Por Marcelo Manzano, Pietro Borsari, Ezequiela Scapini e José Dari Krein
Pesquisadores do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) do Instituto de Economia da Unicamp, publicaram no dia 25 de novembro, na Folha de São Paulo, o artigo “Fim da escala 6×1: viável para a economia, urgente para a sociedade”.
O texto aborda a viabilidade econômica e a necessidade social de abolir a escala de trabalho 6×1. Os autores refutam os argumentos contrários, que associam a mudança ao aumento de custos e à perda de empregos, afirmando que tais discursos já foram usados em outros momentos históricos para frear avanços sociais, como o 13º salário. Com base em dados da OCDE e do Sebrae, eles destacam que o custo do trabalho no Brasil é baixo e que a redução da jornada pode fomentar o consumo e estimular investimentos em tecnologia. Além disso, experiências internacionais indicam que jornadas mais curtas aumentam a produtividade e melhoram as condições de trabalho, contribuindo para uma economia mais inclusiva e competitiva.
Os principais argumentos daqueles que são contrários ao fim da jornada 6×1 são de natureza econômica. A síntese do argumento é que a mudança elevaria os custos para os negócios de modo não compatível com a produtividade do trabalho. Com isso, aumentariam os preços para os consumidores, causando prejuízo para as empresas e resultando na redução de empregos.
Os defensores da manutenção da jornada, como aconteceu em outras ocasiões, fazem um certo “terrorismo” ao dizer que a aprovação da proposta seria ruim para o conjunto da economia.
Trata-se de um argumento recorrente, utilizado em outros momentos históricos para alarmar a sociedade sobre a possibilidade de um direito social quebrar a economia e o país —foi assim com o 13º salário e com o salário mínimo. Aliás, se o governo brasileiro tivesse dado ouvidos ao pensamento econômico dominante, não teria instituído a exitosa política de valorização do salário mínimo em 2004.
Vale lembrar que o custo do trabalho é baixo no Brasil (US$ 5,2/hora, segundo dados da OCDE de 2021) e, portanto, não representa uma ameaça à competitividade das empresas. Além disso, o Brasil possui uma das mais altas jornadas anuais, ocupando a quarta posição entre 46 países, com uma média anual de 1.936 horas trabalhadas (OCDE, 2022).
Fato é que a realidade dos pequenos negócios no país é penosa, independentemente da jornada de trabalho. Segundo o Sebrae, 21,6% das microempresas encerram suas atividades após cinco anos. Para apoiá-las, contudo, o fundamental é construirmos um projeto de desenvolvimento socioeconômico que ofereça melhores condições para quem deseja empreender. Manter a jornada de trabalho atual não é a solução. Pelo contrário, como muitos pequenos negócios dependem do consumo dos trabalhadores, a redução da jornada pode significar um aumento da demanda por seus produtos e serviços, seja porque os trabalhadores terão mais tempo para o lazer e o consumo, seja porque a redução da jornada representará um aumento da massa salarial devido a novas contratações, que serão necessárias em alguns setores.
Já as grandes empresas buscam justificar a manutenção do status quo com o argumento da perda de produtividade e tomando uma posição oportunista em defesa dos pequenos negócios —o que chega a ser curioso, já que, na corriqueira competição econômica, as grandes empresas não costumam se importar com a quebra das menores, como aconteceu no setor de farmácias e de supermercados.
Porém, quando os direitos trabalhistas são postos na mesa, surge uma falsa solidariedade, interessada, em defesa dos competidores menores e mais frágeis. Mas as grandes operam com escalas elevadas e estrutura de custos enxuta e gozam de acesso ao crédito. E têm condições de definir seus preços (são price makers). Assim, o fim da escala 6×1 é economicamente viável e a dinâmica da concorrência permaneceria a mesma.
A título de exemplo, no Brasil, apenas três grandes grupos de redes de farmácias detêm 40% do mercado: Grupo RD (Raia e Drogasil), Grupo Pague Menos (Pague Menos e Extrafarma) e Grupo DPSP (Pacheco e São Paulo). Em 2023, o faturamento do setor cresceu 13,5%, atingindo R$ 91,3 bilhões, liderado pelas grandes redes. O caso das redes de supermercado não é diferente.
Reduzir a jornada legal é um estímulo para as empresas investirem em tecnologia e melhoria de seus processos para elevar a produtividade. Jornadas elevadas não podem ser o fardo social a compensar a baixa produtividade da economia brasileira.
Experiências recentes de redução da jornada para quatro dias por semana mostram que os ganhos de produtividade são expressivos. Elas também comprovam que há queda de absenteísmo e adoecimento e maior motivação para o trabalho, o que contribui para elevar a produtividade. Ademais, uma das razões da baixa produtividade agregada é a existência de milhões de ocupações precárias e informais, sobretudo no setor de serviços. E, ainda, a redução da jornada dará maior oportunidade para os jovens se qualificarem.
O que tem sustentado a existência da escala 6×1 é o silenciamento do tema e do sofrimento dos trabalhadores que são obrigados a se submeter a esse regime de trabalho arcaico, já superado em países reconhecidos pelo maior bem-estar social e pela grande competitividade de suas empresas.
As mobilizações pelo fim da jornada 6×1 fazem parte de uma agenda de lutas que pode redefinir as condições laborais, transformando positivamente nosso complexo e árduo mundo do trabalho.
Sobre os autores
Marcelo Manzano – Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho – Cesit/IE-Unicamp
Pietro Borsari – Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho – Cesit/IE-Unicamp.
Ezequiela Scapini – Pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho – Cesit/IE-Unicamp.
José Dari Krein – Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho – Cesit/IE-Unicamp.
Fonte: Folha de São Paulo.