Por Nicolau Neto, professor

 

Em 9 de janeiro deste ano a Lei 10.639/2003, que tornou o ensino da História e Cultura afro-brasileira e africana em escolas públicas e particulares do Brasil, completou 20 anos. Esta mesma lei foi alterada em 2008, que versa acerca da obrigatoriedade da História e Cultura afro-brasileira e indígena e, ambas modificaram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB/96). Apesar de tantos anos que entraram em vigor, elas ainda não são cumpridas em sua plenitude e, em alguns casos se limitam apenas ao artigo 79-B que foi inserido na LDB, tratando da inclusão no calendário escolar do “dia 20 de novembro como o dia Nacional da Consciência Negra”.

 

Por que, mesmo depois de duas décadas, ainda não conseguimos avançar como o esperado? Por que o livro didático – sendo a principal ferramenta de professores e professoras (embora não a única) -, ainda é carregado do eurocentrísmo? Por que nossa juventude preta e indígena ainda não se veem nas representações dos livros didáticos? Por que povos africanos e indígenas continuam sem retratados apenas nos períodos da colonização e do império? Por que ainda há o apagamento das contribuições do continente africano (inclusive como berço da filosofia e dos saberes matemáticos) dos livros didáticos?

 

A oficina – parte teórica

Parece até indagações feitas antes do surgimento das referidas leis. Mas não são. Infelizmente. Foi pensando nisso que nos propomos a realizar uma oficina junto a estudantes da EEMTI Padre Luís Filgueiras, em Nova Olinda, no interior do Ceará. A temática central é “O saber afro-indígena e o ensino de Sociologia nos livros didáticos.” Dentre os objetivos, destaque para dois: analisar como os povos africanos e indígenas aparecem nos livros didáticos de CHSA e refletir sobre a prática do ensino de sociologia, um dos componentes sob nossa responsabilidade. Para nos subsidiar nessas finalidades, estamos discutindo os marcos legais que orientam a construção de uma educação antirracista, onde levaremos para o debate as leis 10.639/03 e 11.645/08, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, a própria LDB/96, além do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola e o como tudo isso precisa estar interligado com os livros escolhidos por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

 

Nesse sentido, nossos estudantes e eu ao longo desse oficina, precisamos refletir e responder a várias perguntas. Além das que já levantamos, essa outra: o que os livros didáticos de CHSA têm apresentado sobre as questões socioculturais e os saberes dos povos africanos e indígenas na formação do Brasil?

 

Iniciada este mês nas turmas dos terceiros anos, trouxemos para a roda do diálogo dois intelectuais negros para nos subsidiar nas discussões. Um foi Abdias do Nascimento, ex-senador, escritor, artista plástico, professor universitário, dramaturgo e ativistas das causas negras. Lélia Gonzales, filósofa e antropóloga, além de ter sido a primeira mulher negra a escrever e falar sobre raça e gênero no país. Ambos nos trazem que o racismo foi e continua sendo o principal gargalo para a construção de uma educação que de fato respeite, valorize e propague os multisaberes, desarranjando toda forma de preconceito, discriminação e racismo. Afinal, Não há democracia plena onde o racismo ainda define lugares que pretos, pretas e indígenas devam ou não ocupar. Nesse sentido, a escola, como o mais importante espaço de promoção e divulgação de saberes sistematizados, precisa tomar essas questões como prioridades.

 

No primeiro contato ainda levamos outras indagações que tentaremos ao longo da oficina responder, mas sem a pretensão de esgotar o assunto. Quais sejam: por que é necessário insistir na afirmação de que a África é o berço da humanidade, das civilizações? Como essa afirmação pode contribuir na luta contra uma educação ainda arraigada nos moldes europeus e colonizadora e impactar no sentimento de pertencimento da juventude preta e indígena? Como os livros didáticos tem trazido essa questão? Como nós, professores e professoras, levamos essa assertiva para as aulas?

 

Parte prática da oficina

 

Após conhecerem os principais marcos legais da educação para as relações étnico-raciais e os/ principais autores/as dessas discussões, nossos estudantes analisarão os livros didáticos tendo como referências essas e outras legislações.

 

A ideia é contribuir para que os alunos e alunas sejam compartícipe da transformação do ambiente escolar, inclusive a partir de novas práticas de ensino, fazendo com que percebam que a equidade racial no Brasil só se tornará real se cada espaço fizer sua parte.

 

Ao fim da oficina, eles/as produzirão textos relatando a experiência e apresentando um diagnóstico do que foi constatado acompanhado de imagens.

 

Os relatos serão parte integrante de um artigo científico a ser construído para apresentação em eventos científicos e em revista com este teor.

 

Fonte: Blog Nicolau Neto.

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