Artigo de Paulo Fernandes Silveira, professor da Faculdade de Educação e pesquisador no Grupo de Direitos Humanos do Instituto de Estudos Avançados da USP, sobre pesquisas recentes que investigam os arquivos dos sistemas de informação criados na última ditadura empresarial-militar brasileira, de 1964-1985, relacionados ao movimento negro e mecanismos de espionagem no meio acadêmico.

“Homenagem ao sociólogo Eduardo de Oliveira e Oliveira na aula inaugural do Departamento de Sociologia e programa de pós-graduação em sociologia na FFCLCH-USP, com a palestra do prof. Paulo Henrique Fernandes Silveira “Ditadura militar e perseguições ao movimento negro”. Foi uma noite de resgate da memória da atuação de intelectuais negros, muito importante e com informações impactantes contidas no artigo “Movimento negro na ditadura militar”, de Fernandes Silveira, em uma síntese importante do evento. Há informações relevantes sobre a história do movimento negro, que são surpreendentes e reveladoras sobre o racismo na academia”, distingue Ivair Augusto Alves dos Santos, Mestre em Ciências Políticas pela Unicamp, Doutor em Sociologia pela UnB, Ex-diretor do Departamento de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos da Presidência da República.

 

Por Paulo Fernandes Silveira

 

A colaboração de um docente da FFLCH-USP à Assessoria de Segurança e Informação (ASI) da USP – uma perseguição ao movimento negro

(Capa do painel: “O negro no Brasil”, de Fernando Mourão)[i]

“Tudo é perigoso.\ Tudo é divino e maravilhoso.\ É preciso estar atento e forte” (Caetano Veloso e Gilberto Gil).

Pesquisas recentes investigam os arquivos dos sistemas de informação criados na última ditadura empresarial-militar brasileira, de 1964-1985 (KÖSSLING, 2007; MOTTA, 2008; LIMA, 2021; PEDRETTI, 2022). Algumas pesquisas não trabalham diretamente com os arquivos, mas citam outras pesquisas sobre eles (RIOS, 2014, SILVA, 2018b; TRAPP, 2021).

Além de apresentarem os mecanismos de espionagem no meio acadêmico, Kössling (2007) e Motta (2008) apontam para uma rede de colaborações na estrutura desses sistemas de informação. Em sua pesquisa, Lima (2021) analisa um documento indicando a contribuição da socióloga e psicanalista Virgínia Bicudo para o Serviço Nacional de Informação (SNI) (BRASIL. Relatório: 72057640).

O documento que examinarei é o encaminhamento n. 118 da Assessoria de Segurança e Informação (ASI), da Universidade de São Paulo, de 19 de abril de 1977. Na capa desse documento aparece a nota: “Estamos encaminhando para conhecimento, o painel, realizado pelo Prof. Fernando de A. A. Mourão, do Centro de Estudos Africanos, ‘O Negro no Brasil’” (SÃO PAULO. Dossiê 50-K-104-3115).

O painel possui sete folhas datilografadas. Estão anexados ao documento: a xerox de uma das páginas do caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, de 15 de abril de 1977; a cópia do projeto de Eduardo de Oliveira e Oliveira sobre a “quinzena de estudos sobre o negro no Brasil”, encaminhada em 29 de janeiro de 1977 à direção da Faculdade de Filosofia (FFLCH-USP); a cópia da programação do ciclo de atividades: “O negro na vida norte-americana: da independência aos nossos dias”, organizado por Eduardo de Oliveira e Oliveira e realizado no Museu de Artes de São Paulo (MASP), entre 28 de agosto e 8 de setembro de 1976.

Esse documento encontra-se entre os arquivos do DEOPS mantidos no Arquivo do Estado de São Paulo, identificado com o código: 50-K-104-3115. Nessa pasta existem outros documentos da ASI-USP sobre o mesmo painel, com diferentes datas e sem o nome do colaborador.[ii]

Ao investigar “os espiões dos campi”, Motta (2008) refere-se ao documento com o código 50-K-104-3113, que perseguia Eduardo de Oliveira e Oliveira. Trata-se do encaminhamento n. 132 da ASI-USP, de 26 de abril de 1977. O autor desse documento: “manteve-se anônimo e solicitou ao pessoal da Aesi cuidado para evitar sua identificação” (MOTTA, 2008, p. 394, nota 89).[iii]

Em sua dissertação de mestrado sobre história social, realizado na FFLCH-USP, provavelmente, num período de pouca abertura para o reconhecimento da contribuição de um docente para ASI-USP, Kössling (2007) analisa o painel “O Negro no Brasil”, mas não menciona a autoria do documento.[iv] Seus registros e reflexões teóricas sobre os arquivos do DEOPS foram fundamentais para essa pesquisa.

Desde 1964, os governos da ditadura empresarial-militar passaram a contar com o Serviço Nacional de Informações (SNI). Seguindo o Plano Setorial de Informações, aprovado pelo Ministério da Educação e Cultura, a partir de 1971, cada universidade federal precisou criar uma AESI. Embora seja uma universidade estadual, a USP também criou sua AESI (MOTTA, 2008).

O “O Negro no Brasil” foi elaborado por Fernando Mourão, que no período era docente da FFLCH-USP e diretor do Centro de Estudos Africanos. Esse documento foi enviado para a Assessoria de Segurança e Informação (ASI) ou Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI), que funcionou de 1972 a 1982 no interior da reitoria da Universidade de São Paulo (COMISSÃO DA VERDADE DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. 2018).

Referências a Abdias do Nascimento

“O Brasil vem sendo atacado em vários planos em reuniões internacionais. Tive a oportunidade de, em duas delas, ter tomado a palavra no sentido de defender a nossa imagem, felizmente, ambas, com êxito.[v] Recentemente no Colóquio sobre Educação que se realizou no âmbito do II Festival Mundial de Artes Negro-Africanas apresentou-se, como observador, o senhor Abdias do Nascimento. Tendo tido sua Tese recusada Racial Democracy in Brazil. Myth or Reality?, passou a atacar sistematicamente o Brasil, fato amplamente conhecido pelas autoridades que, nesse sentido foram informadas a partir de Lagos, em caráter reservado. Os ataques dirigidos pelo senhor Abdias do Nascimento foram extremamente violentos e na ocasião verificou-se que o mesmo senhor contava com um enorme esquema de apoio, principalmente da delegação negra norte-americana que, em reuniões anteriores já tinha atacado o Brasil, exigindo que a delegação brasileira fosse só composta por negros. Uma vez que esse fato foi amplamente informado a quem de direito, não é ocasião de voltar em detalhe. O senhor Abdias do Nascimento, que espera para breve uma edição alemã do seu trabalho, anunciou um novo livro: The Genocide of Black Brazil. Informação recente de um professor amigo dá conta que o contrato de trabalho do Senhor Abdias com a universidade de Ifé, Nigéria, foi rompido a partir de junho próximo. Durante a reunião, que felizmente terminou favoravelmente ao Brasil e em que grande número de africanos nos apoiou, fui várias vezes atacado, em plenário, pelo senhor Abdias do Nascimento, como representante da versão oficial do Governo Brasileiro.

