Por Gabriel Medina
O reconhecimento da juventude como sujeito de direito é recente na história do país, com a inclusão do termo “jovem” na Constituição Brasileira em 2010.
Hoje no Brasil temos aproximadamente 47 milhões de jovens entre 15 a 29 anos, o que representa quase um quarto da população. A maioria dos jovens vive nas regiões Sudeste e Nordeste, sendo que 85% vivem em áreas urbanas e apenas 15% em áreas rurais.
Nas discussões realizadas sobre esse público, que se fortaleceram no início deste século, é comum que se use a expressão juventudes, no plural, para considerar as distintas características regionais do país e as diferentes formas de experimentação desta fase por questões relacionadas à raça e etnia, gênero, orientação sexual, condição social, pessoa com deficiência, fatores estes importantes para pensar políticas públicas adequadas e contextualizadas.
Ao olharmos para a educação, um dado que chama atenção é a baixa presença dos jovens no Ensino Superior, 3 em cada 4 jovens não acessam a graduação segundo Censo de 2022. Ainda na educação básica, mais de 500 mil jovens abandonaram o Ensino Médio e a taxa cresceu de 2,3% em 2020 para 5,6% em 2021.
O Brasil apresenta um quadro alarmante quando tratamos do tema da violência. Segundo o Atlas da Violência de 2021, a violência é a principal causa de morte dos jovens, com 66 jovens assassinados por dia. Em 2020, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes de jovens negros foi de 51, quase quatro vezes maior do que a de jovens não negros, que foi de 14,61.
Analisando a presença da juventude no mercado de trabalho é possível perceber que são estes os mais atingidos pelo desemprego, informalidade e precarização. No segundo trimestre de 2024, a taxa de desemprego entre os jovens de 18 a 24 anos no Brasil foi de 18%. Isso é mais do que o dobro da média nacional.
Para além do desemprego, outra taxa que demanda atenção é o percentual de jovens que estão fora da escola e do trabalho, os chamados “nem-nem”. Dados do Boletim do Dieese do 1º trimestre de 2024, mostram que 9,8 milhões de jovens, de 15 a 29 anos, estavam nessa situação. Contudo, ao olhar mais a fundo os dados, o Boletim demonstra que a maioria desse universo está procurando trabalho, realizando afazeres domésticos ou realizando cursos não regulares. Apenas 7% desse público não estavam envolvidos nessas atividades, que mostra que o mais adequado é nomeá-los como “sem-sem” e não “nem-nem”.
Os dados e políticas evidenciados demonstram a necessidade de uma estratégia nacional de interrupção do ciclo da pobreza, que deve ter os jovens, consideradas as diversidades de realidades, como principal público
O reconhecimento da juventude como sujeito de direito é recente na história do país, com a inclusão do termo “jovem” na Constituição Brasileira em 2010, o Brasil considerou esse universo como um público específico e prioritário na organização de políticas públicas e em 2013 aprovou o Estatuto da Juventude, uma carta que assegura direitos em diferentes dimensões da vida do jovem. Ainda que esse reconhecimento tenha acontecido, a juventude não foi uma prioridade da agenda dos governos.
Os entraves da institucionalização das políticas de juventude têm relação com o fato que logo após sua aprovação o país passou por um período de crise econômica e instabilidade política, com retração do braço estatal e desmonte de direitos a partir de 2014.
Os dados e políticas evidenciados demonstram a necessidade de uma estratégia nacional de interrupção do ciclo da pobreza, que deve ter os jovens, consideradas as diversidades de realidades, como principal público. Para isso, é preciso fortalecer as políticas de inclusão produtiva, elevando a renda dos mais jovens e evitando que precisem ingressar em programas de transferência de renda como o Bolsa Família. Esse caminho só pode ser sustentado em um projeto de desenvolvimento sustentável do país, com investimento em ciência, tecnologia e inovação.
Entretanto, ainda que a focalização das políticas seja uma estratégia necessária, não podemos deixar de apostar em políticas mais abrangentes para atender setores que não compõem o campo da extrema pobreza. Falta ao governo atual conseguir dialogar com camadas mais amplas da sociedade, como os jovens de classe média, que estão enfrentando dificuldades para ver seus sonhos realizados e conquistar empregos nas áreas de suas formações.
Para responder aos anseios dos jovens é importante entender que há uma mudança profunda no sentido que tem o trabalho. A precarização e longas jornadas vivenciada pelos jovens no mercado de trabalho tem gerado novas reivindicações como demanda por mais espaço de descanso e lazer, que deveria ser uma conquista da sociedade com o desenvolvimento tecnológico, como expresso no recente movimento do fim da escala 6×1 do movimento VAT (Vida para Além do Trabalho) .
As juventudes têm questionado as formas tradicionais de contratação, vistas com alto grau de subordinação e pouco flexíveis, como os contratados via CLT. Entretanto, a sedução por uma jornada empreendedora esconde riscos e superexploração do trabalho, como visto nos trabalhos por meio de plataformas digitais.
Não podemos negar que existe um crescimento do individualismo, do estranhamento ao diferente, que não partem exatamente dos jovens, mas dos movimentos da sociedade capitalista que eles reproduzem. A internet está repleta de “influencers” ostentando, “coachs” que misturam pirâmide financeira com messianismo religioso, com a ideia de que é possível se dar bem empreendendo e sendo famoso na internet. Esse processo tem provocado altos indicadores de adoecimento psíquico, endividamento com as “Bets” e culturas extremistas convocando jovens a atacar escolas.
Desafios como esses demonstram ainda mais a importância de políticas públicas para os jovens, que vão desde ações efetivas de promoção da transição segura da escola para o mundo do trabalho à ampliação de possibilidades de experimentação da cidade, com políticas de esporte, lazer e cultura. É essencial que os jovens possam usufruir do tempo livre, com atividades que possam promover seu bem-estar e, sobretudo, que possam construir uma geração preocupada com a coletividade e ativa na construção de um país democrático, justo e sustentável.
Gabriel Medina é psicólogo, mestrando em ciências humanas e sociais pela UFABC, ex-secretário nacional de juventude e presidente do Conselho Nacional de Juventude. Consultor do Centro de Referência em Inteligência Estratégica da Coppe/UFRJ.
Fonte: Nexo.