[Foto: Combatentes da Liberdade em manifestação na Cidade do Cabo, África do Sul]

 

A África do Sul, um país recém-democrático, teve um início eufórico com suas primeiras eleições livres em 27 de abril de 1994. O Congresso Nacional Africano (ANC), partido político de Mandela e o antigo movimento antiapartheid, chegou ao poder, acabando não apenas com o domínio da minoria branca, mas com séculos de mentalidade colonialista. Ele continua no poder até hoje.

[Foto/reprodução: Nelson e Winnie Mandela]

Entretanto, olhando para os últimos 30 anos, a avaliação geral sobre a situação da “nação arco-íris” de Mandela deixa a desejar. Em um país onde negros representam mais de 80% da população, três décadas após o fim do apartheid, país tem uma sociedade democrática, mas profundamente dividida. A economia está debilitada, a sociedade ainda está dividida em linhas raciais, e a população não se sente compreendida por seus políticos. O desemprego entre os jovens – que afeta quase a metade dos cidadãos com menos de 34 anos de idade – alimenta ainda mais a sensação de instabilidade social em vários estratos, reforçando os sentimentos xenófobos no país, que resultaram em dezenas de mortes no decorrer dos anos. Na África do Sul, até as universidades públicas são pagas. A diferença entre ricos e pobres continua a crescer, apesar de o ANC ter prometido combatê-la, quando assumiu o poder. A frustração em relação a esses sonhos destruídos é profunda.

 

O país, um dos maiores produtores mundiais de ouro e platina, recebe turistas do mundo inteiro em seus modernos aeroportos, mas, segundo o Banco Mundial, é um dos mais desiguais do planeta, com milhões de pessoas ainda vivendo abaixo da linha da pobreza.

 

Vítimas do apartheid sul-africano ainda lutam por reparação

 

No entanto, também houve algumas conquistas importantes. Fredson Guilengue, diretor de programas para o Sul da África da Fundação Rosa Luxemburgo, em Joanesburgo, enfatiza que o país pelo menos “conseguiu introduzir uma das Constituições mais progressistas do mundo, estabelecendo um Judiciário independente, uma imprensa livre, eleições livres e justas”.

 

Frustração política

 

O governista ANC tem sistematicamente perdido confiabilidade ao longo dos anos. Escândalos de corrupção e todas essas queixas sociais alimentam crescente decepção com o partido de libertação de Nelson Mandela. Nas próximas eleições, em 29 de maio – nas quais o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, estará concorrendo a um segundo mandato – o partido pode ficar pela primeira vez abaixo de 50% de maioria, forçando-o a entrar em um acordo com um parceiro da oposição.

 

Justamente das fileiras do CNA saíram outros dois atores que hoje estão na oposição e podem ser decisivos em uma eventual aliança no caso de não haver maioria na Assembleia. Líder do ultraesquerdista Combatentes da Liberdade Econômica (CLE), o controverso Julius Malema comandou a ala jovem do CNA e defende expropriar terras sem indenização e nacionalizar todo o setor de mineração. Com a terceira maior bancada legislativa, o CLE tenderia a se aliar à sigla governista, mas não se sabe a que custo político.

 

A questão da terra na África do Sul remonta a mais de um século à Lei da Terra dos Nativos de 1913, que fez com que milhares de famílias negras fossem removidas à força de suas terras. Isso marcou o início dos desafios socioeconômicos que o país enfrenta hoje, como a falta de terra, a pobreza e a desigualdade, segundo o governo.

 

Uma auditoria de terras de 2017 realizada pelo governo da África do Sul revelou que os brancos possuem 72 por cento do total de fazendas de propriedade de indivíduos. Pessoas negras e de cor possuem 4 e 15 por cento, respectivamente, enquanto os indígenas possuem 5 por cento.

 

O outro personagem é o ex-presidente Jacob Zuma, um nome histórico do CNA, que renunciou à Presidência em 2018, pressionado por correligionários em meio a acusações de corrupção. Ele hoje é líder do novato Lança da Nação do zulu uMkhonto weSizwe (MK), com 8,4% das intenções de voto.

 

De acordo com o analista econômico Daniel Silke, há profunda decepção com a aparente incapacidade do principal partido de libertação de gerir o país. Para ele, o ANC parece “incapaz de manter os padrões éticos estabelecidos por Nelson Mandela em particular”: “Os esforços para unir o povo numa só nação, que eram realmente palpáveis nos primeiros anos de Mandela, se evaporaram.”

 

As principais forças políticas da África do Sul:

 

Congresso Nacional Africano (CNA)

 

Líder: Cyril Ramaphosa (presidente da África do Sul)

 

Nascido de um movimento contra o apartheid, é o partido dominante e governa o país desde 1994 como principal representante da maioria negra; vive desgaste por cisões internas e denúncias de corrupção.

 

Aliança Democrática (AD)

 

Líder: John Steenhuisen

 

Maior partido de oposição, tem plataforma liberal, e sua base é formada principalmente pela minoria branca; propõe uma coalizão com outras siglas para governar caso o CNA não consiga mais de 50% do Parlamento.

 

Combatentes da Liberdade Econômica (CLE)

 

Líder: Julius Malema

 

Partido de esquerda radical, cujas propostas incluem expropriação de terras sem indenização e estatização do setor de mineração; embora de oposição, poderia aliar-se ao CNA se este não vencer a eleição com maioria.

 

Lança da Nação (MK)

 

Líder: Jacob Zuma

 

Criado no fim do ano passado, o partido populista de esquerda foi batizado com o nome do antigo braço armado do CNA à época do apartheid; o ex-presidente Zuma é o grande capital político em sua 1ª eleição geral

 

Pacificadora internacional

 

Além de suas muitas questões domésticas, a África do Sul quer se posicionar como defensora contra a opressão em nível global, especialmente depois de sua experiência de décadas de apartheid.No fim de dezembro de 2023, a África do Sul acusou Israel de violar tratados internacionais – principalmente a Convenção de Genocídio das Nações Unidas – durante a guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza, defendendo seu caso na Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia.

 

Guilengue acredita que, apesar dos muitos problemas, a África do Sul fez progressos no cenário da diplomacia global, entendendo que as parcerias tradicionais da África com o Ocidente, construídas com base em séculos de colonialismo, não eram equilibradas, além de não atender aos melhores interesses do país, e portanto precisavam mudar.

 

“Por esse motivo, a África do Sul está pressionando por reformas no Conselho de Segurança da ONU e é membro do bloco Brics, que afirma lutar por regras justas e parcerias econômicas. Talvez vejamos uma África do Sul mais ativa no futuro, tanto na África quanto no mundo todo”, torce o especialista.

 

Fonte: Deutsche Welle Brasil | Fotos/reprodução: Combatentes da Liberdade e Nelson e Winnie Mandela.

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