolsonaro consentiu plano para matar Lula

A PGR afirma ainda que Jair Bolsonaro não só tomou conhecimento, como deu anuência ao plano conhecido como Punhal Verde Amarelo, no qual militares ligados às forças especiais –os chamados kids pretos– planejaram o assassinato do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

“O plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do Presidente da República, que a ele anuiu, ao tempo em que era divulgado relatório em que o Ministério da Defesa se via na contingência de reconhecer a inexistência de detecção de fraude nas eleições”, diz a peça.

Além de Bolsonaro, a PF tinha indiciado 39 personagens entre ex-ministros, militares e alguns de seus principais auxiliares. Só entre militares há mais de uma dezena. Além de Bolsonaro, o general Walter Braga Netto também foi indiciado e está preso desde dezembro. Junto a ele o general Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, e o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier.

Investigação da PF

A PF arrecadou ao longo de quase dois anos de investigações milhares de dados obtidos em celulares e computadores e diversos depoimentos mostrando como foi forjado um plano para impedir que o presidente Lula tomasse posse em janeiro de 2023. Neste plano, estava incluído até o planejamento do assassinato do presidente, do vice-presidente Geraldo Alckmin, e do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Plano Punhal Verde e Amarelo

Dados localizados em celulares e computadores dos investigados desde a Operação Tempus Veritatis, em 8 de fevereiro deste ano, mostram que, em 9 de novembro de 2022, apenas cinco dias depois da live de Cerimedo, o general Mário Fernandes, ex-chefe-substituto da Secretaria Geral da Presidência, imprimiu um plano para descrever ações armadas que visavam impedir a posse de Lula, ou seja, dar um golpe. Segundo as investigações, o documento seria apresentado para o general Braga Netto.

No relatório da PF, é descrito que o “documento denominado “punhal verde amarelo” foi elaborado e impresso no dia 09/11/2022, no Palácio do Planalto, sede da Presidência da República, pelo Secretário-executivo da Secretaria-geral da Presidência, general Mário Fernandes”. Dados obtidos pelas antenas de celular mostram que Jair Bolsonaro estava no edifício no momento da impressão.

O plano golpista “descreve o levantamento da estrutura de segurança do ministro Alexandre de Moraes, os meios que deveriam ser empregados e a ação final de prisão/execução do ministro. O planejamento também estabelece a possibilidade, dentre as ações dos “Kids Pretos”, de assassinarem o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, por envenenamento ou uso de químicos, e o então vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, com a finalidade de extinguir a chapa presidencial vencedora”. “Kids Pretos” é o apelido dado a militares que se formam no curso de Operações Especiais do Exército Brasileiro.

Em um relatório, a PF aponta que também encontrou dados em celulares dos investigados sobre uma reunião no apartamento funcional de Braga Netto, em Brasília, dias depois da produção do plano.

No dia 12 de novembro de 2022, já com a produção do plano golpista em andamento, o general Braga Netto recebeu em sua residência funcional em Brasília, localizada na SQS 112, Bloco B. Segundo o depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o encontro teve o objetivo de discutir as ações do plano golpista.

Cid também relatou à PF que, alguns dias depois, presenciou o momento em que o general Braga Netto entregou uma quantidade de dinheiro vivo dentro de uma sacola para carregar vinhos. O valor, que ele não soube precisar, tinha como objetivo financiar a execução das ações do plano “punhal verde e amarelo”.

A reportagem descobriu que, no depoimento para os investigadores, Cid relatou que Braga Netto tentou obter esses valores junto ao PL (Partido Liberal). O objetivo seria utilizar recursos públicos lançados de modo fraudulento na prestação de contas do partido à Justiça Eleitoral. No entanto, o general foi dissuadido devido aos riscos envolvidos e da possível descoberta. Assim, segundo Cid, o dinheiro entregue pelo general na sacola de vinho foi “obtido junto ao pessoal do agronegócio”. Os nomes das pessoas que teriam entregado o dinheiro não foram revelados.

Após a reunião realizada na casa de Braga Netto, os investigados passaram a distribuir entre si um documento intitulado “Copa 2022”, que teria sido aprovado durante o encontro para avalizar a atuação dos “kids pretos” na execução do plano golpista. O documento chegava a indicar as necessidades iniciais de logística e recursos para custear a operação clandestina.

R$ 100 mil

Antes da descoberta dessa reunião e da entrega do dinheiro, a PF já tinha identificado mensagens entre Mauro Cid e outro militar falando sobre a necessidade de arrecadar cerca de R$ 100 mil, cerca de U$ 20 mil.

