[Foto: Quilombo Mumbuca, Jalapão-TO]
Por Tayguara Ribeiro
Está em análise no Supremo Tribunal Federal o marco temporal para terras indígenas. A tese voltou a pauta do STF em 7/06/2023, mas o ministro André Mendonça pediu vista (maior tempo para análise) e suspendeu o julgamento do processo.
O tema, entretanto, não é uma novidade quando se trata de comunidades tradicionais. A corte já negou, em 2018, a existência do marco temporal em relação aos territórios quilombolas. Em fevereiro daquele ano, por maioria de votos, o Supremo considerou constitucional o decreto presidencial que regulamentava a titulação das terras ocupadas por remanescentes de pessoas escravizadas, sem a necessidade de utilizar como data base a Constituição de 1988.
O posicionamento do STF levou em conta que os quilombos são consequência do processo de escravização promovido no Brasil durante séculos.
“A decisão do Supremo afasta a proposição de um recorte na linha do tempo para o reconhecimento dos territórios quilombolas“, afirma Flávio de Leão Bastos, coordenador no núcleo de direitos indígenas e quilombolas da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP.
“Essa linha de interpretação que foi predominante no Supremo deve ser mantida, salvo alguma surpresa. Se é inconstitucional o marco temporal em relação aos quilombolas, será para os indígenas”, avalia.
A decisão do Supremo em 2018 foi tomada em sessão de julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade que foi movida pelo então Democratas (hoje parte do União Brasil). O partido afirmava existir inconstitucionalidades na regulamentação da titulação de terras quilombolas, o que foi negado pela corte.
Na sessão de 2018, o ministro Dias Toffoli afastou a alegação de inconstitucionalidade. Entretanto, decidiu incluir em seu voto um marco temporal no sentido de que somente deveriam ser titularizadas as áreas que estavam ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos na data da promulgação da Constituição em 5 de outubro de 1988.
Contudo, o entendimento sobre o marco temporal para terras quilombolas não foi seguido pelos outros ministros, que afastaram a possibilidade durante a decisão.
Na época, o ministro Edson Fachin, por exemplo, disse que em relação à questão indígena esse tema já enseja questionamentos de complexa solução, quanto ao direito à propriedade das áreas dos quilombolas a questão tem contornos ainda mais sensíveis.
Segundo o ministro, a ausência de regulamentação da matéria antes da Constituição de 1988 torna muito difícil ou até impossível a comprovação da presença dessas comunidades.
Luís Roberto Barroso disse na época que, além das comunidades que estavam no local na data da Constituição de 1988, também têm direito aquelas que tiverem sido forçadamente desapossadas e vítimas de esbulho renitente desde que a relação com a terra tenha sido preservada.
“Você tem uma decisão que apresenta um posicionamento do STF sobre o assunto. Terras quilombolas não podem sofrer ação temporal sobre o aspecto existencial”, analisa Flávio de Leão Bastos, da OAB.
Denildo Rodrigues de Moraes, Coordenador Executivo da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) afirma que esse reconhecimento do Supremo é fundamental.
“As comunidades quilombolas chegaram ao Brasil em um processo da escravidão. Remeter essa luta histórica a 1988 é deslegitimar todo o processo histórico do país”, diz.
Ainda segundo ele, ao longo desse período houve grilagem, comunidades perdendo suas terras em função da pressão do agronegócio e por conta de grandes empreendimentos.
“Então, não tem como querer que uma comunidade comprove que estava ali antes porque teve todo esse processo de roubo da terra do nosso povo”.
Denildo, mais conhecido como Biko, afirma ver similaridades entre os casos de indígenas e quilombolas e espera que o Supremo também determine a ausência de um marco temporal para a demarcação de territórios indígenas.
“Eles já estavam aqui antes da colonização. São povos originários. Demarcar terra indígena, titular terra quilombola é o Brasil entender o papel dessas comunidades na preservação dos biomas, da biodiversidade, de toda essa riqueza”.
O julgamento sobre o marco temporal tem dois votos contra a tese (Fachin e Alexandre de Moraes) e um a favor (Kassio Nunes Marques). Não há data para a retomada do assunto.
Fonte: Folha de São Paulo.