Por Estevam Silva
Há 49 anos, em 23 de janeiro de 1976, falecia Paul Robeson, ator, cantor, atleta e expoente da luta pelos direitos civis dos afro-americanos. Primeiro ator negro a interpretar Otelo na Broadway, Robeson encantaria as plateias internacionais com sua voz potente e aveludada.
Simpatizante do ideário socialista, ele travou uma luta incansável contra a segregação racial nos Estados Unidos — e se tornou um dos artistas mais perseguidos pelo governo norte-americano.
A juventude de Paul Robeson
Paul Robeson nasceu em Princeton, Nova Jersey, em 9 de abril de 1898. Era o caçula dos cinco filhos do reverendo William Robeson e da professora Maria Louisa Bustill. Seu pai nasceu escravizado em uma fazenda da Carolina do Norte, mas conseguiu fugir na adolescência.
Posteriormente, William serviu no Exército da União, combatendo os escravagistas durante a Guerra de Secessão. A mãe, falecida quando Robeson tinha apenas seis anos, descendia de uma proeminente família Quaker ativa na campanha abolicionista.
Apesar das dificuldades financeiras e do ambiente de severa discriminação racial, Robeson teve uma educação excepcional. Em 1915, conquistou uma bolsa de estudos do Rutgers College, tornando-se um dos primeiros negros a ingressar na instituição.
Durante a graduação, Robeson se dedicou à carreira esportiva, distinguindo-se como jogador de futebol americano. Destacou-se igualmente por seus talentos artísticos, atuando em peças de teatro e cantando em eventos acadêmicos. Eleito orador de sua turma, graduou-se em 1919, matriculando-se em seguida no curso de direito da Universidade de Nova York.
Incomodado com o ambiente racista da instituição, Robeson pediu transferência para a Universidade de Columbia já no ano seguinte. No mesmo período, começou a namorar com Eslanda Goode, sua futura esposa e mãe de seu único filho.
Em paralelo, prosseguiu com a carreira no futebol americano, jogando profissionalmente pelo Akron Pros e Milwaukee Badgers. Também trabalhou como assistente técnico e jogador de basquete.
A carreira nos palcos
Robeson se formou em direito em 1923, mas logo desistiu da profissão de advogado, desmotivado pelo racismo do meio jurídico e pelas atitudes discriminatórias de seus colegas. Lançou-se então na carreira artística, dedicando-se primeiramente ao teatro. Conseguiu o papel de protagonista em Todos os Filhos de Deus têm Asas e interpretou Brutus em Imperador Jones — ambas peças de Eugene O’Neil.
Seu enorme talento como ator impressionou as plateias e impulsionou sua ascensão no meio artístico, rendendo convites para atuar em várias outras peças, incluindo a ópera Porgy and Bess, de George Gershwin. Sua estreia no cinema ocorreu em 1925, no filme Corpo e Alma, de Oscar Micheaux.
A carreira musical teve início com a parceria firmada com o pianista Lawrence Brown. Robeson interpretou uma série de canções folk e “spirituals”, encantando o público com seu timbre grave e aveludado.
A fama de Robeson cruzou o Atlântico e o artista foi convidado a participar de uma montagem de Imperador Jones em Londres. Durante a temporada na Europa, Robeson atuou na opereta Show Boat, de Jerome Kern, peça pioneira dos musicais, destacando-se pela icônica interpretação da canção Ol’ Man River.
Em 1930, Robeson estreou nos palcos londrinos interpretando Otelo, clássico de William Shakespeare. O enorme sucesso da peça motivaria sua remontagem nos Estados Unidos anos depois e Robeson se tornaria o primeiro afro-americano a interpretar o papel na Broadway, junto a um elenco de coadjuvantes brancos.
O sucesso de Robeson, entretanto, não o manteve imune às manifestações racistas. Mesmo famoso, o artista tinha dificuldade em conseguir reservar vagas em hotéis durante suas turnês, por exemplo. A discriminação se agravou após sua participação na adaptação de Imperador Jones para o cinema. No filme, o personagem de Robeson mata um homem branco. Foi o suficiente para que a obra causasse indignação e fosse censurada pelo governo.
