Por Matheus Pichonelli

‘Tudo agora é opressão?’: autor responde a perguntas comuns sobre racismo.

É ofensivo chamar alguém de “preto” ou “afrodescendente”? Qual a expressão correta? Como é possível se livrar do preconceito implícito? O que é privilégio branco? Usar um estilo de roupa ou penteado de pessoas negras é apropriação cultural? Existe racismo reverso? Tudo agora é opressão? Por que vocês não obedecem a polícia?

Emmanuel Acho, ex-jogador de futebol americano e atual comentarista da Fox Sport, tem recebido perguntas desse tipo por e-mail desde que lançou, em junho de 2020, uma websérie para falar sobre racismo no YouTube. Os EUA viviam o auge das manifestações pela morte de George Floyd por um policial branco, em Minneapolis.

Impulsionada por Oprah Winfrey, que se encantou com a ideia, a websérie atingiu 17 milhões de visualizações e, hoje, possui 500 mil inscritos. Lançado poucos meses depois pela “An Oprah Book” — selo da editora Flatiron — o livro que reuniu as perguntas e respostas recebidas pelo ex-atleta se tornou best-seller instantâneo, com mais de 100 mil exemplares vendidos em apenas três meses.

“Conversas desconfortáveis com um homem negro” acaba de chegar ao país pela editora Leya, com tradução de Marina Vargas. Nele, o ex-atleta convida o leitor a puxar uma cadeira e se sentar à mesa para uma conversa. Uma conversa dura, como o próprio título avisa.

Acho é um filho de imigrantes nigerianos que cresceu em um bairro de classe média alta, majoritariamente branco, no subúrbio de Dallas, no Texas (EUA). Lá, ele conta, o racismo nunca era explícito. O futuro atleta ouvia dos amigos da escola que ele não parecia, não falava nem se vestia como um negro. “Você é como um Oreo: preto por fora, branco por dentro”, costumavam dizer os amigos, aparentemente tentando dar moral ao colega.

Por causa de frases assim, o autor passou a sofrer uma espécie de complexo de identidade. Ele se perguntava se os amigos tinham mesmo razão e se questionava se era “negro o suficiente”. Ele demonstrava gratidão por quem dizia que ele parecia inteligente, ao mesmo tempo em que se indagava: será que eles queriam dizer que negros, em geral, não podem ser inteligentes?

Foi só na faculdade, quando começou a conviver com outras pessoas negras, que o futuro jogador do Cleveland Browns finalmente entendeu o que significava ser negro nos Estados Unidos. Isso significou para ele entender também que a infância havia dado uma impressão errada sobre ele mesmo. “Eu tinha sido exposto aos mesmos estereótipos sobre os negros que as crianças brancas ao meu redor, e não fiquei imune”, relata, no prefácio do livro.

Acho descreve o racismo na pandemia mais duradoura do planeta. Ele se escora na invenção da vacina contra a covid-19 para vislumbrar um possível imunizante contra o vírus da opressão. Essa imunização passa por uma conversa franca a que ele se propõe no livro. Daí a importância das perguntas que, em público, os mensageiros brancos provavelmente teriam vergonha de fazer.

Para o autor, “a única pergunta idiota é a pergunta não feita”. Por isso, ele agradece os emissários. “De onde quer que as perguntas tenham vindo, elas mostram que as pessoas que as fizeram tinham o intuito de aprender”, escreve.

Na última semana, um esquete do coletivo Porta dos Fundos com o título “Sudestino” virou hit ao mudar a perspectiva de quem costuma fazer comentários mais absurdos a pessoas do Nordeste. Comentários que reforçam estigmas e expõe a ignorância de quem os manifesta, mesmo em supostos elogios — como Emmanuel Acho ouvia na escola.

Não teve “sudestino” do Espírito Santo para baixo que não tenha se identificado com o trote. Se a distância regional provocou desconforto ou constrangimento, as feridas ainda abertas da escravidão e do preconceito elevam a sensação a uma outra dimensão.

Enquanto escrevia, Acho dizia saber que seus leitores não seriam racistas de primeiro grau, daqueles que defendem teorias supremacistas, idolatram líderes preconceituosos ou usam capuz branco. Nem por isso o leitor estaria imune ao “espectro que compreende uma pessoa um pouco insensível ou ignorante a respeito das questões raciais” nem possua “ideias negativas profundamente arraigadas sobre pessoas de outras raças e etnias”.

Sim, é desconfortável ler isso, admite o autor, que não tergiversa: o desconforto está apenas começando.

Falar sobre racismo, afinal, é falar sobre escravidão, privilégio e conivência.

Bora puxar essa cadeira?

 

Fonte: TAB UOL.

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