A este propósito, cabe mencionar o fato de que a imprensa brasileira (Manchete nº 1.300 de 19/3/77 p. 65 e Visão v. 50 nº 6 de 21/3/77, p. 80 e 81, em matéria assinada pela correspondente) não levando em conta que o assunto não deveria ser noticiado, levantaram o problema em termos favoráveis à tese do senhor Abdias do Nascimento (leia-se o subtítulo da matéria da Visão – Política e Burocracia). Na medida em que o Jornal do Brasil estava fazendo uma cobertura serena e a pedido desse jornal dei uma entrevista sobre o Colóquio, tendo em vista dois objetivos: identificar a tomada de posição do senhor Abdias do Nascimento com a intriga internacional – embora sem o citar – e dar uma visão que chamasse a atenção das representações diplomáticas africanas, de modo favorável ao Brasil” (SÃO PAULO. Dossiê 50-K-104-3115).

“É estranho que nessa mesma página, após o encerramento do Festival de Lagos, e quando o mesmo não era mais notícia, surja uma matéria sob o título “Brasil Africano”, que é uma repetição, embora mais intrigante, das matérias publicadas em Visão (v. 50, n. 6 de 21/3/77, p. 80 e 81) e em Manchete (n. 1300, de 19/3/77, p. 65). Trata-se de matéria assinada pela mesma jornalista enviada por Visão (em substituição a outra repórter). Além da gravidade da matéria em si, pondo em evidência as Teses do Senhor Abdias do Nascimento, o fato de ser publicada conjuntamente com a matéria ‘Os Blacks se unem’ é lamentável, sintomático, pois, poderá atingir esse público do ‘soul’. A matéria, além do mais contém inverdades e citações imprecisas”(SÃO PAULO. Dossiê 50-K-104-3115).

A recusa da tese de Abdias do Nascimento no II Festival de Artes e Cultura (FESTAC) ou, como ficou conhecido, Festival Mundial de Artes e Cultura Negra, realizado em Lagos, na Nigéria, em 1977, foi discutida por Nascimento em dois livros: O genocídio do negro brasileiro, publicado no Brasil em 1978, e Sitiado em Lagos (Autodefesa de um negro acossado pelo racismo), publicado em 1981.

No início de O genocídio do negro brasileiro, Abdias do Nascimento transcreve as razões alegadas pelo coronel Ahmadu Ali, presidente do comitê do festival, para recusar sua tese na programação, entre elas se destaca que o fórum não era o espaço adequado para a propagação de crenças ideológicas. [vi] Apesar disso, Nascimento participou como observador no grupo de trabalho sobre “Civilização Negra e Consciência Histórica”. Fizeram parte desse grupo a delegação norte-americana e a delegação brasileira, coordenada por Fernando Mourão.

Durante os encontros, Abdias do Nascimento distribuiu cópias da sua tese para os participantes. Com o apoio da delegação norte-americana, Nascimento tentou incluir entre as recomendações finais desse grupo uma investigação sobre as condições do negro no Brasil (NASCIMENTO, 1978). Essa recomendação foi veementemente criticada pela delegação brasileira, que questionou a autoridade de Abdias do Nascimento para propor algo na condição de mero observador.

Sitiado em Lagos foi escrito após a aquisição de um conjunto de telegramas sigilosos da embaixada brasileira em Lagos para Azeredo da Silveira, Ministro das Relações Exteriores (NASCIMENTO, 1981). Segundo Abdias do Nascimento, um irmão militante africano lhe enviou os telegramas em 1979.[vii] Numa entrevista, o chanceler Azeredo da Silveira indica estar informado do que ocorreu em Lagos:

“Nesse evento, fomos muito atacados pelos representantes dos Estados Unidos em matéria de política africana e em matéria de problema de discriminação racial. Eles afirmaram, em plena conferência, que dizer que não havia preconceito racial no Brasil era uma balela. A coisa mais curiosa é que todos os africanos se levantaram em nossa defesa. Isso foi muito significativo” (SPEKTOR, 2010, p. 99).

A política externa do chanceler Azeredo da Silveira (1974-1979) sustentava um pragmatismo responsável e ecumênico. Isso significava: buscar o máximo de vantagens, independente do regime ou ideologia, evitar uma postura antiética e ampliar as parcerias (VIZENTINI, 2004). Em 1974, seguindo uma das diretrizes da Revolução dos Cravos, Portugal iniciou uma política de descolonização da África (SECCO, 2003). Surgia uma oportunidade comercial que o chanceler Silveira não poderia desperdiçar. [viii]

Poucos meses depois da Revolução dos Cravos, o editorial “Brasil Africano”, publicado pelo Jornal do Brasil tratou do movimento de independência na África.[ix] Pressupondo a histórica experiência da democracia racial no Brasil, o editorial defende que a diplomacia brasileira contribua para “a criação de nações multirraciais” (BRASIL AFRICANO, 1974, p. 5).

Em novembro de 1977, o jornal Versus, em sua seção Afro-Latino-América, coordenada por Hamilton Cardoso, publicou a tese que Nascimento havia preparado para o festival de Lagos “Democracia racial: mito ou realidade?”. Trata-se de um texto que retoma as críticas de Florestan Fernandes (1964) e de Thales de Azevedo (1975)[x] ao mito da democracia racial: “O Brasil, como nação, se proclama a única democracia racial do mundo, e grande parte do mundo a vê e respeita como tal. Mas, um exame de seu desenvolvimento histórico revela a verdadeira natureza de sua estrutura social, cultural e politica: é essencialmente racista e vitalmente ameaçadora para os negros” (NASCIMENTO, 1977, p. 40).

Em O genocídio do negro brasileiro, Abdias do Nascimento denuncia o governo imposto pela ditadura empresarial-militar de impedir o debate político e acadêmico sobre a realidade da democracia racial: “o atual governo brasileiro tenta censurar, intimidar e calar instituições de pesquisa e scholars estrangeiros que se preocupam com a situação do negro no Brasil” (1978, p. 79-80). [xi]

O livro foi dedicado a Florestan Fernandes, com o acréscimo dos elogios: “exemplo de integridade científica e coragem humana” (NASCIMENTO, 1978, p. 13). Florestan Fernandes também foi convidado para fazer o prefácio da edição brasileira. Uma vez que o livro trata dos acontecimentos do festival de Lagos, o prefácio de Florestan Fernandes indica seu apoio a Abdias do Nascimento no confronto com Fernando Mourão. No texto, Florestan Fernandes comenta sua afinidade com Abdias do Nascimento: “Estamos no mesmo barco e dando o mesmo combate – não de hoje, mas há anos” (1978, p. 19). Entre as qualidades do livro, Florestan Fernandes destaca a denúncia sobre o genocídio da comunidade negra: “Trata-se de uma palavra terrível e chocante para a hipocrisia conservadora. Contudo, o que se fez e se continua a fazer com o negro e com seus descendentes merece outro qualificativo?” (1978, p. 21). [xii]

Nessa passagem do painel, Fernando Mourão indica ter enviado relatórios desde Lagos sobre as intervenções de Abdias do Nascimento. Ele também oferece outras informações sobre Abdias do Nascimento relatadas por um professor amigo. No fim de suas análises sobre esse tema, Fernando Mourão critica a cobertura sobre o festival de uma parte da grande imprensa brasileira, sugerindo que ela não agiu como deveria.