Foi identificada uma troca de mensagens no Whatsapp no dia 14 de novembro de 2022, entre Cid e o major Rafael Martins de Oliveira. Martins afirmou que precisaria do dinheiro para arcar com custos. Cid solicita que Martins faça estimativa de custos com Hotel, Alimentação e Material, e pergunta se a quantia de R$ 100 mil é suficiente. Martins responde que sim e é orientado por Cid a trazer pessoas do Rio.

Outras ações do plano golpista: Operação 142
Em um dos trechos do relatório da PF, é apresentado ainda um outro detalhamento de medidas de exceção a serem tomadas para evitar a posse do presidente eleito, Lula. Os golpistas deixam claro como queriam interromper o processo de transição por meio da “Operação 142”.

O documento, encontrado na mesa do assessor do general Braga Netto, durante operação de busca e apreensão autorizada pela justiça na sede do PL, descreve que o plano tinha “o objetivo de subverter o Estado Democrático de Direito, utilizando uma interpretação anômala do artigo 142 da CF, de forma a tentar legitimar o golpe de Estado”.

No texto “Lula não sobe a rampa” há “clara alusão ao impedimento de que o vencedor das eleições de 2022 assumisse o cargo da presidência”. Os golpistas citaram anulação das eleições e impedimento de efetivação de Lula no cargo presidencial, o que leva a crer que o documento foi escrito entre novembro e dezembro de 2022.

Documentos apreendidos pela PF também mostram como o general Braga Netto e o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, iriam chefiar um gabinete ligado à Presidência da República para apoiar Bolsonaro na implementação de um decreto golpista após a consumação do golpe. O gabinete iria articular redes de inteligência e estratégias de comunicação para conquistar apoio nacional e internacional.

Os investigadores também arrecadaram mensagens de Braga Netto pressionando os comandantes da Aeronáutica e do Exército a aderirem ao plano. Entre as estratégias de “milícia digital”, ele teria incentivado ataques públicos e pessoais contra generais que se recusaram a aderir ao plano e seus familiares.

Em depoimento à PF, ambos os comandantes contaram que foram chamados para reuniões com Bolsonaro para aderir ao golpe. Eles afirmaram, no entanto, que recusaram as ações. O ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Jr. afirmou que o general Marco Antonio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, ameaçou prender Bolsonaro caso ele desse ordens para uso das tropas em um golpe.

Veja os denunciados

  1. Jair Messias Bolsonaro: ex-presidente da República, apontado como líder da organização criminosa.
  2. Walter Souza Braga Netto: general da reserva e ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro.
  3. Augusto Heleno Ribeiro Pereira: general da reserva e ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional.
  4. Alexandre Rodrigues Ramagem: delegado da Polícia Federal e ex-Diretor-Geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN).
  5. Almir Garnier Santos: almirante de Esquadra da Marinha.
  6. Anderson Gustavo Torres: ex-ministro da Justiça e Segurança Pública.
  7. Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira: general da reserva e ex-ministro da Defesa.
  8. Mauro César Barbosa Cid: tenente-coronel do Exército Brasileiro e ajudante de ordens de Bolsonaro
  9. Ailton Gonçalves Moraes Barros: capitão expulso do Exército.
  10. Angelo Martins Denicoli: major do Exército
  11. Bernardo Romão Correa Netto: coronel do Exército
  12. Carlos Cesar Moretzsohn Rocha: engenheiro contratado pelo partido de Bolsonaro para questionar o resultado das eleições
  13. Cleverson Ney Magalhães: coronel e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres
  14. Estevam Cals Theophilo Gaspar De Oliveira: general e ex-chefe do Comandante de Operações Terrestres do Exército
  15. Fabrício Moreira De Bastos: coronel do Exército
  16. Fernando De Sousa Oliveira:
  17. Filipe Garcia Martins Pereira: ex-assessor especial de Assuntos Internacionais da Presidência
  18. Giancarlo Gomes Rodrigues: subtenente do Exército
  19. Guilherme Marques De Almeida: tenente-coronel do Exército
  20. Hélio Ferreira Lima: tenente-coronel do Exército
  21. Marcelo Araújo Bormevet: policia federal
  22. Marcelo Costa Câmara: ex-ajudante de ordens da Presidência
  23. Mario Fernandes: general da reserva do Exército e ex-secretário executivo da Secretaria Geral da Presidência
  24. Marília Ferreira De Alencar: ex-diretora de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública
  25. Márcio Nunes De Resende Júnior: coronel do Exército
  26. Nilton Diniz Rodrigues: general do Exército
  27. Paulo Renato De Oliveira Figueiredo Filho: ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército
  28. Rafael Martins De Oliveira: coronel do Exército
  29. Reginaldo Vieira De Abreu: coronel do Exército
  30. Rodrigo Bezerra De Azevedo: tenente-coronel do Exército
  31. Ronald Ferreira De Araujo Junior: tenente-coronel do Exército
  32. Sergio Ricardo Cavaliere De Medeiros: tenente-coronel do Exército
  33. Silvinei Vasques: ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal
  34. Wladimir Matos Soares: policial federal

