Por Cesar Gaglioni
Iniciativa pretende ampliar o debate sobre as relações de poder entre brancos e negros no país, com a difusão de pesquisas e dados com linguagem simples.
Das 302 universidades públicas do Brasil, 294 têm reitores brancos. Os homens brancos da camada 1% mais rica da sociedade têm mais dinheiro que todas as mulheres negras do país.
O primeiro dado é resultado de um estudo feito pela ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros). O segundo, de um levantamento do Made (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo). Ambos são exemplos do tipo de fenômeno que o recém-lançado Observatório da Branquitude pretende explorar.
Neste texto, o Nexo explica o que é a iniciativa, fala sobre o conceito de branquitude e traz o contexto atual da ocupação de espaços de poder no Brasil.
A iniciativa
A iniciativa foi lançada na quarta-feira (4) e tem como objetivo ampliar o debate sobre as relações de poder entre brancos e negros no Brasil. A ideia é trazer o conhecimento produzido por centros de pesquisa como o Made e o ABPN para o público geral.
Com esse objetivo, a atuação da entidade se estrutura a partir de um tripé: pesquisa, comunicação e incidência (com a organização de campanhas e advocacy junto a empresas e governos).
Para isso, o Observatório aposta numa estratégia de redes sociais que passa pelo Twitter e pelo Instagram, com linguagem simples e bom design.
“Minha mãe é meu parâmetro, se minha mãe consegue entender a informação que estamos querendo transmitir, sei que o material está pronto para ser publicado”, disse ao Nexo Thales Vieira, coordenador-executivo do projeto.
A branquitude
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2019, os mais recentes, cerca de 70% dos cargos gerenciais são ocupados por homens brancos: no recorte racial, pretos e pardos representam 29,9%.
“Nós falamos muito sobre a falta dos negros nas instituições, mas nunca falamos do excesso dos brancos. A sociedade precisa entender que esse excesso empobrece as próprias instituições, que acabam ficando com uma visão única de mundo”, disse ao Nexo.
Ao descrever sua missão, o Observatório da Branquitude destrincha o conceito.
“Branquitude é o lugar de privilégios raciais simbólicos e materiais, que se construiu historicamente como o mais elevado da hierarquia racial. Atribui racialidade e subjetividade que estigmatiza a quem considera não branco, sendo essa a pedra fundamental do racismo”.
Observatório da Branquitude
O trabalho de desvelamento da ocupação de espaços de poder pelos brancos é objeto de estudo há tempos e tem sido mais divulgado ao longo da última década. Uma das principais pesquisadoras da área, a doutora em psicologia Cida Bento, uma das fundadoras do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), acaba de lançar “O pacto da branquitude” (Companhia das Letras).
“Sem precisar combinar explicitamente nada, os brancos se asseguram nos melhores lugares sociais. O pacto da branquitude é uma prática não-verbalizada. Não se transforma numa política de cotas. É exercido pelas pessoas brancas assegurando que outras pessoas brancas estejam nesses lugares, se mantenham”, disse Bento em entrevista concedida ao Nexo em março.
O contexto brasileiro
Nas últimas décadas, o Brasil implementou uma série de políticas públicas de inclusão, as ações afirmativas aplicadas, por exemplo, a concursos e processos para universidades públicas.
Em 2022, completa dez anos a lei federal 12.711, a Lei de Cotas, que reserva 50% das vagas no ensino superior e técnico a alunos oriundos de escolas públicas e cria cotas com critérios de renda e étnico-raciais (pretos, pardos e indígenas). A revisão da norma está prevista para 2022.
Há tempos especialistas destacam que a iniciativa privada também deve se engajar, implementando políticas de contratação, salários justos e projetos de responsabilidade social – indo além do discurso institucional, com ações concretas, metas e prazos.
Acelerar esse processo se tornou uma questão cada vez mais discutida, alavancando o surgimento de consultorias, cursos, livros e pós-graduações para capacitar especialistas em D&I, como é chamada a área de diversidade e inclusão. O tema também ganhou espaço na sociedade como um todo.
Para se sintonizar com o mercado, muitas empresas passaram a investir em ações de conscientização dentro de suas organizações, como cartilhas, mentorias e treinamentos, a contratar consultorias especializadas ou formar fóruns, comitês e conselhos.
No fim de 2020, por exemplo, surgiu o movimento Mover, que atualmente reúne 47 empresas, Ambev, Nestlé e Magalu entre elas. A iniciativa defende equidade racial e visa gerar 10 mil novas posições para pessoas negras em cargos de liderança até 2030.
Fonte: NEXO