Por Simony Dos Anjos

Nas minhas andanças por igrejas deste Brasil, muitas vezes fui questionada sobre meus planos de transformar a igreja em uma igreja feminista. Ora, afinal o que querem as feministas cristãs?

Obviamente, não conseguirei dar conta da diversidade de teologias feministas, que questionam desde os padrões de gênero patriarcais ao universalismo colonial cristão e sua pretensa supremacia sobre todas as demais religiões. São muitas possibilidades: teologias feministas, teologias negras, africanas, queer, popular, do campo, da periferia…

Mas, neste primeiro texto de 2022, gostaria de falar de um ponto pacífico nas chamadas teologias feministas: a importância do Estado Laico para a garantia dos direitos das mulheres.

Como religiosas, o que queremos é que as igrejas deixem de trabalhar contra os direitos das mulheres. E é por isso que o Estado Laico é tão importante. A maioria das negativas aos nossos direitos, como legalização do aborto, salários iguais, segurança de nossas e vidas e corpos, é embasada em premissas patriarcais da igreja. Por meio de uma interpretação machista da Bíblia, criam-se máximas morais que privilegiam os homens e prejudicam as mulheres. Não está apenas dentro da igreja, mas em toda a sociedade.

Em 2022, o tripé do patriarcado: família patriarcal, religião e propriedade serão evocados por toda uma direita conservadora e anti-direitos. Foi com base em trechos bíblicos distorcidos, fake news e da moralidade cristã tosca que Bolsonaro embasou toda a sua campanha, é neste ano não será diferente. E o feminismo se torna uma ameaça.

Mas afinal, o que queremos? Coloco abaixo cinco pontos:

1. A Bíblia não é Constituição

Então não se deve legislar de acordo com o que está na Bíblia, ou do que se interpreta dela. Não queremos provar se a Bíblia permite ou não a legalização do aborto, ou casamento igualitário, ou o reconhecimento da diversidade dos corpos das mulheres (independentemente de suas condições biológicas).

Não nos interessa garantir nossos direitos na Bíblia, o que nos interessa é que a discussão da saúde sexual e reprodutiva da mulher seja discutida com base na ciência, nos dados e pautada na autonomia das mulheres sobre seus corpos. Assim, defendemos que qualquer Lei que se baseie em argumentos religiosos seja
considerada inconstitucional.

2. A não demonização da mulher

Sim, o que a Constituição diz em seu artigo quinto, é que temos a liberdade de culto. Isso não é, porém, um passe livre para discursos de ódio contra religiões de matrizes africanas, pessoas negras, mulheres, população LGBT+, dentre outros grupos que são atacados pelos fundamentalismos religiosos.

Em outras palavras, não se pode atacar direitos e pessoas por causa do que determinada interpretação da Bíblia acredita ser pecado. Por conta da criminalização do “pecado”, diariamente mulheres são assassinadas, terreiros queimados, pessoas LGBT+ expulsas de suas casas, dentre outros abusos.

3. Acesso aos direitos sexuais e reprodutivos

Recentemente, convênios de saúde e algumas UBSs na cidade de São Paulo, exigiram consentimento dos maridos para que mulheres implantassem o DIU. A ideia de que mulheres devem pedir para seus maridos para tomarem decisões sobre seus próprios corpos, é uma premissa do patriarcado cristão. E esta premissa não pode ser um
embasamento para políticas públicas de saúde. Em outras palavras, o Estado Laico garante que nenhuma interpretação religiosa do mundo interfira no acesso aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

4. Educação sexual nas escolas é fundamental

Este é um outro problema para os fundamentalistas. Em um Estado laico, religião alguma interferiria na educação das crianças. Ainda mais sobre educação sexual e de gênero, importante para alertar famílias e ensinar crianças a identificar e denunciar um abuso sexual.

Não são raros os casos de crianças que denunciam abusadores em aulas sobre educação sexual. Me lembro de quando a vacina de HPV foi autorizada pela Anvisa, alguns evangélicos espalharam a fake news de que essa vacina incentivaria crianças a fazer sexo. E sabemos que essa vacina tem um impacto na saúde das mulheres, principalmente, ao evitar o câncer do colo do útero. Assim, diariamente, falácias religiosas com a desculpa de defenderem uma integridade moral, propagam mentiras, desinformação e discursos de ódio.

5. Não usar a igreja, a fé e a vulnerabilidade das pessoas para fazer propaganda política

Religiões de matrizes cristãs, dentre elas as evangélicas, usam a tática do pânico moral como maneira de ganhar mentes e corações pelo medo. Estamos prestes a passar por uma campanha eleitoral na qual a religião pautará novamente o debate público. Isso em um país que é religioso, como o nosso, é um grave problema. Ao
invés dos candidatos debaterem programa, propostas para o povo, combate à fome, ao desemprego e por políticas de saúde, educação e moradia, falarão sobre a defesa de ser “cristão”. Ora, o Estado Laico nos garante esse direito, até que se mude o artigo quinto da constituição, todos podem ter a religião que quiserem. Mas na realidade, temos candidatos que defendem os privilégios de ser cristão, em detrimento da perseguição que pessoas de outras religiões sofrem.

Nós, feministas cristãs, estamos na defesa de um país que seja do e para o povo. Que combata as desigualdades sociais, raciais, de gênero etc. Neste contexto, o feminismo é uma ferramenta de denúncia das desigualdades e da construção de uma sociedade em que todas as pessoas tenham os mesmos direitos e dignidade.

Não nos furtamos de lutar lado a lado dos movimentos sociais, pelo meio ambiente, pela educação e tantos outros direitos. Fazemos isso dentro de nossas comunidades de fé, de mãos dadas com nossas irmãs que sofrem o peso do patriarcado. E seguimos denunciando essa corja de falsos profetas que se empoleiram em púlpitos e lucram às custas da fé do povo. Assim, seguimos nas trincheiras contra os fundamentalismos religiosos!

Que 2022 seja um ano de luta, esperança e transformação!

 

Fonte: Carta Capital.

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