A viagem à União Soviética
Fomentadas pelo segregacionismo das Leis de Jim Crow, as tensões raciais nos Estados Unidos se agravaram enormemente após a Crise de 1929, quando se registrou um aumento exponencial da violência contra os negros. Reagindo à crescente discriminação, Robeson se engajou cada vez mais na luta antirracista e no ativismo em prol dos direitos dos afro-americanos.
Robeson aprendeu a língua suaíli e encorajou os negros a abraçaram sua ancestralidade. Sua postura assertiva o aproximou movimentos socialistas e anti-imperialistas. Em 1934, após um convite do cineasta Sergei Eisenstein, Robeson fez uma visita à União Soviética. A experiência o marcou profundamente. O artista se impressionou com a diferença de mentalidade dos cidadãos soviéticos em comparação aos norte-americanos, sobretudo em relação às questões raciais.
Enquanto os Estados Unidos insuflavam o ódio supremacista, a União Soviética estava então na vanguarda do combate ao racismo. A segregação étnica era proibida por lei e em 1936 o país se tornaria o primeiro do mundo a criminalizar a discriminação racial.
Apresentado como “o maior artista dos Estados Unidos”, Robeson foi calorosamente recepcionado pelos soviéticos e atraiu multidões aos seus shows. Comentando sobre a experiência, ele afirmaria mais tarde que foi somente na União Soviética que se sentiu “tratado com dignidade humana”.
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Paul Robeson retratado por Gordon Parks em junho de 1942
No discurso intitulado “O Povo Negro e a União Soviética”, Robeson confidenciou: “sinto que vou além de meus sentimentos pessoais e coloco meu dedo no verdadeiro cerne do que a União Soviética significa para mim, ou seja, para um negro que é norte-americano. A resposta é muito simples e muito clara: a própria existência da União Soviética, seu exemplo perante o mundo de abolir toda a discriminação de cor ou nacionalidade, sua luta em todos os cenários de conflitos mundiais por uma democracia verdadeira e pela paz, tudo isto deu a nós, negros, a chance de alcançar nossa completa libertação dentro de nosso próprio tempo, dentro desta geração”.
Robeson se encantou tanto pela União Soviética que gravou até mesmo uma versão em inglês do hino do país e uma série de canções folclóricas russas. Em 1936, ele matriculou seu filho em uma escola soviética, visando protegê-lo das atitudes racistas em sua terra natal.
A luta antifascista nos anos 40
Relutando em retornar aos Estados Unidos, viveu por um período no Reino Unido. De volta aos palcos, interpretou o líder da Revolução Haitiana na peça Toussaint Louverture, de C.L.R. James. No cinema, atuou em vários filmes — incluindo Magnólia – O Barco das Ilusões, de James Whale, um dos maiores sucessos de bilheteria da época, e A Canção da Liberdade, de James Elder Wills.
Na música, Robeson obteve enorme sucesso interpretando a cantata patriótica “Ballad for Americans”, composta por John Latouche e Earl Robinson. Também se manteve politicamente ativo, manifestando apoio à causa antifascista durante a Guerra Civil Espanhola e ao movimento em prol da independência indiana capitaneado por Jawaharlal Nehru.
Robeson retornou aos Estados Unidos após a eclosão da Segunda Guerra Mundial. O artista realizou shows para levantar fundos em prol do esforço de guerra contra os nazistas e gravou uma versão da “Marcha dos Voluntários” em apoio ao Exército Vermelho Chinês. Após o término do conflito, Robeson fundou a Cruzada Americana Contra os Linchamentos, visando pressionar o governo norte-americano a combater a violência contra os negros.
O artista foi uma das vozes mais ativas na luta pelos direitos dos afro-americanos durante os anos quarenta. Também se aproximou dos sindicalistas, em especial de Revels Cayton, dirigente do Partido Comunista dos Estados Unidos. As atividades políticas de Robeson alarmaram as autoridades nos Estados Unidos. Com o recrudescimento da retórica da “ameaça vermelha” durante a Guerra Fria e a ascensão do macarthismo, Robeson entrou na mira do governo.