Suas críticas dirigem-se à reportagem “Nigéria: a grande festa da arte negra”, de Borges Freire (1977), publicada na revista Manchete, em 19 de março de 1977, e à reportagem “Das artes à unidade africana”, de Mirna Grzich (1977a), publicada na revista Visão, em 21 de março do mesmo ano. [xiii] Além criticar essas reportagens, Mourão anexa ao painel o artigo “O Brasil africano”, [xiv] também de Grzich (1977b), publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 15 de abril de 1977. Em contraponto a essas reportagens, que comentam a tese de Nascimento negada no festival de Lagos, Fernando Mourão refere-se à entrevista que ele concedeu a Roberto Pontual (1977) para o Jornal do Brasil, em 19 de março de 1977.

Em seu artigo para Folha de S. Paulo, Mirna Grzick[xv] traz uma informação importante sobre o festival de Lagos: “Ainda correm boatos de que o coordenador da representação brasileira seria o professor Eduardo de Oliveira e Oliveira. Mas o cargo foi ocupado pelo professor Fernando Mourão, do Centro de Estudos Africanos da USP, que representa melhor o pensamento do Itamarati” (1977, p. 40).

Referências aos teóricos norte-americanos

“Por outro lado, outro tipo de interesses transparece no livro publicado no Brasil em 1976. Preto no Branco – Raça e Nacionalismo no Pensamento Brasileiro – de Thomas E. Skidmore, Editora Paz e Terra, onde se ataca a chamada ‘Tradicional posição oficial’, além de órgãos responsáveis pela política brasileira, apresentados como criadores de uma falsa ideologia. O problema negro passa a ser novamente tratado em termos raciais. Esse livro tem sido muito comentado (Jornal da Tarde – 9/8/76). O Prof. Skidmore, que ataca órgãos de governo em sua obra, esteve várias vezes no Brasil, onde se encontra recentemente, tendo em vista a criação de um Instituto de Relações Internacionais com o apoio da Fundação Ford”.

“O livro do Prof. Skidmore, extremamente perigoso para o Brasil, pois levanta o problema que a tese da miscigenação não é um fato, mas uma tese construída, entre outras, por um órgão de governo, está sendo utilizada no exterior em ataques ao nosso País e também no plano interno. A propaganda deu uma importância a esse livro que não deu, por exemplo, à obra de Carl Degler – Nem Preto nem Branco, Editora Labor, Rio 1976, criticado – a edição norte-americana – em artigo da revista Argumento (janeiro de 1974).

O problema, nos últimos dois anos, começou a ser estudado em termos de etnia (ver: GLAZER, Náthan – Etnia: um fenômeno mundial, Diálogo, v. VII – nº 5 – 1975 e ETHINICITY Teory and Experience, editado por Nathan Glazer e Daniel P. Moynihan, Harvard University Press, Cambridge, Massachussetts, 1975. O tratamento do problema em termos de etnia ‘recentes informações do Brasil parecem mostrar que os negros no Brasil começam a constituir um grupo étnico’, diz Nathan Glazer, p. 20 da tradução publicada em Diálogo, mostra a nova tendência, extremamente perigosa para o Brasil. Por um lado, no plano externo, contrapõe-se à imagem da miscigenação que nos caracteriza e, no plano interno pode vir a ser, juntamente com outras variáveis, algumas já citadas, um elemento da conturbação da ordem social. Por motivos diversos vemos congregar-se em termo do mesmo ponto, principalmente no plano externo, comunistas e alguns não comunistas” (SÃO PAULO. Dossiê 50-K-104-3115).

Nessa passagem, Fernando Mourão retoma as críticas aos intelectuais norte-americanos. As reflexões de Thomas Skidmore (1976) e de Nathan Glazer (1975) são apontadas como perigosas, enquanto as de Carl Degler (1976) seriam admissíveis. Nenhum desses autores participou do festival de Lagos. [xvi] Um artigo de Eduardo de Oliveira (1974), questionando as teses de Degler, também é criticado.

O tema central no debate que envolve esses autores é o papel da miscigenação na construção da propalada democracia racial brasileira. O primeiro intelectual criticado é Skidmore, que Fernando Mourão informa encontrar-se no Brasil naquele momento. [xvii] Em seu livro Preto no branco, Skidmore denuncia o uso político da tese da miscigenação por uma série de governos brasileiros: “Atitude que atingiu seu clímax em 1951, quando o governo publicou um folheto exaltando as virtudes do tipo brasileiro de relações raciais em comparação com o sistema racista em vigor nos Estados Unidos. Desde que o livrinho foi editado em inglês pelo Ministério das Relações Exteriores e incluía uma introdução por Gilberto Freyre, não podia haver dúvida de que se propunha a promover uma imagem favorável do país no exterior” (1976, p. 229).

Na curta introdução para o folheto ou livro de Eugene Gordon, um pesquisador negro norte-americano, Gilberto Freyre apresenta a miscigenação como uma “solução brasileira” para os conflitos étnicos: “Num mundo que busca evitar os efeitos de antagonismos rígidos que o divide em grupos sociais ou étnicos inconciliáveis, a ‘solução brasileira’, como é considerada por este jovem da Universidade da Califórnia com o olhar norte-americano iluminado pelos estudos sociológicos, ganha cada dia mais importância como experimento e talvez como exemplo para ser seguido” (FREYRE, 1951, p. 6).

No mesmo livro, Skidmore (1976) comenta a polêmica decisão da comissão censitária de 1970 de excluir o quesito cor da pesquisa. Independente dos argumentos técnicos utilizados pela comissão, Skidmore (1976; 1991) destaca a importância que esses dados teria para o desenvolvimento das pesquisas acadêmicas e para a criação de políticas públicas.

Acompanhando atentamente as posições dos intelectuais da delegação brasileira no festival de Lagos, Abdias do Nascimento (1978) critica a referência ao censo de 1970 feita pelo sociólogo Manuel Diégues Júnior. Entre os materiais distribuídos pela delegação estava um pequeno livro de Diégues Júnior apresentando um panorama sobre a presença africana no Brasil. Na introdução do livro, o sociólogo afirma: “O total da população brasileira em 1970, ano do último recenseamento, distribuía-se pelo território brasileiro com maior ou menor intensidade de um dos grupos, sendo evidente o predomínio do elemento branco, por isso que, no Brasil, mesmo mestiço que tenha alguma coisa, pequena ou grande, de sangue negro ou índio, mas não apresente aparência física de um desses grupos, já é considerado branco. O que testemunha a ausência de qualquer discriminação de natureza racial, quanto à origem étnica da pessoa” (DIÉGUES JÚNIOR, 1977, p. 8).[xviii]

Uma posição em consonância com essa é defendida por outro autor mencionado por Fernando Mourão. Ao investigar o racismo no Brasil e nos Estados Unidos, Degler (1976) identifica uma diferença na condição de mulato. Enquanto que no Brasil a mestiçagem abre a possibilidade de uma mobilidade social, o negro nos Estados Unidos não muda de categoria social conforme sua cor de pele: “Assim, a condição de mulato no Brasil representa uma ‘saída de emergência’ (escape hatch) para o negro, que não é possível nos Estados Unidos” (DEGLER, 1976, p. 118).

A fraqueza das organizações de direitos dos negros no Brasil estaria relacionada com essa “saída de emergência” para escapar do racismo mais extremado praticado contra a população negra: “A própria dominação de uma ideologia social que proclama a ausência do preconceito no Brasil impede muitos negros de afirmarem sua negritude através de organizações” (DEGLER, 1976, p. 190). Além disso, a ascensão social acaba afastando os mulatos das organizações negras.

