[Imagem: Cartaz do filme 1798 Revolta dos Búzios, Portfolium]

Entrevista do cineasta Antonio Olavo sobre seu filme antológico, “1798 Revolta dos Búzios”

 

Por Antonio Olavo

Ao longo da história o movimento de 1798 ganhou várias denominações. Nos Autos da Devassa, que procedeu logo após o surgimento dos “papéis revolucionários” em 12 de agosto de 1798, os desembargadores denominaram de Sedição de Mulatos. Tempos depois alguns historiadores passaram a utilizar nomes os mais diversos, vejamos alguns: Conspiração Socialista na Bahia (Francisco Adolfo de Varnhagen, 1857); A Conjuração de João de Deus (J.C. Fernandes Pinheiro, 1860); Sedição de 1798 na Bahia (José Carlos Ferreira, 1890); Inconfidência Baiana (Egas Muniz de Aragão, 1922); Conspiração Republicana(Braz do Amaral, 1931); A Primeira Revolução Social Brasileira (Afonso Ruy, 1951); Movimento Revolucionário Baiano de 1798 (Luís Henrique Dias Tavares, 1961); Movimento Democrático Baiano de 1798 (Kátia Mattoso, 1969); Ensaio de Sedição de 1798 (István Jancsó, 1993).

 

Houve outras denominações, mais ou menos usual conforme o tempo. Na primeira metade do século XX se falava muito em Revolução dos Alfaiates, atualmente alguns historiadores e livros didáticos preferem Conjuração Baiana, mas também temos Revolta dos Búzios, adotada por entidades e ativistas do Movimento Negro. Outra denominação interessante é Revolta das Argolinhas, que foi muito frequente no meio popular. E isso bate com as descrições físicas dos interrogados contidas nos Autos da Devassa que registram o uso de brinco na orelha por parte de Manuel Faustino e Lucas Dantas, dois dos líderes do movimento.

 

Minha opção por Revolta dos Búzios foi no sentido de somar forças com o Movimento Negro, que desde o final dos anos 1970, já com grupo Palmares Iñaron, sob a liderança de Antonio Jorge Victor Godi, trazia o 1798 para o teatro chamando Revolta dos Búzios. Logo depois vieram os blocos afros, o Olodum em 1985, o Ilê Aiyê em 1991 que saíram as ruas com esse tema e esse título: Revolta dos Búzios. Mas lá atrás, em 1932, o jornalista Viriato Corrêa publicou na conceituada Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia um artigo intitulado A Conspiração dos Búzios. Certamente que o uso da palavra Búzios era decorrência de algumas falas durante os interrogatórios conduzidos pela Devassa indicando que haveria sinais que identificavam os participantes da conspiração de 1798. O ourives Luiz Pires, considerado “um dos principais cabeças da conjuração”, em certa ocasião numa conversa com o cirurgião prático José Freitas Sacouto teria dito que “todos os que visse com brinquinho na orelha, barba crescida até o meio do queixo e com um búzio de Angola nas cadeias do relógio, este era francês e do partido da rebelião” (AUTOS DA DEVASSA, 1998, p. 753). Não podemos esquecer que os búzios tem uma simbologia importante nas religiões de matriz africana.

Contudo, considero que por mais identificações tenha o movimento, isso não é relevante e sim o seu conteúdo, suas ideias, suas bandeiras, de uma importância imensa para o Brasil, difícil de mensurar. O 1798 na Bahia é mais importante que a Inconfidência Mineira, de 1789. A Inconfidência Mineira foi um movimento da elite branca que defendia as bandeiras da Independência e da República. Teve seu valor sem dúvida, mas era limitada em relação ao alcance social dos conspiradores e não tocou no cerne da questão que moldava toda a estrutura econômica e social da colônia: o fim da escravidão. O movimento de 1798 na Bahia, que teve uma certa participação dos brancos ilustrados, mas que foi protagonizado por homens negros, defendia explicitamente a “Independência do Continente do Brasil”, que somente ocorreria em 1822/1823, uma “República Democrática”, proclamada tardiamente em 1889 e o “fim da Escravidão”, uma conquista somente assegurada em 1888. Defender o fim da escravidão é um diferencial qualitativamente revolucionário, porque nenhum outro movimento da época defendia isso. Então, do ponto de vista histórico, a Revolta dos Búzios é um movimento mais relevante que a Inconfidência Mineira. Por que ela é muito pouco conhecida enquanto a mineira vive intensamente celebrada com rememorações e até um feriado nacional? A resposta está na questão racial…. simples de entender.

 

Tenho buscando nos últimos 19 anos contribuir para que essa história seja nacionalmente conhecida. O filme 1798 REVOLTA DOS BÚZIOS tem esse objetivo. Ressalto que já conquistamos aqui na Bahia, oficialmente, o 8 de novembro como o Dia Municipal em Memória dos Mártires da Revolta dos Búzios e precisamos avançar na conquista doDia Estadual e Dia Nacional. Esta é uma bandeira que precisamos assumir coletivamente e um grande sonho que espero poder viver. No 8 de novembro, em 1799, foram enforcados e esquartejados quatro jovens negros: Luiz Gonzaga (36 anos), João de Deus (27 anos), Lucas Dantas (24 anos) e Manuel Faustino (22 anos) na Praça da Piedade, em Salvador. Esses homens foram condenados e executados por lutarem por bandeiras que nós hoje usufruímos, por isso suas memórias são INDELÉVEIS!

 

Assista:

BahiaCast – Antonio Olavo e a Memória Negra

 

Filme 1798 Revolta dos Búzios

 

Meu caro Jorge Alfredo, já que estamos concluindo essa entrevista, quero registrar meus profundos e sinceros agradecimentos a você por todo apoio e dedicação para com esse movimento de difusão do 1798. E por fim, agradecer muito a distribuidora Abará Filmes, na pessoa de Vitor Rocha, com a consultoria luxuosa de Walter Lima, que montou uma equipe dedicada e eficiente (Albenísio Fonseca, Elias Oliveira, Patrícia Rabello, Suelen, André K, Raimundo Bujão, Thiago Lisboa…) que abraçou o filme 1798 REVOLTA DOS BÚZIOS (atualmente na 10ª semana em cartaz nas salas de cinema) e o espalhou por esse Brasil.

 

 

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