Na mira da CIA e do FBI
O discurso de Robeson na Conferência de Paz de Paris de 1949, onde exortou os negros a se recusarem a lutar contra a União Soviética, foi o estopim. O artista foi intimado a se explicar no Comitê de Atividades Antiamericanas da Câmara e no Comitê do Judiciário do Senado.
Robeson se tornou alvo de uma inclemente campanha de demonização movida pela imprensa, que o rotulou de “traidor” e “antiamericano”. Também sofreu isolamento e boicote da comunidade artística e perdeu seus contratos com todas as gravadoras. Mais de 80 de suas apresentações foram canceladas.
Em Nova York, duas apresentações de Robeson foram atacadas por grupos racistas, enquanto a polícia se negava a intervir. O nome do artista foi incluso na chamada “lista negra de Hollywood”. Robeson teve seu passaporte retido e passou a ser monitorado permanentemente pela CIA e pelo FBI. Todas as suas músicas e filmes foram retirados de distribuição. Robeson também foi alvo de uma operação coordenada por J. Edgar Hoover, que distribuiu informações falsas para prejudicar a reputação do cantor.
Apesar da perseguição, Robeson manteve-se fiel aos seus ideais. Em 1950, em colaboração com W.E.B. Du Bois, o artista lançou o jornal “Freedom”, dedicado à defesa dos direitos dos afro-americanos. No ano seguinte, articulou uma petição direcionada à ONU onde pedia que o governo dos Estados Unidos fosse responsabilizado por genocídio, por se recusar a agir contra o linchamento de negros.
Em 1952, Robeson foi condecorado com o Prêmio Internacional Stalin, concedido por Moscou. Ao ser questionado por um congressista sobre o motivo pelo qual não mudava para a União Soviética, já que admirava tanto o país, respondeu de forma altiva: “Porque meu pai era um escravo e meu povo morreu para construir este país. E eu ficarei aqui e terei minha parte nessa nação, assim como você”.
Os últimos anos
Na década de 1960, Robeson enfrentou uma série de problemas de saúde. Conforme o relatado por seu filho, Paul Robeson Junior, o médico que o tratava nos Estados Unidos era vinculado ao Projeto MK-Ultra — programa secreto desenvolvido pela CIA que visava subjugar opositores através da administração de medicamentos psicoativos e técnicas de manipulação mental.
Robeson apresentou alterações de comportamento, colapsos mentais e uma severa depressão, que culminou em uma tentativa de suicídio. Após um colapso ocorrido durante uma viagem ao Reino Unido, o artista foi internado no Priory Hospital, onde ficou sob tutela de agentes do MI5 — serviço secreto britânico.
Ele foi diagnosticado como psicopata e forçado a se submeter a um tratamento com eletrochoque e altas doses de barbitúricos por dois anos, sem acompanhamento psicoterápico. Desconfiada do “tratamento”, a família do artista o transferiu para um hospital na Alemanha Oriental. Os médicos alemães classificaram a terapia aplicada em Londres como “absurda” e “clinicamente desnecessária.”
Após se recuperar parcialmente, Robeson retornou aos Estados Unidos, onde passou a viver recluso, na casa de seu filho em Nova York. Chegou a participar de algumas atividades elaboradas pelas correntes locais do movimento dos direitos civis, mas a saúde debilitada e sua discordância em relação à postura anticomunista de Bayard Rustin, então à frente das ações, desencorajaram um envolvimento mais efetivo.
Uma homenagem ao artista no Carnegie Hall foi organizada por ocasião de seu aniversário de 75 anos. Muito debilitado, Robeson não pôde comparecer, mas enviou uma mensagem gravada para agradecer ao público.
“Embora eu tenha sido impedido de atuar por muitos anos, quero que saibam que eu ainda sou o mesmo Paul, dedicado como sempre à causa global da humanidade, em prol de liberdade, paz e fraternidade”, afirmou.
Paul Robeson faleceu na Filadélfia, em 23 de janeiro de 1976, aos 77 anos de idade, vitimado por um derrame.
Fonte: Opera Mundi.