No texto “O mulato, um obstáculo epistemológico”, de Eduardo de Oliveira e Oliveira (1974), também mencionado por Fernando Mourão, essas teses de Degler são criticadas. Em primeiro lugar, Oliveira argumenta que Degler constrói uma imagem da condição do mulato que não condiz com a realidade brasileira. Para Oliveira, o mulato brasileiro não escapa da oposição que se manifesta nas relações raciais. Por outro lado, a história do protesto negro no Brasil atesta uma significativa contribuição de diversos mulatos: José Correia Leite, Arlindo Veiga dos Santos, Francisco Lucrécio, Raul Joviano do Amaral, Henrique Cunha e outros.

Ainda com relação à força das organizações de direitos, Oliveira cita um texto de Marvin Harris (1970), que também analisa a questão negra a partir da comparação entre o Brasil e os Estados Unidos. Ao contrário do que defende Degler, o Brasil não estaria em piores condições na luta pelos direitos da população negra. Uma vez que há no Brasil uma correspondência entre classe e raça, quanto mais negro é o fenótipo de uma pessoa, mais precarizada é sua classe: “O Poder Negro nos Estados Unidos carece do potencial revolucionário da massa preponderante; o Poder Negro no Brasil contém este potencial” (HARRIS, 1970, p. 12). [xix]

O último texto mencionado por Fernando Mourão é do sociólogo Nathan Glazer (1975). Esse texto trata do papel da etnia nas organizações negras brasileiras, norte-americanas e de outros países, o que Mourão interpreta como uma “nova tendência extremamente perigosa para o Brasil”. Como salienta Kössling (2007), em 1976, esse mesmo texto foi republicado na revista Arquivos, da Polícia Civil de São Paulo.

Pela definição de Glazer, “raça tende a referir-se ao aspecto biológico da diferença de grupo, etnia a uma combinação do aspecto cultural com um elemento biológico putativo devido à presunção de uma descendência comum” (1975, p. 20). Nesse sentido, os grupos étnicos tendem a congregar um amplo espectro de pessoas, apesar das possíveis diferenças fenótipas entre elas.

Os grupos étnicos promovem uma coesão mais forte e duradoura do que a união em torno da classe social. A identidade étnica é construída a partir de elementos que marcam profundamente a personalidade humana e social: língua, religião, experiências familiares, autoimagem física, etc. A identidade de classe geralmente deixa de existir quando ocorre uma mobilidade social.

Outro ponto importante é a tendência de mundialização dos conflitos étnicos: “os casos de Angela Davis e de outros militantes pretos receberam tanta atenção na Europa Ocidental como nos Estados Unidos” (GLAZER, 1975, p. 25). Segundo Glazer, recentes informações mostram que os negros brasileiros já começam a se compreender e a se organizar enquanto um grupo étnico.

Referências às associações negras

“Acredita-se que elementos ligados à extinta Frente Negra pretendem o seu reaparecimento em novos moldes. Manifestações culturais, tais como teatro, capoeira e outras, girando em torno da ‘luta’ do negro (note-se a linguagem utilizada) vêm sendo anunciadas, assim como reuniões e formação de grupos ‘negros’. O problema racial está reabrindo-se a partir, principalmente, da influência dos vários movimentos negros norte-americanos, alguns dos quais com características revolucionárias e, ao que consta, infiltrados, entre outros, por elementos comunistas”. (SÃO PAULO. Dossiê 50-K-104-3115).

“A par do surgimento do movimento ‘Black’ em São Paulo, surgem vários outros indícios. Assim consta que tem sido desenvolvido proselitismo junto a Associações Negras e Escolas de Samba, entre as quais a de Casa Verde”. (SÃO PAULO. Dossiê 50-K-104-3115).

“‘Os blacks se unem’ – matéria que dá conta de uma reunião artística entre elementos de São Paulo e do Rio de Janeiro. O assunto merece análise. Até esta data o movimento ‘soul’ agia no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas sem aparentes ligações” (SÃO PAULO. Dossiê 50-K-104-3115). “Há cerca de um ano entreguei informe circunstanciado sobre o assunto em geral” (SÃO PAULO. Dossiê 50-K-104-3115).

Em 7 de julho de 1978, pouco mais de um ano após o encaminhamento desse documento para a ASI-USP e, posteriormente, para o DEOPS-SP, estudantes da USP e de outras universidades participaram de um protesto contra o racismo em frente ao Teatro Municipal de São Paulo (PEREIRA, 1978). Tomaram a palavra na manifestação: “Milton Barbosa, Clóvis Moura, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Africanos, Eduardo de Oliveira e Abdias do Nascimento” (MOURA, 1983, p. 73). Começava uma nova etapa nas lutas negras no Brasil. Surgia o Movimento Negro Unificado (MNU). [xx]

Entre os universitários que ajudaram a criar o MNU em São Paulo estavam: Eduardo de Oliveira e Oliveira, doutorando em Ciências Sociais na USP; Rafael Pinto, graduando em Ciências Sociais na USP; Vanderlei José Maria, graduando em Filosofia na USP; Milton Barbosa, graduando em Economia na USP; José Carlos (Jamu Minka), recém-formado em Jornalismo na USP; Henrique Cunha Júnior, recém-formado em Engenharia na USP; Ivair Augusto dos Santos, recém-formado em Química na USP, Maria Inês Barbosa, que fez Serviço Social nas Faculdades Metropolitanas Unidas; Hamilton Cardoso, Neusa Maria Pereira e Flávio Carrança, que cursaram Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. [xxi]

No estudo que realizou nos anos 1950 com Roger Bastide e outras pesquisadoras, Florestan Fernandes analisou o protesto negro até aquele momento: “esses movimentos procuram defender abertamente uma integração mais homogênea do negro na vida social do país, em vez de assumir tendências de segregação racial” (1955, p. 195). [xxii] Tendo em vista esse propósito, diversas associações ligadas à Frente Negra Brasileira (FNB) investiram na educação, profissionalização e moradia das famílias negras. Para a FNB, a integração do negro seria a melhor arma no combate ao racismo.

No retorno ao Brasil depois do (auto)exílio nos Estados Unidos e no Canadá, Florestan Fernandes voltou a atuar junto ao movimento negro. Segundo o testemunho do militante Milton Barbosa, no final dos anos 70, algumas lideranças do MNU tiveram reuniões sistemáticas com Fernandes (CUSTÓDIO, 2017). Numa entrevista para os jovens militantes Rafael Pinto e Vanderlei Maria, o sociólogo discorre sobre as perspectivas políticas e ideológicas da FNB e do MNU: [xxiii]

“Comparando-se com os movimentos de protestos raciais das décadas de 1930 e 1940, hoje o patamar de contraviolência do movimento negro mudou de qualidade. (…) Isto significa que o movimento se politizou e se radicalizou. É assim que eu analiso a manifestação de 7 de julho de 1978 do Movimento Negro Unificado, pois, enquanto nas décadas de 1930 e 1940 o negro procurava inibir o teor ideológico do protesto racial, agora a tendência é elevar o nível da radicalização ideológica e ao mesmo tempo politizar o protesto, de modo a ter o máximo de ataque explícito à ordem existente” (FERNANDES, 2017, p. 97). [xxiv]

Não houve apenas ruptura entre o MNU e a FNB. Uma das maneiras da FNB estimular a integração do negro foi desenvolver campanhas para a aquisição de terrenos e a construção de casas próprias em regiões periféricas da cidade de São Paulo (FERNANDES, 1978; BARBOSA, 1998). Nos anos 30 e 40, os bairros da Casa Verde e do Parque Peruche tornaram-se redutos da comunidade negra (BARONETTI, 2021a; BARONETTI, 2021b). Alguns dos mais influentes militantes do MNU nasceram nesses bairros e mantiveram o diálogo com lideranças da FNB. [xxv]

A partir de 1965, a Associação Cultural do Negro (ACN), que era dirigida por lideranças da FNB, passou a ser coordenada pela advogada Gilcéria de Oliveira e por Eduardo de Oliveira e Oliveira, liderança do MNU (SILVA, 2012b; TRAPP, 2018). [xxvi] Depois de uma crise financeira, a ACN precisou deixar sua sede no edifício Martinelli, no centro de São Paulo, e passou por outros endereços até se estabelecer na Casa Verde (BARONETTI, 2021a). Além de participar da coordenação da ACN, Oliveira foi um dos criadores e diretores do Centro de Cultura e Arte Negra (CECAN) (SILVA, 2012a).

