Por Amy Goodman e Juan González
”Temos garantir que Trump transfira o poder pacificamente”.
No momento em que a juíza de direita Amy Coney Barrett foi empossada como a nona juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos, apenas 30 dias após o presidente Trump anunciar sua nomeação e oito dias antes da eleição de 3 de novembro, falamos com a cofundadora do movimento Black Lives Matter, Alicia Garza, que diz que a confirmação apressada mostra que a Suprema Corte “não é um órgão neutro… é, sim, incrivelmente político”.
A confirmação de Barrett para substituir a juíza Ruth Bader Ginsburg, apenas seis semanas após sua morte, sela a maioria conservadora de 6-3 do tribunal potencialmente para as próximas décadas e pode ter consequências importantes para os direitos reprodutivos, direitos civis, proteção ambiental, a Affordable Care Act e a eleição presidencial de 2020.
“É preocupante que Amy Coney Barrett tenha sido confirmada ontem, especialmente devido à sua total falta de qualificações para o papel, mas também considerando suas visões extremas sobre tudo, desde justiça reprodutiva e direitos reprodutivos até direitos civis e racismo”, disse Garza, a diretora do Black Futures Lab e cofundadors da Supermajority.
Amy Goodman: A juíza conservadora Amy Coney Barrett foi empossada como a nona justiça da Suprema Corte dos Estados Unidos na noite de segunda-feira (26), apenas 30 dias após o presidente Trump anunciar sua nomeação e oito dias antes do dia da eleição de 3 de novembro, quando dezenas de milhões de pessoas já lançaram seus votos nesta temporada eleitoral.
A confirmação de Barrett para substituir a juíza Ruth Bader Ginsburg, apenas seis semanas após sua morte, sela a maioria conservadora de 6 a 3 do tribunal, potencialmente para as próximas décadas. Ela é a terceira juíza nomeada pelo presidente Trump para o tribunal. O Senado controlado pelos republicanos a confirmou por uma votação de 52 a 48, em linha com os partidos, a senadora do Maine, Susan Collins, foi a única republicana que votou contra ela. Nenhum democrata a apoiou. O juiz da Suprema Corte, Clarence Thomas, conduziu o juramento de Barrett, na noite de segunda-feira, em uma cerimônia na Casa Branca.
Amy Coney Barrett: O juramento que fiz solenemente esta noite significa, em sua essência, que farei meu trabalho sem nenhum medo ou favorecimento, e que o farei independentemente dos ramos políticos e de minhas próprias preferências.
Amy Goodman: Barrett foi empossada poucas horas depois que a maioria conservadora da Suprema Corte decidiu que o estado de Wisconsin não poderia estender o prazo de votação pelo correio. Ela se juntará aos juízes na decisão de outros casos importantes de direito de voto nos próximos dias, incluindo esforços democratas para estender o prazo para contagem de votos por correio na Carolina do Norte e Pensilvânia.
No final desta semana, a Suprema Corte também vai considerar se vai ouvir um caso de aborto importante no Mississippi que pode colocar em questão a decisão do processo Roe contra Wade [marco da legislação sobre aborto no país]. E o tribunal deve ouvir os argumentos em um caso que pode derrubar a lei que instituiu subsídios para saúde para pessoas em dificuldades econômica, a Affordable Care Act, em 10 de novembro, uma semana após o dia da eleição.
Para saber mais sobre as consequências da confirmação de Amy Coney Barrett e muito mais, vamos para Bay Area, na Califórnia, onde estamos acompanhados por Alicia Garza, diretora do Black Futures Lab, que ela cofundou para ajudar a conferir maior poder político às comunidades negras. Ela também é cofundadora da Supermajority junto com Ai-jen Poo da Domestic Workers Alliance e Cecile Richards, ex-chefe da Planned Parenthood.
Alicia Garza é também cofundadora da Rede Global Black Lives Matter. Seu novo livro acabou de sair. Chama-se “The Purpose of Power: How We Come Together When We Fall Apart” [O Propósito do Poder: como nos juntamos quando nos desmantelarmos].
Bem-vinda de volta ao Democracy Now!, Elie. É uma honra ter você conosco.
Alicia Garza: Obrigada por me receber.