Leia a íntegra da denúncia da PGR contra Bolsonaro

É a primeira denúncia contra Bolsonaro, que foi indiciado em outras duas investigações – o caso envolvendo a fraude em seu cartão de vacinação e o desvio e venda de joias do acervo da presidência, revelado pelo Estadão. O inquérito do golpe liga todas as investigações.

Imprensa internacional repercute denúncia contra Bolsonaro por tentativa de golpe

Mais perto da prisão

Exatos 772 dias depois da invasão das sedes dos Três Poderes por golpistas — o movimento mais ousado de ataque à democracia promovido por simpatizantes de Jair Bolsonaro –, o procurador-geral da República apresentou denúncia contra o ex-presidente. Paulo Gonet denunciou Bolsonaro (e mais 33 indiciados pela Polícia Federal) por tentativa de golpe de Estado.

São numerosas as provas de que o ex-presidente pretendia demolir o arcabouço democrático do Brasil e que colocou em prática um plano com esse objetivo. Bolsonaro inspirou e incentivou as centenas de vândalos que saíram do acampamento à frente do QG do Exército em Brasília para depredar os espaços de decisão mais simbólicos da República.

Mas não foi só isso.

Ao lado de oficiais generais, empresários e políticos determinados a impedir que Lula assumisse a Presidência, mesmo vencendo a votação, Bolsonaro passou quatro anos em campanha de desmoralização do processo eleitoral brasileiro, divulgando dúvidas infundadas sobre a lisura das urnas eletrônicas. Esse roteiro foi intensificado a partir de 2021.

Apoiado por uma milícia digital que lançou mão de incontáveis mentiras, o grupo do ex-presidente inflamou bolsonaristas fanáticos de todo o país, que acamparam à frente de quartéis e bloquearam estradas. As manifestações lunáticas tinham como alvo o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, em especial, o ministro Alexandre de Moraes.

Em uma live, que promoveu dizendo que apresentaria provas da fragilidade da urna eletrônica, Bolsonaro acabou admitindo que não as tinha. O “especialista” usado na farsa admitiu depois que não havia encontrado nenhuma vulnerabilidade no sistema.

Até mesmo o Exército, que se arvorou em analisar tecnicamente o processo eleitoral, afirmou por escrito que não havia nenhuma falha.

Mesmo assim, o ataque à democracia continuou

Empresários do agro mandaram caminhões para engrossar o movimento, que conturbou o país nos meses que antecederam a eleição presidencial.

No dia da eleição, a Polícia Rodoviária Federal de Bolsonaro tentou (em vão) impedir que eleitores de áreas onde Lula era favorito chegassem às urnas.

Após a votação, no dia 12 de dezembro, quando o petista foi diplomado, houve ensaio de rebelião. O Brasil foi surpreendido pelo ataque à sede da Polícia Federal e bolsonaristas que saíram do acampamento no QG ateando fogo a carros e tentando jogar um ônibus do alto do viaduto.

Depois, na véspera de Natal de 2022, dois bolsonaristas instalaram uma bomba próxima a um caminhão de combustível no aeroporto de Brasília, que, se detonada, resultaria em dezenas de vítimas.

A delação de Mauro Cid foi apenas uma importante peça no quebra-cabeças que a Polícia Federal montou com muitas peças para comprovar o que o Brasil inteiro viu: Jair Bolsonaro liderou uma tentativa de golpe de Estado no Brasil.

Após a denúncia da PGR, o STF vai decidir se instaura um processo criminal contra Bolsonaro e os outros acusados.

Que ele e seus cúmplices tenham a punição merecida por esse crime abjeto contra o Estado de Direito.

Em uma sociedade que se pretende democrática, não há delito maior.

 

Fonte: Agência Brasil, O Estado de São Paulo, Instituto Conhecimento Liberta, Terra.

Edição: Valdisio Fernandes, Instituto Búzios.

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