Segundo Gilcéria de Oliveira, a principal fonte de financiamento da FNB era a doação de pessoas próximas ao Eduardo de Oliveira: “Era considerado um intelectual de primeira linha. Valorizado por ser um intelectual como os intelectuais da USP. Marilena Chaui, Paula Beiguelman, Antonio Candido, Florestan Fernandes, aquele pintor famoso Aldemir Martins colaboravam com a Associação. Todo esse povo colaborava, pagava uma quantia mensal para manter. Nós não tínhamos verba oficial. (…) Financeiramente, quem garantiu o funcionamento da Associação foi o Eduardo” (SILVA, 2018b, p. 124).

Em 1974, assim que entraram na USP, Rafael Pinto e Milton Barbosa foram convocados pela atriz e militante Thereza Santos para contribuir com o CECAN (BARONETTI, 2021b). Em comum, a ACN e o CECAN ofereciam cursos comunitários de reforço escolar. Um desses cursos comunitários, voltado para jovens da extinta favela Ordem e Progresso, foi realizado na sede da escola de samba Camisa Verde e Branco, que ficava encostada a essa favela da Barra Funda. [xxvii] Ministrado por estudantes negros da USP, esse curso tratava da questão negra. Inspirado numa aula sobre história da África, William Santiago, um dos jovens que seguiu esse curso, nomeou sua equipe de bailes e gravadora de Zimbabwe.[xxviii]

Além da importância recreativa, a organização de festas e bailes era uma prática necessária para a manutenção financeira das associações negras e das escolas de samba (BARONETTI, 2021a). Em meados dos anos 70, as escolas de samba passaram a alugar suas quadras para a realização de bailes black (VIANNA, 1987). Um aditamento ao painel de Fernando Mourão (SÃO PAULO. Dossiê 50-J-0-5373) analisa uma reportagem do programa Fantástico sobre os bailes blacks e o samba. [xxix] Na reportagem, Beatriz Nascimento critica a relevância desses bailes para o protesto negro. [xxx] Defendendo outra posição, um texto do jornal Versus (UM GRITO NO SOUL, 1978) sugere a divulgação de textos sobre a luta pela igualdade racial durante esses bailes. [xxxi]

Quando Fernando Mourão enviou o painel para a ASI-USP, o distrito de Casa Verde tinha duas escolas de samba: Morro da Casa Verde e Unidos do Peruche. As duas escolas guardam relações históricas com a questão negra (BARONETTI, 2021a). Nos anos 70, a repressão policial à Unidos do Peruche foi extremamente violenta. Em 19 de janeiro de 1974, pouco antes do carnaval, a escola foi invadida por 20 policiais militares (COMANDANTE DA PM, 1974). Segundo seu Carlão do Peruche, presidente da escola: “Não deu tempo de fazer nada, nem de ir dialogar. Já jogaram bomba de efeito moral, atiravam acima da altura da cabeça das pessoas. Lembro que um deles mirou a arma em mim e disse: ‘Corre, negro!’” (BARONETTI, 2021a, p. 344). [xxxii]

Referências a Eduardo de Oliveira e Oliveira

“A imprensa noticiou recentemente a realização em Fortaleza da reunião anual da SBPC, em julho, e entre os temas de destaque indica-se o trabalho do senhor Eduardo de Oliveira e Oliveira ‘o Brasil Negro’, resultado de pesquisa que vem realizando nos últimos anos. A propósito, o referido senhor que apresentou um painel nas comemorações do Bicentenário da Independência dos Estados Unidos (xerox) e ao que consta estaria ligado a grupos negros norte-americanos (fala-se em um convite a um coral negro brasileiro) está pleiteando a direção da Casa da Cultura Afro-Brasileira (?) a ser criada pela Prefeitura Municipal de São Paulo. A ideia em si é interessante, mas convém escolher, com cuidado, os responsáveis” (SÃO PAULO. Dossiê 50-K-104-3115).

“O referido senhor, que, ao que parece está trabalhando no Gabinete do Secretário da Secretaria de Estado da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, está propondo a realização de uma ‘quinzena de estudos sobre o negro no Brasil’. A ideia em si é excelente, o que é perigoso é que a coordenação esteja na mão do citado elemento, além de que algumas das pessoas indicadas para participar da ‘quinzena’, por exemplo, a antropóloga Juana Elbein dos Santos (Bahia) vem desenvolvendo atividades no campo do ‘negro’ numa perspectiva negativa’.

“Consta que se pretende dar início à citada atividade em breve. Não obteve apoio por parte do diretor da F.F.L.C.H. da USP, mas é natural que tente contornar o problema, buscando apoio a nível departamental, no âmbito da F.F.L.C.H. ou, se não conseguir, em função de alguma outra entidade fora da USP, o que não será difícil, uma vez que, aparentemente, a proposta, segundo o papel timbrado, parte da Secretaria de Estado da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo” (SÃO PAULO. Dossiê 50-K-104-3115).

Nesse período, Eduardo de Oliveira e Oliveira fazia doutorado em sociologia sob a orientação de João Baptista Pereira (TRAPP, 2018). Segundo Hugo Zambukaki, militante do MNU, mesmo afastado da USP, Florestan Fernandes exercia a função de orientador informal de Oliveira (CUSTÓDIO, 2017). Uma das características comuns nas pesquisas de ambos era o foco nas questões urgentes para a comunidade negra.

Nesse sentido, um dossiê sobre Fernandes nos arquivos do DEOPS informa: “No jornal Última Hora, de 10/04/78, em artigo intitulado ‘Porque Abolição’, consta que o marginado seria um dos poucos cientistas que estuda e luta pela raça negra, e fala dos problemas do negro de hoje” (SÃO PAULO. Dossiê 50-Z-0-14616).

A programação para mesa “Brasil Negro” da 29ª reunião anual da SBPC, em 1977, coordenada por Eduardo de Oliveira, também previa o debate sobre temas atuais: Eduardo de Oliveira – De uma ciência para e não apenas sobre o negro; Clóvis Moura – De bom escravo a mau cidadão (Da Escravidão à marginalização); Carlos Hasenbalg – Diagnóstico das desigualdades raciais no Brasil; Beatriz Nascimento – Quilombos e resistência sociocultural; Juana Elbein – Percepção histórica e implicações socioideológicas na abordagem do negro brasileiro (SBPC, 1977).