Amy Goodman: Por que não começamos com o que aconteceu ontem à noite? O presidente Trump nomeou Amy Coney Barrett antes que Ruth Bader Ginsburg fosse enterrada. Ela foi confirmada, pelo Senado dos Estado Unidos, a apenas oito dias da eleição. Em 2016, a maioria republicana no Senado se recusou, quando ainda faltavam oito meses para a eleição, a sequer ter uma audiência com o escolhido do presidente Obama para a Suprema Corte, juiz Merrick Garland, alegando que estava perto demais da eleição – oito dias contra oito meses. Se você puder comentar, Alicia, sobre o significado das opiniões da juíza Amy Coney Barrett sobre tudo, desde direitos reprodutivos a questões LGBTQ e além?
Alicia Garza: Com certeza. Bem, em primeiro lugar, é tão bom estar aqui com você, Amy. Bom dia.
Esta confirmação tem consequências graves. Acho que o que estamos vendo é que a Suprema Corte não é, na verdade, um órgão neutro, é, sim, incrivelmente político. E a pressa que você falou, por parte do presidente Trump e dos republicanos do Senado, realmente tem tudo a ver com o fato de que eles estão seguindo adiante com a agenda que vêm construindo há mais de 30 anos, mas também estão preocupados que, depois das próximas eleições, não terão a oportunidade de continuar a exercer o poder da maneira como têm feito. Com certeza, entendo que estamos vendo as duas coisas colidirem aqui.
É preocupante que Amy Coney Barrett tenha sido confirmada ontem, especialmente por sua total falta de qualificações para o papel, mas também considerando suas visões radicais sobre tudo, desde justiça reprodutiva e direitos reprodutivos até direitos civis e racismo. Ela declarou, na frente de Clarence Thomas, que sabemos tem um longo histórico de negar coisas que existem neste país, incluindo o racismo… mas ela declarou, na frente do país, que iria liderar um forma imparcial e independente de ambas os partidos. Mas acho que, de forma alguma, devemos deixar que isso nos conforte.
O que estamos vendo aqui é uma indicação, não apenas em direção a uma maioria conservadora na Suprema Corte, mas uma maioria conservadora com opiniões extremistas. Devemos nos preocupar, porque o impacto é que esses juízes estarão neste tribunal pelo resto da vida. Assim, não importa quais sejam as mudanças no governo, essa maioria conservadora extrema vai continuar existindo na Corte, a menos, é claro, que haja um desfecho favorável neste ciclo eleitoral que se aproxima. O que realmente entendo por desfecho favorável seria a tomada da maioria no Senado pelos democratas, a manutenção do controle da Câmara e, é claro, a mudança do equilíbrio de poder na Casa Branca em favor dos democratas. É uma grande montanha que temos para escalar, mas veremos o que acontece nas próximas semanas.
Juan González: Mas, Alicia Garza, como você mencionou, a natureza conservadora radical do tribunal agora, não importa o que aconteça na eleição, ainda haverá aquela composição depois. Como uma ativista, que passou décadas organizando comunidades locais, vê seu papel após a eleição em termos de ajudar as pessoas a se organizarem para lidar com um tribunal hostil?
Alicia Garza: Bem, é importante entendermos que a composição, ou pelo menos o tamanho deste tribunal, não é realmente determinado por nenhuma regra. Então, como uma ativista, o que eu gosto de dizer é que sempre há movimentos de xadrez a serem feitos, mas você tem que construir o nível de poder necessário para realizar esses movimentos. É exatamente isso que eu diria para as pessoas que estão assistindo e ouvindo hoje.
Estamos a apenas uma semana de um dos ciclos eleitorais mais importantes em uma geração. E eu acho importante entendermos que as eleições são uma oportunidade de realmente demonstrarmos nosso poder. É uma oportunidade de demonstrar quem conseguimos trazer para o nosso lado. É uma oportunidade de demonstrar que conquistamos corações e mentes, que tipos de coalizões e alianças construímos, para tornar o movimento mais amplo possível.
No entanto, votação e eleições não são o fim de tudo. A organização é importante antes, durante e depois dos ciclos eleitorais. E então, certamente, eu sei pela minha equipe do Black to the Future Action Fund, temos conversado muito sobre o que acontece entre os ciclos eleitorais, o que acontece independentemente do que esteja acontecendo na Casa Branca. E o que fazemos é treinar líderes locais para serem capazes de mudar as regras em cidades e estados.
