RIO DE JANEIRO (Sputnik) – Protestos anti-racistas nos EUA denotam o fim da confiança de que as instituições atuais do país podem responder ao conflito de desigualdade racial, disse Samuel Vida, professor de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA). e membro do movimento negro, em diálogo com o Sputnik.

“Diferentemente do que foi visto na década de 1960, não há ilusões nos protestos atuais com o modelo institucional liberal, que demonstrou ao longo dos anos sua incapacidade de absorver as demandas por igualdade (…) Há uma decepção justificada. pela percepção de que as barreiras raciais persistem e que ganharam mais força quando foram toleradas e encobertas pelas instituições “, critica.

Os protestos, desencadeados em todo o país após o assassinato do cidadão afro-americano George Floyd por um policial branco em Minneapolis, dizem, segundo Vida, que nos EUA, como no Brasil, há “violência sistemática” contra a população negra. apesar do fato de não haver mais leis que protejam isso expressamente.

Na sua opinião, a maneira como o presidente Donald Trump está administrando a crise, pedindo aos governadores uma mão dura e ameaçando classificar movimentos antifascistas como “terroristas”, responde a dois fatores.

O primeiro seria a busca pela escalada do conflito, “desqualificar a legitimidade dos protestos” e fazer com que a opinião pública, que até então era favorável, passasse a questioná-los.

“O segundo interesse é de natureza ideológica: Trump é um supremacista branco, para ele é importante que a legitimidade e intensidade desses protestos mobilizem setores já organizados da extrema direita para que eles também saiam às ruas”, diz o especialista; Em suma, seria uma questão de mobilizar sua base, algo essencial alguns meses após as eleições presidenciais.

Paralelismos

Traçando paralelos com o Brasil, Vida observa que os dois países, como todos os estados americanos da diáspora negra, compartilham o fato de que “valores coloniais” permanecem: o sistema de privilégios e poder concentra-se em uma trama branca de a população e as instituições colaboraram historicamente na “agenda da discriminação racial”.

No entanto, Vida destaca uma diferença importante: nos EUA, o modelo segregacionista possibilitou uma maior unidade de identidade entre os negros, enquanto no Brasil havia uma estratégia de “falsa integração” e repressão muito violenta que, juntamente com a maior miscigenação do sociedade, identidade de grupo bloqueada.

Foi criado o mito da “democracia racial”, que defende que no Brasil não há discriminação racial, porque existe uma integração harmoniosa entre as raças; as diferenças seriam apenas de pobreza, de classe.

Por muito tempo, essa lenda funcionou, admite Vida, que lembra como, desde a década de 1980, com a reorganização do movimento negro no Brasil e novas conquistas que, por sua vez, geraram fortes reações (como cotas raciais em universidades públicas, por exemplo) Esse mito da “democracia racial”, muito instalado socialmente, começou a ser desmantelado.

A polícia brasileira é uma das mais mortais do mundo (matou mais de 5.800 pessoas no ano passado) e 75% dos mortos são negros, a maioria jovens, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Nos demais indicadores sociais, como diferenças salariais, posições de responsabilidade, percentual da população encarcerada, etc., os afro-brasileiros sempre perdem; Por esse motivo, muitos observam atentamente o que está acontecendo atualmente nas ruas dos Estados Unidos.

“A dimensão do que está acontecendo nos EUA estimula o que estamos fazendo aqui e alimenta a consciência pan-africanista, a consciência de que estamos no mesmo barco em toda a diáspora. A coisa de George Floyd nos toca, porque fala sobre o que está acontecendo aqui também , existe uma conexão, uma relação de reforço “, diz Vida.

Alguns dias atrás, agentes da Polícia Militar que estavam em uma operação em uma favela nos arredores do Rio de Janeiro (sudeste) atiraram em João Pedro Mattos, adolescente de 14 anos.

 

Sua morte foi adicionada à de outros menores mortos nas mesmas circunstâncias e causou indignação e alguns protestos, embora sem a cobertura da mídia que as manifestações nos EUA estão tendo.

Além de professor de direito e ativista, Vida é secretário executivo do gabinete afro de articulação institucional e jurídica (Aganju) e membro da Comissão Nacional da Verdade sobre Escravidão Negra no Brasil da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

 

Fonte: Sputnik.

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