No projeto de Oliveira para “a quinzena de estudos sobre o negro no Brasil”, encaminhado à direção da FFLCH-USP e anexado ao painel da ASI-USP e do DEOPS (SÃO PAULO. Dossiê 50-K-104-3115), algumas das convidadas são as mesmas da mesa da SBPC: Carlos Hasenbalg, Beatriz Nascimento e Juana Elbein. Regularmente, essas intelectuais participavam dos encontros do Grupo de Trabalhos André Rebouças (GTAR), na Universidade Federal Fluminense, que contava também com a colaboração de Peter Fry e de Yvone Maggie (SILVA, 2018a).

A quinzena do negro conseguiu patrocínio do Departamento de Artes e Ciências Humanas da Secretaria de Cultura, Ciências e Tecnologia do Estado de São Paulo (PINTO, 1977). As palestras e mesas de debate ocorreram na Faculdade de Psicologia da USP, entre 23 de maio e 7 de junho de 1977. O evento também contou com um ciclo de filmes que retratam o negro, no Museu da Imagem e do Som (MIS), uma exposição sobre a imprensa negra (1918-1960), na Pinacoteca do Estado e uma mostra de objetos afro-brasileiros, no Museu de Arqueologia da USP (KNAPP, 1977).

A reportagem de Gabriel Priolli sobre a quinzena do negro, para a TV Cultura, transformou-se no documentário O negro da senzala ao soul, um registro fundamental de algumas personagens do movimento negro.[xxxiii] Além das conferências com pesquisadoras reconhecidas no meio acadêmico, a quinzena do negro organizou uma “Mesa redonda com universitários afro-brasileiros”. Em sua participação nessa mesa, Rafael Pinto criticou a forma dos estudos negros, “seu caráter intelectualista, ou seja, desligado da realidade do negro” (TRAPP, 2018, p. 174). [xxxiv]

A 29ª reunião anual da SBPC estava prevista para ocorrer entre 6 e 13 de julho, na Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza. Um mês antes da reunião, o governo da ditadura empresarial-militar vetou os recursos para sua realização (SOCIEDADE SEM APOIO, 1977). Cogitou-se transferir a reunião para USP, mas a reitoria da universidade não autorizou. Com o apoio do cardeal D. Paulo Evaristo Arns, a reunião acabou ocorrendo no Teatro da Universidade Católica (TUCA), da PUC de São Paulo (COMISSÃO DA VERDADE DA PUC-SP, 2017).[xxxv]

A mesa sobre o “Brasil Negro” coordenada por Eduardo de Oliveira repercutiu na grande imprensa. O Jornal do Brasil destacou sua proposta de criação de uma escola superior de estudos sobre as relações raciais e as análises de Clóvis Moura sobre a relevância dos bailes black do Rio de Janeiro e de São Paulo para o protesto negro (SOCIÓLOGO NEGRO, 1977). A reportagem também relatou a indignação de Oliveira com o não comparecimento de algumas conferencistas previstas para compor a mesa: Carlos Hasenbalg, Beatriz Nascimento e Juana Elbein. [xxxvi]

Numa carta enviada em 4 de julho de 1977, Hasenbalg justifica a Oliveira sua ausência na mesa da SBPC: “Dado que o clima nacional está pra lá de Marrakesh e como a reunião transcorrerá em alta rotação política, achei melhor – como estrangeiro que sou – adotar uma linha de prudência” (TRAPP, 2018, p. 190). Na mesma carta, Hasenbalg alega ter bons motivos para faltar à reunião.

Um aditamento ao painel de Fernando Mourão (SÃO PAULO. Dossiê 50-J-0-5372), enviado à ASI-USP, em 29 de junho de 1977, informa sobre a repercussão da quinzena do negro na imprensa (50 notícias) e sobre o “Primer Congreso de la Cultura Negra de las Americas”, programado para acontecer entre os dias 24 e 28 de agosto daquele mesmo ano, em Cali, Colômbia. O informe sobre o congresso indica que a representação brasileira seria coordenada pelo Instituto Brasileiro de Estudos Africanos (IBEA), dirigido por Clóvis Moura.

No congresso de Dacar, em 1974, Moura conheceu Manuel Zapata, que estava organizando o congresso de Cali (SILVA, 2021). Convidado para ser o coordenador da representação brasileira, Moura enviou cartas para diretores de diversos institutos que poderiam compor a delegação. Uma das cartas foi enviada para Fernando Mourão, diretor do Centro de Estudos Africanos (CEA), da USP. Numa nota no final do informe sobre o congresso de Cali, o aditamento sugere: “o assunto poderá ser controlado pelo MEC na área da isenção do depósito” (SÃO PAULO. Dossiê 50-J-0-5372).

Nesse período, havia no Brasil a cobrança de um depósito compulsório para viagens ao exterior. Poucos dias antes do congresso, o MEC vetou a isenção do depósito (SILVA, 2021). Além do próprio Clóvis Moura, quase toda a delegação brasileira perdeu o congresso. Só viajaram para Cali: a jornalista Mirna Grzich, financiada pela revista Visão, a historiadora Marina Sena, financiada pelo governo de Minas Gerais e Eduardo de Oliveira, que valeu-se de um empréstimo bancário pessoal e de uma bolsa da Fundação Ford (I CONGRESSO, 1977; CONTRA O RACISMO, 1977).

O painel indica que Eduardo de Oliveira estaria pleiteando a direção da Casa da Cultura Afro-Brasileira. Trata-se de uma informação equivocada. O movimento negro tinha militantes homônimos, razão pela qual o sociólogo acrescentou mais um Oliveira ao seu nome (BARONETTI, 2021a). Quem estava pleiteando dirigir a Casa da Cultura Afro-Brasileira era o poeta Eduardo de Oliveira.

Outro equívoco diz respeito ao secretário de cultura. O painel parece supor que José Mindlin, amigo de Eduardo de Oliveira, ainda fosse o secretário em 1977. Todavia, Mindlin pediu demissão do cargo em 11 de fevereiro de 1976 (EGÍDIO E MINDLIN, 1976). Sua relação com o governador estava difícil desde que o jornalista Vladimir Herzog, contratado por Mindlin para trabalhar na TV Cultura, foi torturado e assassinado nas dependências do DOI-CODI/SP, em 25 de outubro de 1975 (COMISSÃO MUNICIPAL DA VERDADE VLADIMIR HERZOG, 2015).

A vida e a carreira de Eduardo de Oliveira e de muitas outras pessoas da sua geração foram marcadas por perseguições acadêmicas e políticas e pela repressão das polícias civis e militares. Um texto de Florestan Fernandes (1977) sobre as sequelas da ditadura empresarial-militar na universidade tem como título: “A geração perdida”. Num depoimento sobre a influência de Beatriz Nascimento e de Eduardo de Oliveira nos projetos e nas utopias do MNU, o militante e pesquisador do movimento negro Henrique Cunha Júnior lamenta: “as dificuldades aumentaram à medida que os posicionamentos acadêmicos de Beatriz e Eduardo tiveram sutil e traumática rejeição, implicando a desistência destes da pós-graduação” (2002, p. 22).

Em dezembro de 1980, Eduardo de Oliveira e Oliveira cometeu suicídio.[xxxvii] Segundo o testemunho da amiga Bárbara Marruecos: “nos últimos meses de 1980 o sociólogo passou a sofrer de algo como uma mania de perseguição ou síndrome de pânico, por motivos ignorados” (TRAPP, 2015, p. 5).