Eu acho que isso é democracia de verdade. É colocar mais poder nas mãos de mais pessoas. E para que possamos fazer isso, não apenas temos que nos organizar, mas realmente temos que fechar a lacuna entre o modo como o governo funciona e como as pessoas participam dele e em que participam. Francamente, temos uma oportunidade sem precedentes de transformar os rumos deste país, mas isso não vai acontecer da noite para o dia. Isso não vai acontecer no dia 3 de novembro. Mas acontecerá com uma estratégia clara e uma orientação de que nosso mandato a partir de agora é somar e multiplicar, em vez de subtrair e dividir.
Juan González: Bem, e falando sobre as próximas eleições, aparentemente cerca de 50 milhões de pessoas já votaram. Isso quer dizer que já votaram cerca de 40% daqueles que participaram da eleição de 2016, e ainda estamos a vários dias do próprio dia da eleição. Estou me perguntando o que você acha… todos estão prevendo um nível de comparecimento possivelmente histórico, mas a questão é: quem vai comparecer à votação? Será que… porque há tão poucas pessoas indecisas agora, a questão é: será que cada lado… qual será a capacidade de cada lado para mobilizar sua base de eleitores? Qual é a sua percepção agora do entusiasmo ou falta de entusiasmo dentro da comunidade afro-americana e latina em termos desta eleição quando se trata de Biden ou Trump?
Alicia Garza: Eu acho que é uma questão importante, e quero começar dizendo que, com certeza, todas as previsões dizem que esta será a eleição de maior comparecimento da história neste país. E acho que isso diz algumas coisas.
O que estamos vendo nas comunidades negras e Latinx é que as pessoas estão sendo estimuladas e motivadas. E não é por causa do que está acontecendo neste minuto. É porque nossas comunidades têm sido organizadas nos últimos quatro anos ou mais, e nossas comunidades têm se engajado nos últimos quatro anos ou mais. Essas são lições que considero importantes para os partidos políticos realmente investirem. As organizações comunitárias de confiança realmente assumiram a maior parte do trabalho para garantir que nossas comunidades saibam o que está em jogo, que saibam como proteger seu voto e que entendam que o trabalho real acontece no dia 4 de novembro.
Dito isso, também acho importante dizer que o resultado aqui não está garantido. E não é garantido porque não se trata apenas do comparecimento à eleição. Não se trata apenas de pessoas votando. Certamente, trata-se também de garantir que esse presidente realize uma transferência pacífica de poder e também sustente a integridade da própria eleição. Já ouvimos desse presidente que ele não tem planos de fazer isso. Portanto, é importante também que todos os que estão votando façam um plano para proteger seu voto e um plano para proteger seu direito de voto.
Direi que quem está comparecendo às urnas são negros, latinos e mulheres. As mulheres são um círculo eleitoral incrível que está surgindo, eu acho, em todo o país, particularmente nas comunidades do Sul. Estamos vendo filas de três, quatro, cinco e seis horas. Eu não sei quanto a você, Juan, mas eu não fico em lugar nenhum por seis horas, a menos que realmente queira ter certeza de que vou conseguir o que preciso. Então, acho que o que estamos vendo aqui é que, por causa desses esforços de supressão de eleitores, em que o voto não foi protegido e expandido – certo? – estamos vendo essas longas filas, mas eu acho que, mesmo dentro desse cenário, é importante entendermos que existe um compromisso real que as pessoas estão demonstrando para que suas vozes sejam ouvidas.
E, por último, direi apenas que uma das coisas que considero tão, tão importante neste próximo ciclo é que comecemos a pensar sobre o que acontece a seguir. Honesta e verdadeiramente, acho que o que acontece em 3 de novembro é apenas o início de um ciclo ao qual todos nós devemos continuar prestando atenção. Tenho dito às pessoas, sabe, não esperem ter os resultados das eleições no dia da eleição, por causa do afluxo de votação por correspondência, mas também por causa de algumas das maquinações que este governo em particular tem tentado encenar e administrar. Pode levar alguns dias ou mesmo algumas semanas antes de realmente entendermos o que está acontecendo aqui. Por isso, é importante que as pessoas fiquem vigilantes, não se afastem ou se desmobilizem, mas garantam que acompanharemos isso pelo percurso todo, até o fim.
*Publicado originalmente em ‘Democracy Now!‘ | Tradução de César Locatelli, Carta Maior.