ARTIGOS & PUBLICAÇÕES

PARADIGMA AMBIENTAL

Ronaldo Oliveira
Marcos Mendes

 

Crise Humanitária e Crise Ecológica: Faces de Uma Mesma Crise Civilizatória

A nossa civilização moderna, cuja matriz filosófica cartesiana separou homem e natureza, alicerçou a Revolução industrial, quando o “capitalismo inaugurou uma nova relação da sociedade com o seu-outro, a natureza”, e tem como reflexo uma radicalização na expropriação de imensos contingentes populacionais, aliada ao desastre ecológico que sofre nosso planeta.

Ataques irresponsáveis contra a natureza sempre ocorreram, mas, a partir desse momento histórico, e com o desenvolvimento industrial das últimas décadas, tornaram-se globais, ninguém mais está abrigado, e tendem a ser irreversíveis, a exemplo dos adubos químicos nos lençóis freáticos e dos resíduos nucleares.

Toda economia mercantil prepondera o valor de troca sobre o valor de uso. No capitalismo o último vira mero suporte do primeiro. É sonho americano de consumo. A natureza e o trabalho, fontes do valor de uso, tiveram que se submeter aos efeitos dessa lógica: “só resta valor de troca”, produto do trabalho humano, logo, o capitalismo é indiferente quanto à natureza, até que lhe aplique o trabalho. A natureza é fragmentada, pois somente assim pode ser negociada.

O projeto é de dominação da natureza, entretanto este implica o trabalho, e “aqui se imiscui sorrateiramente uma outra dicotomia do pensamento ocidental que valoriza o trabalho intelectual em face do braçal”. A dominação se inicia por “submeter a natureza do homem que trabalha sob os ditames do aumento da produtividade”. O poder de acesso e de decisão sobre a natureza não é distribuído igualitariamente. É a propriedade privada que garante a uns esse maior direito.

A crise ambiental, que tem como conseqüências novas privações e penúrias para a imensa maioria da humanidade, é retratada pelo enfraquecimento dos recursos naturais, através da sua poluição e diminuição da biodiversidade, provocando rupturas no equilíbrio ecológico global, e deve ser tomada como um desafio de toda a sociedade.

A exploração desenfreada da força de trabalho é uma necessidade do gigantismo produtivista, que impõe o desastre ecológico.

 

Gestão Ambiental: da Origem à Solução da Desigualdade Entre os Humanos

Em seu discurso sobre a desigualdade dos homens, J. J. Rousseau já afirmava que ela se deu a partir de um ato de gestão ambiental: quando o primeiro homem cercou um pedaço de terra, disse que era seu e houve idiotas suficientes que acreditassem nele.

Por conta de serem limitadas, as buscas pelo direito ao uso dos recursos naturais – elemento que, assim como Trabalho, é essencial ao processo produtivo – tem levado a conflitos importantes, especialmente a posse dos meios de produção.

A crise ecológica porque passamos revela que do ângulo das relações com a natureza o grau de democracia é zero. É um momento de total desinformação, no qual os tecnocratas assumem com exclusividade o poder das decisões. Ela nos coloca diante de uma exigência inevitável “colocar a ecologia na política”. É imperioso rever o processo histórico de gestão ambiental, apontando para efetiva democratização, quando o poder de instituir finalidades e regras será coletivamente dividido.

Com o paradigma científico moderno a dicotomia entre ciência e filosofia tornou-se hegemônica e a ciência passou a ser vista como algo universal, não mais histórica, e, por isso, tornou-se autônoma de qualquer controle democrático.

A especialização desenfreada levou a um reducionismo e a um distanciamento ainda maior da complexidade que a realidade, notadamente a questão ambiental, teima em nos impor. É o caso do desvelamento do “mito da natureza intocada” que corrobora para a busca de uma solução negociada no âmbito da política, da gestão ambiental. Eis que a Ecologia pode vir a ser o elo perdido entre ciência e filosofia, pois é impossível se falar nela sem referir-se à economia e à política, por exemplo.

 

Apostar na Sociedade Sustentável

A crise ecológica questiona o funcionamento social em sua totalidade, como gerir o patrimônio comum a toda humanidade, o modo de produção e de consumo, suas ciências, enfim, seu modo de vida. O produtivismo e, em conseqüência, o consumismo deve ser o ponto forte da crítica ecológica.

Não podemos aceitar o discurso de que “os homens” estão destruindo a natureza, pois assim estaríamos ignorando as relações sociais construídas historicamente, nas quais somente alguns decidem sobre o uso dos recursos naturais e somente cerca de 30% da humanidade participa deste banquete.

A solução não supõe uma ação específica, limitada, setorial, mas uma política no sentido mais amplo do termo: um pensamento e uma ação visando reorientar inteiramente as sociedades contemporâneas, uma renovação radical da política, uma reformulação global da sociedade.

Não há como desvincular o social do ambiental, “socioambietal se escreve junto”. “A miséria, a fome e a injustiça não são frutos do caráter ainda parcial e incompleto da marcha do progresso, mas seus produtos necessários”.

É uma luta contra o pensamento fundante da modernidade que só vê uma natureza não-humana e um homem não-natural. É uma construção efetiva do pós-moderno.

 

Biomassa: democratizar a produção e distribuição energética de forma limpa e soberana

A matriz energética fundada no petróleo e nas grande hidrelétricas é parte dessa crise. Além do acesso limitado, pois somente grandes empresas possuem condições para participar do processo, traz imensos problemas ecológicos.

O Brasil é a maior potência em energia limpa e renovável do planeta, sendo o sol seu grande reator nuclear. A energia oriunda da biomassa traria não somente a auto-suficiência energética, como contribuiria para a distribuição de renda e poder, pois possibilita que pequenos produtores associados tenham sua usina, a ser alimentada por produtos da própria região (p.ex. mamona, babaçu, colza etc.)

Seria o motor da reforma agrária e do êxodo urbano, a independência frente à máfia do petróleo e a reafirmação da soberania dos povos dos trópicos. Somente do dendê a ser produzido na Amazônia teríamos produção semelhante à da Arábia Saudita em petróleo.

Energia limpa, democrática e soberana, que, de quebra, resguardaria nossas reservas desse também precioso bem natural, o petróleo.

 

Bibliografia

  • Gonçalves, Carlos Walter P. Um pouco de filosofia no meio ambiente. in Pensando E Praticando A Educação Ambiental Na Gestão Do Meio Ambiente. José Silva Quintas (org). Ed. IBAMA.
  • Bihr, Alan Da grande noite à Alternativa. Boitempo.
  • ISA Amansa Brasil. Disponível em socioambiental.org.br.
  • Bautista Vidal, J. W. e Vasconcelos, G. F.. O poder dos trópicos. Ed. Casa Amarela.