Por Bruna Castelo Branco

Registros históricos apontam que cemitério funcionou por cerca de 150 anos, até que foi substituído pelo Campo Santo.

 

A escavação para investigar a possível existência de um cemitério de escravizados do século 18 no estacionamento da Pupileira, em Salvador, foi oficialmente liberada no dia 26/03/2025. A informação foi confirmada ao Aratu On pela pesquisadora Silvana Olivieri, responsável pela pesquisa. Por meio da assessoria de imprensa, a Santa Casa informou que não iria se pronunciar sobre o assunto.

O termo de cooperação técnica foi assinado na tarde do dia 26 de março, com a presença dos envolvidos na pesquisa e representantes da Santa Casa, com a mediação do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA). Em nota, o Ministério Público informou que o acordo tem vigência de 120 dias e “estabelece como finalidade identificar, preservar, documentar e estudar vestígios materiais que possam ser encontrados sobre o primeiro cemitério público de Salvador“. O documento define o período de três a dez dias para a realização da pesquisa arqueológica. Confira o posicionamento do MP completo no final da matéria.

“O piso é um piso de terra e brita, então, não tem que quebrar nada. É muito fácil essa pesquisa. Não vai danificar nada. Mas a gente precisa disso para comprovar a materialidade desse cemitério no local”, detalhou a pesquisadora.

A partir de agora, de acordo com Silvana Olivieri, os próximo passos serão elaborar o projeto de pesquisa arqueológica para aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e anuência do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), já que a Pupileira é um patrimônio tombado. O objetivo, como revela a pesquisadora, é iniciar as escavações no mês de maio.  Caso vestígios do cemitério sejam encontrados, o local poderá ser transformado em um memorial para os mortos e se tornar um museu a céu aberto.

 

Foto: Silvana OlivieriFoto: Silvana Olivieri


“A Santa Casa autorizou a realização de prospecções no estacionamento do Complexo Pupileira em busca de restos mortais de sepultados no antigo cemitério do Campo da Pólvora, em sua maioria, pessoas escravizadas. No Ministério Público, juntamente com o professor da faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Samuel Vida, e a arqueóloga Jeanne Dias, assinamos, com a Santa Casa, um Termo de Cooperação Técnica”, detalhou Silvana.

A localização do cemitério, chamado “Cemitério do Campo da Pólvora”, foi identificada durante uma pesquisa de doutorado realizada por Olivieri no programa de pós-graduação da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufba. Por meio de comparações entre mapas antigos e fotos de satélite atuais, ela localizou o ponto exato do espaço, próximo à entrada da Pupileira. Registros históricos indicam que, além de escravizados, indígenas, membros da comunidade cigana e pessoas sem recursos financeiros eram sepultadas neste cemitério. O número de corpos enterrados na área ainda é desconhecido.

“Utilizei como fontes vários mapas e plantas de Salvador do século 18, além de escassas referências bibliográficas, especialmente artigos dos historiadores Braz do Amaral (1917) e Consuelo Pondé de Sena (1981), e um livro escrito em 1862 por Antônio Joaquim Damázio, contador da Santa Casa”, detalhou Silvana Olivieri.

 

Foto: Silvana Olivieiri Foto: Silvana Olivieiri


Cemitério de escravos – Pesquisa

Em um dossiê, Silvana Olivieri levantou que os primeiros registros do uso de banguês, uma espécie de maca para transportar cadáveres, pela Santa Casa de Misericórdia da Bahia, são de 1693. Para a pesquisadora, é possível que a instituição utilizasse esse instrumento para levar os corpos para sepultamento no cemitério do Campo da Pólvora.

Inicialmente, o cemitério foi administrado pela Câmara Municipal de Salvador e, em seguida, passou a ser de responsabilidade da Santa Casa de Misericórdia da Bahia. Registros históricos apontam 150 anos de atividade, até 1844, quando a instituição comprou e começou a operar o Cemitério Campo Santo, localizado no bairro da Federação.

 

Imagem: Foto: Silvana OlivieriImagem: Foto: Silvana Olivieri


Segundo o historiador João José Reis, inicialmente o cemitério funcionou sob jurisdição da Câmara Municipal. Várias posturas do começo do século XVIII mencionam que servia para o sepultamento de ‘negros pagãos’, escravizados que não foram batizados no catolicismo, frequentemente abandonados na porta das igrejas, em terrenos baldios, matas e praias. A Câmara se preocupava em enterrá-los apenas para não causarem ‘corrupção dos ares’ ou os ‘cães despedaçarem os corpos como se tem achado várias vezes’. Os sepultamentos desses africanos eram feitos pelos responsáveis da limpeza pública, equivalendo a ‘remoção de lixo’“, escreveu ela.

A descoberta foi apresentada à Santa Casa em setembro, durante reuniões que também contaram com a presença do Iphan, mas sem respostas concretas. Em dezembro, Silvana e Samuel Vida, recorreram ao MP-BA, que tem atuado como mediador. A primeira reunião com a presença de todas as partes ocorreu em 9 de janeiro, e, em 29 de janeiro, a Santa Casa também participou.