Num texto publicado no primeiro número da revista Novos Estudos Cebrap, a professora e amiga Gilda de Melo e Souza presta-lhe uma homenagem: “O que estava querendo comunicar quando se fechou com discrição para morrer, sem a companhia de um amigo, mas protegido das ofensas, no espaço acanhado e acolhedor que soubera criar? Esta morte de quem afinal depunha as armas não era uma derrota. Devemos tomá-la como o último gesto de um lutador exausto, como o apelo derradeiro para que tentássemos olhar a realidade conforme ele sempre tinha feito: de frente e sem medo” (1981, p. 69).

Considerações finais

Os trabalhos das Comissões da Verdade são fundamentais para entendermos a história recente desse país. A abertura dos arquivos e dos porões da última ditadura empresarial-militar também contribuiu para o reconhecimento do papel de cada pessoa nesse processo histórico. Precisamos aprender a reelaborar esse passado sombrio que deixou marcas profundas nas pessoas e nas instituições.

Um dos documentos presentes nos arquivos do DEOPS é a cópia de uma carta de Ruy Coelho, chefe do Departamento de Ciências Sociais, para Erwin Rosenthal, diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (SÃO PAULO. Dossiê 50-K-104-3107). Enviada em 7 de dezembro de 1978, a carta manifesta a decisão da Congregação do Departamento de Ciências Sociais de solicitar ao Magnífico Reitor a recontratação dos docentes: Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni e Paula Beiguelman, afastados das suas funções na USP após o Ato Complementar nº 5, de 10 de dezembro de 1965. Documentos como esse nos ajudam a compreender a história da universidade e do país.

Nas universidades, seria importante criarmos Comissões da Verdade para investigar os documentos de cada faculdade e departamento. Também seria importante que o maior número de documentos relevantes esteja acessível a todas as pesquisadoras. Se possível, microfilmados ou digitalizados e disponíveis nos sites das universidades e dos institutos de defesa dos direitos humanos.

 

*Paulo Fernandes Silveira é professor da Faculdade de Educação da USP e pesquisador no Grupo de Direitos Humanos do Instituto de Estudos Avançados da USP.

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Notas


[i] A reprodução dessa imagem segue as diretrizes do termo de compromisso do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Agradeço a cordialidade dos arquivistas e o apoio do diretor técnico Ricardo Santos.

[ii] Os documentos do DEOPS que fazem parte do acervo do Arquivo do Estado de São Paulo não foram digitalizados, mas foram microfilmados. Cópias idênticas do painel “O Negro no Brasil” encontram-se em duas pastas ou rolos de microfilme, com o código: 50-K-104-3115, no rolo 10.03.916, com o código: 50-J-0, sem o número final, no rolo 10.01.858.

[iii] O documento 50-K-104-3113 é um aditamento do painel “O Negro no Brasil”, efetivamente, ele foi enviado para ASI-USP sem o nome do autor ou qualquer indicação sobre sua relação com a Universidade de São Paulo. O documento 50-K-104-3115, enviado por Mourão uma semana antes, encontra-se na mesma pasta ou rolo de microfilme.

[iv] Além de não citar o autor, indicado na capa do documento, Kössling omite todas as passagens em que Mourão se compromete explicitamente com os fatos relatados.

[v] No período, além do FESTAC de 1977, Mourão apresentou a comunicação “Reprise de l’Afrique au Brésil”, em 1974, no colóquio de Dacar “Négritude et Amérique Latine” (MOURÃO, 1978). Segundo Jean Lacouture, ao contrário do que pregavam os jovens africanos nos anos 30, em sua conferência de abertura do colóquio, Léopold Senghor apresentou um conceito de negritude atrelado ao de mestiçagem (1974, p. 25).

[vi] A participação de Abdias do Nascimento no festival de Lagos foi analisada por Dávila (2011), Custódio (2011) e Januário (2012). Em 23 de maio de 2022, o músico e militante do movimento negro Evandro Fióti perguntou a Gilberto Gil, que participou do festival, sobre a polêmica intervenção de Nascimento, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ywNxZ1dluAg

[vii] Uma cópia desses telegramas se encontra nos arquivos do Itamaraty (DÁVILA, 2011, p 283).

[viii] Uma das estratégias de aproximação com os países africanos foi o investimento em intercâmbios acadêmicos e culturais (KÖSSLING, 2008). Sem explicitar a relação com o governo federal, o chanceler Silveira elogia os trabalhos do Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), da Universidade Federal da Bahia e do Centro de Estudos Africanos (CEA), da Universidade de São Paulo (SPEKTOR, 2010).

[ix] Segundo Kössling (2007, p. 128), uma cópia desse editorial do Jornal do Brasil encontra-se nos arquivos do DEOPS (Dossiê 50-E-29-96).

[x] Uma xerox com a capa, a página de rosto e o índice do livro Democracia racial: ideologia e realidade, de Thales de Azevedo (1975), encontra-se na pasta ou rolo de microfilme do painel “O Negro no Brasil”, código: 50-K-104-3112. Nesse livro, Azevedo faz uma série de críticas ao mito da democracia racial. Nos anos 80, o autor retoma a perspectiva conservadora que marcou boa parte do seu trabalho (GUIMARÃES, 2021).

[xi] Nessa mesma linha de reflexão, afirma Guimarães: “Nos anos de ditadura militar, entre 1968 e 1978, a ‘democracia racial’ passou a ser um dogma, uma espécie de ideologia do Estado brasileiro. Ora, a redução do antirracismo ao antirracialismo, e sua utilização para negar os fatos de discriminação e as desigualdades raciais, crescentes no país, acabaram por formar uma ideologia racista, ou seja, uma justificativa da ordem discriminatória e das desigualdades raciais realmente existentes” (2006, p. 269).

[xii] Em julho de 1978, essa denúncia de Nascimento torna-se uma das principais inspirações para a criação do Movimento Negro Unificado (MNU), que vai às ruas protestar contra a violência à comunidade negra (RAMOS, 2021). Em contraponto, no mesmo ano, a Revista de Antropologia da USP publica um artigo de Munanga apontando para a harmonia e a cordialidade nas relações entre pessoas brancas e negras no Brasil: “O branco brasileiro, ao invés de ser brutal ou hostil com seu compatriota negro, é antes caridoso e paternalista. Ele se toma de piedade pelo negro e o trata com doçura e ternura” (1978, p. 151).

[xiii] Exemplares das revistas Manchete e Visão encontram-se no acervo da Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da USP. Agradeço a cordialidade das bibliotecárias e bibliotecários que contribuíram com essa pesquisa.

[xiv] Curiosamente, esse artigo de Grzich, publicado em 1977, tem o mesmo título do editorial do Jornal do Brasil, publicado em 1974.

[xv] Segundo o militante Milton Barbosa, a jornalista Mirna Grzich ajudou a divulgar a primeira manifestação do Movimento Negro Unificado (MNU), em 7 de julho de 1978 (ALBERTI; PEREIRA, 2007, p. 150).

[xvi] Os intelectuais da delegação norte-americana que participou do grupo sobre “Civilização Negra e Consciência Histórica” do festival de Lagos foi composta por: Maulana Karenga, Ronald Walters, Harold Cruse, John Clarke e Molefi Asante (CUSTÓDIO, 2011).

[xvii] No início de 1977, ao lado de Fernando Henrique Cardoso, Mário Vargas Llosa e de outros intelectuais da América Latina, Skidmore fez parte do conselho do Programa Latino-Americano do Wilson Center (LOWENTHAL, 1982).

