Por Ana Prestes
Qual Chile será regido pela nova Constituição? Num processo extremamente interessante e de grande movimentação, a convenção constituinte trabalhará ao mesmo tempo em que o país elegerá um novo governo.
Em outubro de 2019, quando milhões de pessoas foram às ruas no Chile, uma das palavras de ordem que mais se ouvia enquanto os manifestantes pulavam indo ao ar e voltando com força estremecendo o solo chileno era: “no son 30 pesos, son 30 años”. Uma referência ao aumento de 30 pesos da tarifa do metrô que foi o estopim para o “estalido social”, como eles chamam, e os 30 anos de implantação do que entrou para a história como o modelo chileno de neoliberalismo. O Chile possui pouco mais de 18 milhões de habitantes, cerca de 8% da população brasileira. Naquele dia 25 de outubro de 2019, em que decididamente a Praça Itália se transformou na Praça Dignidade, a presença de mais de 1,5 milhão de pessoas nas ruas de Santiago equivale ao que seria no Brasil algo como 15 milhões de pessoas ocupando as ruas de Brasília.
A Constituição pinochetista de 1980 funciona como uma espécie de elo que liga o Chile atual ao passado ditatorial pós-derrubada de Salvador Allende. Mas desde sua publicação, não foi uma Constituição que dialogou apenas com o passado golpista, mas principalmente com o futuro neoliberal que projetava. A carta funcionou de lastro para o neoliberalismo sistemático dos últimos 30 anos, entoados nos cânticos dos manifestantes de 2019. Em um trabalho espetacular de compilação dos efeitos dessas três décadas sobre o país, Giorgio Boccardo e outros pesquisadores mostram como o conjunto das políticas de privatização dos serviços públicos de saúde, educação, aposentadorias, gestão da água e reformas laborais impactou nas condições de vida e na democracia chilena [1].