De acordo com os estudos de Silvana, entre as dezenas, talvez centenas de milhares de pessoas enterradas na região, estão líderes da Revolta dos Búzios e da Revolução Pernambucana, além de dezenas de participantes da Revolta dos Malês, todos tratados “com o maior desprezo e abandono possível”, como escreveu a pesquisadora.

“Os sepultamentos eram realizados em valas comuns e superficiais, geralmente em condições bastante precárias e indignas, sem nenhuma cerimônia religiosa ou rito fúnebre. Em maio de 1844, após ser desativado, o velho cemitério da Santa Casa, primeiro cemitério público de Salvador, sofreu um apagamento histórico, desaparecendo tanto da paisagem visível como da memória da cidade”. Cento e oitenta anos depois, poucas pessoas lembravam ou sabiam da sua existência”, finaliza a pesquisadora.

 

Foto: Silvana Olivieri Foto: Silvana Olivieri


Relato de Samuel Vida, sobre as iniciativas após a identificação do acervo cemiterial

Esta relevante iniciativa,  originada e impulsionada a partir da Universidade Federal da Bahia (UFBA), tem sido acompanhada e apoiada por organizações negras baianas. Trata-se da descoberta exata do local onde funcionou o cemitério dos africanos e demais párias, durante cerca de 150 anos, e pode ser o mais expressivo acervo cemiterial de pessoas negras escravizadas das Américas.

Este cemitério , desativado em maio de 1844, pode ter acolhido cerca de 100.000 pessoas negras mortas. Nele foram sepultados os líderes das Revoltas de Búzios e dos Malês, além de outras lideranças quilombolas e de insurreições negras. Esta descoberta da exata localização se apresentou na atividade de pesquisa de Silvana Olivieri, doutoranda da FAUFBA, e, a seu pedido, vem contando com o suporte do Programa Direito e Relações Raciais da Faculdade de Direito da UFBA, coordenado pelo professor, doutor, Samuel Vida, bem como do AGANJU – Afro Gabinete De Articulação Institucional e Jurídica, organização do movimento negro dedicada à luta pela defesa e promoção dos direitos das pessoas e comunidades negras.

Tivemos duas reuniões iniciais com diversas organizações negras (SPD, Fórum de Entidades Negras, Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, etc), além de lideranças religiosas das religiosidades de matrizes africanas, cristãos e islâmicos, para construirmos uma agenda política de resgate do direito à memória e reparação. Além da mobilização negra, provocamos o IPHAN, o MINC, a Fundação Cultural Palmares, o IPAC, a Fundação Gregório de Matos, o MPF e o MPE, além de outras instituições, e avançamos para uma prospecção confirmatória da localização. Destas instituições públicas, até o momento, apenas o IPHAN, o IPAC e o MPE, responderam ativamente e se incorporaram às iniciativas preliminares. Seguimos aguardando a movimentação das demais, e reiteraremos o convite para que se somem a esta iniciativa de extrema importância para as comunidades negras baianas, brasileiras e de toda a diáspora negra.

Brevemente, convidaremos todas as demais organizações negras a se incorporarem às atividades que serão desenvolvidas em torno desta importante agenda.

 

O que diz o MP-BA

O Ministério Público do Estado da Bahia promoveu nodia 26/03, assinatura do Termo de Cooperação Técnica que possibilita a realização de pesquisa arqueológica no Conjunto da Pupileira, local onde atualmente funciona o estacionamento da Santa Casa de Misericórdia da Bahia e, possivelmente abriga o que teria sido o primeiro cemitério público de Salvador. O coordenador do Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Nudephac) e o coordenador do Centro de Apoio às Promotorias de Meio Ambiente e Urbanismo, promotores de Justiça Alan Cedraz e Augusto Matos, e as promotoras de Justiça Luiza Gomes Amoedo, Cristina Seixas e Lívia Sant’Anna Vaz atuaram como mediadores do acordo realizado entre a Santa Casa de Misericórdia da Bahia e a arquiteta urbanista e pesquisadora Silvana Olivieri, a arqueóloga Jeanne Dias e o advogado e professor Samuel Vida.

O acordo, proposto pelo MPBA em Janeiro deste ano, tem vigência de 120 dias e estabelece como finalidade identificar, preservar, documentar e estudar vestígios materiais que possam ser encontrados sobre o primeiro cemitério público de Salvador. O Termo define o período de 3 a 10 dias para realização da pesquisa arqueológica, sendo que, sua execução deverá ter início somente após aprovação pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), mediante apresentação de um projeto de pesquisa devidamente pautado na portaria SPHAN 07/88, bem como após consulta e aprovação do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) tendo em vista que a Pupileira se encontra tombada no Livro do Tombo dos Bens Imóveis do Instituto.

 

Fonte: Samuel Vida, Aratu On e G1.

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