[xviii] Uma cópia desse livro de Diégues Júnior encontra-se no acervo do Instituto de Estudos Brasileiro (IEB) da USP. Agradeço a cordialidade das bibliotecárias. O quesito cor tem uma longa história de interferência da propaganda política estatal nas pesquisas censitárias brasileiras (CAMARGO, 2008). Como sociólogo, Diégues Júnior foi um dos pareceristas convidados para avaliar a pertinência do quesito no censo de 1970 (SENRA, 2008). Seu parecer foi contrário à exclusão do quesito cor.

[xix] Em 8 de junho de 1980, o caderno Folhetim, da Folha de S. Paulo, organizou um debate com intelectuais e militantes do Movimento Negro Unificado (MNU) sobre a democracia racial (ALBUQUERQUE, 1980). A publicação do debate foi precedida pelo artigo “O mito revelado”, de Florestan Fernandes (FERNANDES, 1980b). Nesse texto, Fernandes retoma o conceito de “potencial revolucionário”, analisado pelo seu ex-aluno e interlocutor Eduardo de Oliveira. Como certificam os militantes Regina Alves e Weber Lopes, esse conceito foi fundamental para a organização do movimento negro brasileiro (CUSTÓDIO, 2017; LOPES, 2017).

[xx] Alguns desses militantes do MNU fizeram parte da organização socialista Liga Operária e, posteriormente, da Convergência Socialista (CUSTÓDIO, 2017).

[xxi] Nos anos 70, participaram da criação do MNU estudantes universitários de outros estados, como Lélia Gonzalez e Maria Beatriz Nascimento. Mesmo em São Paulo, outros estudantes secundaristas e universitários participaram da criação do MNU, além de funcionários da USP. Carecemos de uma pesquisa detalhada sobre esse tema. Em 1972, surge o Grupo de Trabalho de Profissionais Liberais e Universitários Negros (GTPLUN), também enfatizando a participação de negras e negros universitários (DOMINGUES, 2020). Antonio Leite, uma das principais lideranças do GTPLUN, participou da criação do MNU (BARONETTI, 2021a).

[xxii] No item “Os ‘Panteras Negras’ não são permitidos” do seu livro Nem preto nem branco, Degler (1976) vale-se dessas análises de Fernandes sobre o movimento negro brasileiro dos anos 30 e 40 para estabelecer uma oposição com o movimento negro norte-americano dos anos 60 e 70. Num texto sobre Gilberto Freyre, Mourão (1976) contrapõe a sociedade multirracial brasileira às posições segregacionistas do “poder negro” norte-americano.

[xxiii] Numa entrevista para o militante Hamilton Cardoso, o sociólogo volta destacar a importância da contraviolência como forma de resistência (FERNANDES, 1980a). Em 1988, na edição impressa da revista Teoria e debate, Fernandes (1988) divide o espaço com Cardoso para tratar da história do movimento negro no Brasil.

[xxiv] A primeira parte dessa entrevista foi publicada no jornal Em Tempo, Ano III, n. 111, p. 27. Disponível em: https://acervo.fpabramo.org.br/index.php/jornal-em-tempo-116. Em 1985, cinegrafistas e pesquisadores do CULTNE registraram um encontro entre militantes da FNB e do MNU. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2FRnKpFLiQE

[xxv] Entre os militantes do MNU que vinham da Casa Verde estava Hamilton Cardoso (CARRANÇA; OLIVEIRA, 2020). Uma das lideranças do MNU, o docente e pesquisador Henrique Cunha Júnior, é filho de uma das grandes lideranças da FNB, o jornalista Henrique Antunes Cunha.

[xxvi] Uma das pessoas que esteve presente na história da primeira fase da ACN, dirigida por lideranças da FNB, e da segunda fase, dirigida por lideranças do MNU, foi Florestan Fernandes (SILVA, 2012b).

[xxvii] Por ser de uma família ligada às escolas de samba, Rafael Pinto conseguiu convencer Inocêncio Tobias, presidente da Camisa Verde e Branco, a disponibilizar o espaço da escola para os cursos de reforço escolar (BARONETTI, 2021b).

[xxviii] Encantou o jovem estudante saber que naquele país africano a negra e o negro podiam ser arquitetos ou engenheiros, podiam ser o que quisessem. A Zimbabwe tornou-se uma das mais importantes equipes de bailes blacks de São Paulo. Foi por essa gravadora que os Racionais gravaram suas primeiras músicas, como explica o próprio William Santiago, disponível em:  https://www.youtube.com/watch?v=Qe9X9Q_14Bo

[xxix] A reportagem do Fantástico sobre a relação entre os bailes black e o samba foi exibido em 24 de abril de 1977, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rhqb9TA7RXA

[xxx] Os trabalhos de Peter Fry (1982) e de Hermano Vianna (1987) trazem importantes reflexões sobre o papel político e cultural dos bailes black.

[xxxi] Os bailes blacks sofreram uma forte repressão policial na última ditadura empresarial-militar (COMISSÃO DA VERDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO “RUBENS PAIVA”, 2015; PEDRETTI, 2022).

[xxxii] Nessa época, a quadra da Unidos do Peruche ficava na rua Adelaide nº 249, atual rua Lavínio Salles Arcuri, na Casa Verde Alta. Segundo seu Carlão do Peruche, a ordem para a invasão da escola veio do DEOPS (BARONETTI, 2021a). Além de quebrarem as instalações da escola e os instrumentos musicais, os policiais feriram muitas pessoas com tiros e cassetetes. Seu Carlão mantém até hoje um abaloamento nas costelas.

[xxxiii] O documentário “O negro da senzala ao soul” foi exibido pela TV Cultura em 15 de julho de 1977, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5AVPrXwxh1A

[xxxiv] Transcrição da fita K-7 com a gravação da mesa redonda, localizada no acervo do Centro de Estudos Africanos (CEA) da USP (TRAPP, 2018, p. 174, nota 531).

[xxxv] Nos dias seguintes ao anúncio do veto do governo aos recursos para a realização da SBPC, o ministério da educação proibiu um encontro nacional de estudantes (PASSEATA EM BRASÍLIA, 1977).

[xxxvi] Além de apontar para uma perspectiva negativa nos trabalhos de Juana Elbein, um dos aditamentos ao painel elaborado por Mourão informa o endereço da antropóloga (SÃO PAULO. Dossiê 50-J-0-5361). No texto apresentado na quinzena do negro na USP, Juana Santos sustenta que o segmento cultural detentor do poder político e institucional impôs no Brasil a ambígua ideologia da democracia racial (1979).

[xxxvii] Poucos anos depois, Florestan Fernandes também tentou suicídio. O jornalista e militante do movimento negro Hamilton Cardoso suicidou-se em 1999. Na internação hospitalar provocada pela tentativa de suicídio, Fernandes contraiu a hepatite C e desenvolveu uma cirrose hepática que viria a vitimá-lo em 1995. É provável que nenhuma dessas decisões esteja relacionada diretamente às perseguições políticas. Todavia, aquele foi um período terrível para artistas e intelectuais: “Depois de abafar e reprimir por mais de quatro séculos qualquer florescimento da inteligência crítica e criadora, o pensamento conservador lograra varrer o terreno e impor, não sabemos por quanto tempo, o seu padrão mortiço de entreguismo intelectual e de covardia moral” (FERNANDES, 1977, p. 214).

 

Fonte: A Terra é Redonda | Foto/reprodução: MNU-CDR Teatro Municipal São Paulo, 1978.

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